Política

Brasil, um gigante desconhecido I Wesley Sá Teles Guerra

BRASIL, UM GIGANTE DESCONHECIDO

 

O Brasil, com sua vasta extensão territorial e rica diversidade cultural, é um verdadeiro gigante desconhecido para muitos. Embora esta afirmação possa assustar a algumas pessoas, já que o Brasil participa em diversos foros e organizações internacionais, além de possuir uma marca país bastante reconhecida e uma diáspora considerável em algumas nações como Portugal ou Espanha, o fato é que existe um conhecimento superficial da realidade brasileira e uma construção imagética por vezes distante da realidade e assimilada muitas vezes pelos próprios brasileiros que vão ao exterior e que reforçam essa imagem… 

 

Assim mesmo, o Brasil recebe ao ano pouco mais de 6 milhões de turistas estrangeiros, sendo a metade deles do cone sul, de modo que ainda que seja famoso, está muito distante a ser uma potência turística e um país realmente conhecido por outras nações. Somente a cidade de Barcelona, por exemplo, supera a todo o Brasil em número de visitantes…a Espanha no total recebe 6x mais turistas que todo o país….

 

Esse conhecimento superficial do Brasil, se deve em parte, pelo fato de que ao longo dos séculos, o país passou por transformações profundas que moldaram sua história, economia e sociedade. Mantendo sempre uma historiografia alinhada à academia europeia, assim mesmo, o Brasil consolidou sua imagem em uma série de elementos identitários que não sempre são capazes de representar a totalidade do território e que foram determinados a partir do final do século XIX, porém amplamente manipulados ao longo da ditadura militar, efeito este, não muito diferente ao que acontece com outras nações, cuja imagem é composta por generalizações em lugar de informações concretas, no simples intuito de homogeneizar a população e restringir ao máximo sua variedade.

 

Rio de Janeiro, visão clássica do Brasil.

 

Porém… Nem tudo no Brasil é samba, calor, futebol e favelas… No Brasil, tem frio, tem música clássica, tem cidades projetadas, tem atletas de elite… Nem tudo é uma herança de Portugal, o país já esteve sob o domínio da Espanha, já foi capital do Império Português, mas também teve territórios ocupados por holandeses e franceses que lá deixaram sua marca… O Brasil não é um país de emigrantes, pois menos de 10% dos brasileiros de fato moram no exterior, por outro lado o país é receptor de imigrantes desde o final do século XIX, recebendo primeiro os europeus, posteriormente asiáticos e mais recentemente cidadãos do sul global, ainda que em menor medida quando comparado aos países vizinhos.

 

Bairro da Liberdade (migração asiática) em São Paulo.

 

O Brasil não é um país pobre e exclusivamente agrícola, de fato sempre esteve entre as maiores economias do planeta (à exceção dos anos 80), sem embargo a repartição dos recursos jamais foi equitativa ou justa, mesmo produzindo desde commodities a aviões.

 

Fábrica de aviões no Brasil.

 

E é por este motivo que neste artigo, exploramos algumas das facetas menos conhecidas do Brasil, desde suas principais cidades até sua notável variedade de influências culturais.

 

História e Diversidade Cultural

 

A história do Brasil é marcada pela influência de povos diversos que contribuíram para a formação da identidade nacional. 

 

Colonizado majoritariamente por Portugal, o país esteve sob o domínio da Espanha durante o período da União Ibérica (1580-1640), e  também contou com incursões e ocupações de holandeses (Recife e região) e franceses (São Luís do Maranhão), assim como a influência de potências como a Grã Bretanha e posteriormente dos Estados Unidos.  Abrigou uma variedade de imigrantes que deixaram um impacto duradouro e persistente em sua cultura.

 

Recife, cidade que esteve sob domínio dos holandeses.

 

Imigrantes japoneses, libaneses, italianos, espanhóis, portugueses, alemães e holandeses encontraram no Brasil um novo lar, enriquecendo a cultura e a sociedade com suas tradições, culinária e línguas. Tanto é que no Brasil existem dialetos do alemão, italiano e japonês, além de outros que já não existem em suas regiões de origem ou que estão desaparecendo como o pomerano.

 

A influência dos povos africanos, muitas vezes generalizada, trouxe o impacto das crenças religiosas de matriz africana, mas também muçulmanas (aspecto pouco estudado), assim como o impacto da cultura nativa que é igualmente generalizado, porém cuja população se divide em diversos grupos linguísticos e culturais, e mesmo quando o tupi era uma das línguas mais faladas durante o período colonial, a mesma praticamente desapareceu do país e a diferença de outras nações vizinhas, jamais ocupou na constituição o papel de língua oficial.

 

De modo que essa visão homogênea do Brasil, já seja étnica, cultural ou linguística é um grande erro ou talvez o fruto persistente de uma construção muitas vezes imposta em lugar de uma evolução natural do país e de sua sociedade. E mesmo havendo pessoas que ainda não falam o português (imigrantes do interior ou populações indígenas mais isoladas) o idioma oficial (Português) foi muitas vezes imposto à população, havendo períodos em que o uso de línguas estrangeiras por comunidades de imigrantes no Brasil, chegou a ser proibido. De modo que ter exemplos de como muitas subsistiram e ainda existem é um exemplo de resiliência e diversidade que agrega mais ao país do que essa visão homogênea tão trabalhada e que muitos defendem. O português é o idioma oficial porém não é o único que existe.

 

Proibição de falar outros idiomas durante a ditadura.

 

Um país de cidades: 

O Brasil é uma nação de contrastes, refletidos nas suas principais cidades. Estima-se que 80% da população brasileira é urbana e que se concentra em uma franja litorânea que se adentra no território a uma distância média de 200km e 300km do mar. Havendo uma baixa densidade de população no interior do país, salvo exceções como Brasília.

 

Essa realidade demográfica não somente explica os motivos que levaram à construção da capital federal nos anos 60, como também reflete a ocupação portuguesa que se deu principalmente na região do litoral. Ao final, o Brasil esteve dividido até o século XVIII entre Espanha e Portugal, e toda incursão feita em território além da linha de Tordesilhas era ilegal, sendo que somente após o tratado de Madri, 1750 D.C, a parte espanhola passaria a integrar o território do que hoje conhecemos como Brasil.

 

Tratado de Madri, 1750.

 

Esse processo de ocupação territorial, por sua vez, exemplifica o fato de que as principais cidades do Brasil estejam na costa ou próxima a ela.

 

Legenda: “Brasil, um gigante desconhecido_7”: São Paulo, cidade com mais de 22 milhões de pessoas na área metropolitana.

 

São Paulo, o centro financeiro e cultural da nação, dista a pouco mais de 70km, enquanto o Rio de Janeiro que cativa com suas praias icônicas e que já foi capital do país está em pleno litoral. Outras cidades, como Salvador, Natal, Fortaleza, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e Curitiba, estão ou bem no litoral ou em regiões próximas, e apresentam cenários únicos, variando desde praias paradisíacas até arquitetura histórica e rica vida cultural.

Cidade de Recife, exemplo de ocupação do litoral do Brasil.

 

Por outro lado, algumas cidades do interior do país, tais como Manaus ou Belém, são exemplos de outro processo muito discutido na atualidade sobre a ocupação urbana em regiões da Selva Amazônica, mas que de fato têm sua origem em processos históricos pouco falados ou estudados na academia, como a existência do Grão Pará, como província que teve seu auge durante o ciclo da borracha e que usufruiu de uma certa autonomia até sua elevação como estado do Brasil.

 

Já cidades como Brasília, Palmas, Goiânia, entre outras capitais da região central, são cidades recentes fundadas ao longo do século XX.

 

Cidade de Goiânia, fundada em 1933.

 

Conhecer a formação territorial e demográfica brasileira é fundamental para entender processos tais como a favelização, as concentrações étnicas e a diversidade urbana, havendo cidades com elevada população de origem europeia como Florianópolis e outros com uma marcada presença da população afrodescendente como Salvador da Bahia ou Rio de Janeiro. 

 

Diversidade Natural e climática

 

Devido à imensidão do território Brasileiro, o país possui um enorme e diversificado património natural que vai além das famosas praias ou da selva Amazônica. Podemos encontrar dunas de areia gigantes, um deserto único com diversos lagos estivais, uma grande quantidade de formações montanhosas e de canyons, a maior área inundada do planeta (Pantanal), uma vasta savana ou cerrado americano e diversos tipos de selvas tropicais, sendo a mais impactada pela ocupação territorial a conhecida como Mata Atlântica ou selva litorânea brasileira (e não a selva Amazônica como muitos acreditam) cujo território atual é apenas 13% do que foi em sua origem e que por se localizar no litoral foi devastada ao longo da história, desde as primeiras extrações de pau brasil durante os tempos coloniais, à industrialização e o auge urbano do século XX.

 

Porém, outro aspecto pouco conhecido do Brasil é a existência da savana americana ou cerrado, semelhante à savana africana e em perigo de extinção devido às atividades agrárias.

 

Chapada dos Guimarães, em pleno Cerrado brasileiro.

 

Outro fato desconhecido do país é a ocorrência de neve e baixas temperaturas, no sistema de altas montanhas das serras litorâneas, cujo pico mais elevado é o da Bandeira com seus 2891m e a precipitação de neve na região conhecida como Planalto das Neves em Santa Catarina, cuja cidade de Urubici registra as temperatura mais baixas do Brasil sendo o recorde histórico de -17.8ºC. Algumas capitais tais como Curitiba e Porto Alegre e até mesmo São Paulo, registram no inverno temperaturas negativas, porém devido à tipologia do clima não registram neve, o que não significa que não faça frio.

 

Neve no Brasil.

 

Então não, o Brasil não é esse forno que muitos pensam ser…

 

Mais que samba e funk: Um País de Muitas Facetas 

 

O Brasil é verdadeiramente um gigante desconhecido, repleto de riquezas culturais, históricas e naturais que muitas vezes não são amplamente reconhecidas. De suas cidades vibrantes a seus encantos naturais, a diversidade e o potencial do país são evidentes. Explorar o Brasil vai além dos cartões-postais, é descobrir um país multifacetado e repleto de surpresas. Porém, para terminar este artigo nada melhor que desconstruir uma imagem muito utilizada para retratar o Brasil… o Carnaval…Deixando claro que eu amo os desfiles das escolas de samba e tudo o que isso representa para a cultura brasileira! Porém, nem todos os brasileiros se sentem refletidos no carnaval e tem muita mais coisa no Brasil…

 

Desfiles no Rio de Janeiro.

 

O Carnaval é importante para o Brasil pelo fato de representar de forma magistral um pouco da história do país, já que une os ritmos africanos, as alegorias e tradições da Europa com as penas e decorações indígenas. Além disso, retrata o convívio das diferentes classes sociais, já que as escolas de Samba estão localizadas nas favelas e são seus humildes moradores os que organizam a festa que é frequentada pela elite nacional e internacional.

 

Porém, nem todo carnaval no Brasil é samba. Nos estados do Nordeste, são comuns os grupos de Axé e outros ritmos. Em cidades como Olinda, a tradição dos bonecos nos remete ao norte de Portugal e na região da Amazônia abraça as lendas indígenas. Já em Minas Gerais, o Carnaval muito se parece às festas de verão de aldeias portuguesas e espanholas.

 

Carnaval de Olinda: Pernambuco.

 

Porém, outros ritmos são importantes no Brasil: o sertanejo, com forte influência do country americano, está presente na região central que organiza grandes shows nas famosas festas dos peões (cowboys), com direito a rodeios e tudo… já o Reggae é figura marcada em São Luís do Maranhão e outras cidades litorâneas, assim como o rock “paulista” está presente em cidades como Brasília e São Paulo. Até mesmo na capital do Carnaval mundial (Rio de Janeiro), o samba divide palco com o funk nascido nas favelas como forma de reivindicar suas comunidades e com a Bossa Nova e outros ritmos mais eruditos e que conquistaram a audiência internacional, com músicas tais como “A Garota de Ipanema”.

 

Festa do Peão de Barretos.

 

O Brasil também é berço de grandes escritores, dramaturgos, poetas, artistas e arquitetos… Lá, autores como o famoso na Europa Paulo Coelho não tem peso quando comparado com Suassuna, Clarice Lispector, Jorge Amado… E a sua arte vai além das manifestações urbanas dos graffitis de São Paulo, passando por Tarsila do Amaral e por Portinari, cuja obra “Guerra e Paz” decora nada mais e nada menos que a Assembleia das Nações Unidas em Nova York, superando em dimensões ao próprio “Guernica” de Picasso.

 

“Guerra e paz” em exposição”.

 

E tem muitas outras faces desconhecidas do Brasil que, sem dúvida, iremos abordar em outro artigo…

Fotografia de Wesley Sá Teles Guerra

Wesley Sá Teles Guerra, formado em Negociações Internacionais pelo Centre de Promoció Econômica del Prat de Llobregat (Barcelona), Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília, Pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, MBA em Marketing Internacional pelo Massachussetts Institute of Business, MBA em Parcerias Globais pelo ILADEC, Mestrado em Políticas Sociais com especialização em Migrações pela Universidade de A Coruña (Espanha), Mestrado em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes (Smartcities) pela Universitat Carlemany (Andorra) e doutorando em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea Internacional. 

Atuou como paradiplomata e especialista em cooperação internacional e smartcities para a Agência de Competitividade da Catalunha (ACCIÖ – Generalitat de Catalunya), atualmente é colaborador sócio do Instituto Galego de Análise e Documentação internacional (IGADI) e do Observatório Galego da Lusofonia (OGALUS), Também participa como coordenador da área de Economia, Ciência e Tecnologia do CEDEPEM – UFF.

Idealizador e diretor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro do Smart City Council, do IAPSS International Association for Political Sciences Studentes, do Consório Europeu para a Pesquisa Política, REDESS, Centro de Estratégia e Inteligência das Relações Internacionais e colaborador da ANAPRI.

Autor dos livros ”Cadernos de Paradiplomacia” (2021) e “Paradiplomacy Reviews” (2021) além de participar do livro “Experiências de Vanguarda, no ensino nos países lusófonos” publicado em 2021 pelo CLAEC e organizado pela Dra. Cristiane Pimentel. 

Professor, articulista e especialista: wesleysateles@hotmail.com

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