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Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional? | Celso Japiassu

Existem outras dezenas de casos de genocidas numa galeria de criminosos condenados pelo Tribunal Penal Internacional da qual Bolsonaro poderá vir a fazer parte, se forem julgadas procedentes as alegações que deram motivo à denúncia apresentada pela Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.

 

Tudo indica que a Justiça brasileira vai começar a cobrar Bolsonaro pelos crimes que cometeu enquanto presidente. Por isso é bom lembrar o provável julgamento em que ele também é réu no Tribunal Penal Internacional (International Criminal Court).

 

A justiça internacional está em processo de análise da denúncia em que o ex-presidente é acusado de incitar o genocídio e promover ataques sistemáticos contra os povos indígenas do Brasil. Em pauta também está a exposição dos cidadãos brasileiros à Covid-19, estimulando o contágio e a proliferação do vírus durante a fase mais negra da pandemia. O tribunal, sediado em Haia, na Holanda, informou que está fazendo essa análise o mais rapidamente possível, mas ainda levará algum tempo até à eventual decisão de abertura de julgamento. As penas previstas variam de até 30 anos de prisão a prisão perpétua em casos extremos. Há também a possibilidade de outras penas como multas e perda de bens.

 

A denúncia contra o presidente brasileiro foi feita pela Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), ambos constituídos por personalidades importantes e representativas da sociedade brasileira. Outras 223 organizações civis, partidos políticos e movimentos sociais vieram juntar-se a essa iniciativa. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns, criada em fevereiro de 2019, diz em seu manifesto de fundação que foi instaurada “para a proteção da integridade física, da liberdade e da dignidade humana dos que possam estar ameaçados neste novo período duro da história brasileira”. Já o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos é formado por advogados e advogadas de várias regiões do país e “procura promover os direitos humanos em ações estratégicas de grande impacto”.

 

Pronunciamentos e omissões

 

A ação com mais de setenta páginas enumera uma série de ações, pronunciamentos e omissões de Bolsonaro tanto em relação aos indígenas quanto ao meio ambiente, responsáveis pelo país bater novos recordes de desmatamento e por aumentar as ameaças contra povos originários.

 

O Tribunal Penal Internacional foi criado por 106 países, entre eles o Brasil, para o julgamento de acusados de crimes de interesse internacional, como genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. As acusações contra Bolsonaro inserem-se nos objetivos do tribunal.

 

Julgamentos

 

Caso o tribunal aceite a denúncia, Jair Bolsonaro poderá vir a fazer parte de uma nata de criminosos já julgados e sentenciados pelo Tribunal Penal Internacional.

 

Augustin Bizimungu, de Ruanda, comandante do Estado Maior do Exército, foi considerado culpado pelo assassínio de 800 mil pessoas da etnia tutsi. Estimulou o genocídio com seus discursos radicais. Condenado a 30 anos de prisão.

 

Ante Gotovina foi general do exército da Croácia e condenado a 24 anos de prisão por crimes de guerra e contra a humanidade junto à população sérvia. Foi julgado responsável pela morte de civis e soldados que depuseram armas. Seu julgamento durou quase um ano.

 

Gaspard Kanyarukiga, empresário e chefe de milícia de Ruanda, foi condenado a 30 anos de prisão por envolvimento no massacre de dois mil tutsis. Foi considerado culpado dos crimes de genocídio, extermínio e crimes contra a humanidade.

 

O ex-tenente-coronel Vujadin Popovic e o ex-coronel Ljubisa Beara foram condenados a prisão perpétua pelos crimes de genocídio, extermínio, homicídios e perseguições durante a guerra da Bósnia, na ex-Iuguslávia. Outros cinco oficiais também foram condenados no mesmo processo.

 

Radovan Karadzic foi presidente da autoproclamada República Sérvia. Capturado depois de passar doze anos como fugitivo, respondeu perante o Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade durante a Guerra da Bósnia e o cerco de Sarajevo. Foi sentenciado a 40 anos de prisão, recorreu e sua pena foi aumentada para prisão perpétua.

 

Dragomir Milosevic, general servo-bósnio, condenado a 33 anos de prisão por terrorismo, crimes de guerra, assassinato, atos desumanos e crimes contra a humanidade. Responsável pelo ataque a um mercado de Sarajevo que causou a morte de 34 civis e outros 78 ficaram feridos.

 

Existem outras dezenas de casos de genocidas numa galeria de criminosos condenados pelo Tribunal Penal Internacional da qual Bolsonaro poderá vir a fazer parte, se forem julgadas procedentes as alegações que deram motivo à denúncia apresentada pela Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos.

 

Boicote

 

A representação ao Tribunal Penal Internacional denuncia também o boicote do governo Bolsonaro ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a expulsão dos médicos cubanos, enfatizando a crise sanitária que desestabilizou o país. Além de não ter apresentado qualquer plano para enfrentar a pandemia, diz a denúncia, Bolsonaro impediu que o Congresso Nacional tomasse iniciativas nesse sentido. “Os vetos do presidente, diz o texto da denúncia, tiram o acesso a um tratamento de saúde digno neste momento de pandemia, tiram o acesso à água potável, à ajuda emergencial, a cestas básicas”.

 

Um dos vetos impediu que populações indígenas tivessem possibilidade de água potável. As taxas de infecção e mortalidade desse grupo é duas vezes maior do que no restante da população brasileira.

 

Fotografia de Celso Japiassu

 

Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.

É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

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