Poesia & Conto

Africana | Morgado Mbalate

 

pintura de João Timane

 

MULHER AFRICANA

 

Mulher Africana
Tu mesma, sim tu mesma
que de manhã encaracolas pedras no chão do rio,
de tarde acendes ventos no silêncio do pôr-do-sol.
Mulher Africana
És a primavera do sol que rouba as paisagens da aurora
e escuta a fome da flora.
Teu rosto resguarda a infância das borboletas
e engole a poesia dos lábios das formigas.
Mulher Africana
meu incenso divino, minha casa espiritual.
Existem em ti andorinhas que crepusculam luas no estômago das árvores.
Mulher Africana
És sempre igual a ti mesma
e sempre serás uma mulher nua em véspera de ser lua.

 

pintura de João Timane

 

MATRUA

Minha bela Matsua, da terra da boa gente. Mulher determinada, manhembana de Morrumbene. Mulher moçambicana e africana que luta pelos seus direitos. Meu amor, minha Mwarusi, borboleta de Inhambane. Tu és a jóia da minha vida, a pérola do meu Índico. Os teus olhos são anjos transparentes que dormem na casa onde Deus habita. Que belo pôr-do-sol tens nos olhos. Em pedaços de ternura, carregas no coração todas as grandezas da África. Os teus lábios são obras de arte. Quero conhecer o prazer que eles escondem. Quero conhecer a pureza das águas límpidas do rio que corre dentro da tua boca, e as gotas de chuva da tua língua. Quero abraçar e beijar a praia de Inhassoro na tua barriga. Amo-te tanto minha Matsua, os meus lábios fazem festa na praia da barra que mora nos teus seios. Os meus dentes mordem devagar e com carinho a pele dos teus lábios e do teu queixo. Os teus gemidos de prazer, aos meus ouvidos são como o canto de todas as aves da nossa terra. A tua alma é uma pomba branca cheia de calmaria e amor. Quando te beijo sinto vontades invencíveis e sensações desconhecidas. Por ti sinto poemas e uma mistura de sensações eróticas. Quando estou contigo, me sinto pleno e só tenho sentimentos de amor e paz. O teu perfume me passarinha. Os teus seios são livros de poesia erótica. Quando a tua língua de fogo percorre a minha pele, provocas incêndios de paixão no meu corpo. Todos os pássaros da nossa terra fazem ninho nos teus ombros. Todos os rios do nosso país correm no leito das tuas coxas e ancas. Passo horas a contemplar a tarde linda de domingo no teu rosto, e bebo as águas do rio que corre na tua pele. Amo a visão espiritual africana que governa a tua mente. Teu sorriso é a lua que brilha nas noites africanas. Deus escreveu a nossa história de amor sentado nas areias da praia do Tofo, escutando as canções de João Bata e Magid Mussá.

 

DONA PALMIRA

Dona P, mamana de cabelo crespo, Afro. Semblante de sol poente. Minha mamana de Magude. Minha mamana da nossa bela cidade das acácias. Mamana poesia, a tua beleza abraça o Índico e o Atlântico. O teu sorriso contagiante traz sempre um novo amanhecer e um novo mundo. Teu amor é a luz do novo dia, o meu pão de cada dia. Teus ensinamentos me inspiram e alimentam a minha alma. Amo-te imensuravelmente. Te amo todos os dias. Desde o anoitecer até o amanhecer. Te amo compulsivamente. Tu és a minha biblioteca viva. Contigo trazes todos os valores, modos, hábitos, e costumes, da nossa cultura e da nossa terra. Tão linda e elegante ficas quando vestes e amarras a nossa moda moçambicana as tuas coloridas capulanas e os teus belos turbantes. Sou testemunha de como és feliz quando cozinhas, enquanto cantas e danças a canção Tsuketane dos Kapa Dech, as canções da Mingas, Elvira Viegas e exaltas a nossa marrabenta. Sou testemunha de todos os festivais de culinária que fazes na tua cozinha. Cozinhar bem é a tua arte e a tua ciência. Sou testemunha, a tua cozinha é um lugar de risos e encantamentos. Teus pratos fazem a nossa família sorrir e ser feliz. Teu curriculum é preenchido pelos mais saborosos pratos da nossa terra. Conheço bem as maravilhas que fazes na cozinha. Conheço bem os verbos da tua xiguinha. As sílabas da tua cacana. Os versos do teu peixe com xima. As metáforas do teu caril de frango. Conheço bem os poemas da tua feijoada. A linguagem do teu caril de amendoim. Sabe bem a mandioca que preparas. Sou muito apaixonado pela babata doce e a salada de pepino que fazes. Sou fissurado pelos pratos que preparas cheios de amor, e arte. És uma cozinheira de mão cheia. A melhor mãe e cozinheira do mundo. Nas tuas panelas árvores balançam. Pássaros voam. Fito os meus olhos nos teus e contemplo a tua alma, mulher de fibra. Que a tua jornada seja suave e perfumada.

 

fotografia de Morgado Mbalate

Morgado Henrique Mbalate, mais conhecido por Morgado Mbalate ou o Anjo das Palavras, é Escritor e Poeta moçambicano. Nasceu em Maputo, a 6 de Setembro de 1993. Licenciado em Filosofia (USTM). É membro da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO); Cofundador do Círculo Académico de Letras e Artes de Moçambique (CALAM). Autor dos livros Odisseia da Alma (2016); A Arte Suave da Palavra (2020); Co-autor do CD de Literatura Negra O que nos a Bala (2018). De entre prémios e distinções, destaque para o Prémio Bicentenário de Dostoiévski (2021); Prémio Mundial de Poesia Nósside (2014), e Prémio Fernanda de Castro do IV Concurso Internacional de Poesia e Prosa (2017). Participou da 4ª edição do Festival Internacional Earthquake Terramoto (2021). Seu poema “Africanizando” foi reproduzido em vários livros didáticos do ensino fundamental brasileiro, e seus textos foram traduzidos para francês, inglês, espanhol, italiano, e são estudados em escolas e Universidades em Moçambique e no Brasil.

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