

(para Umberto Eco,
in memoriam)
No princípio era o verbo. Depois vieram os substantivos, os adjetivos, os pronomes. E o homem começou a produzir discursos e a conquistar seu mundo por intermédio da palavra. Nominar para conhecer, conhecer para conquistar. E jamais houve arma mais poderosa do que a palavra.
E o homem usou a palavra para continuar suas descobertas. Para perpetuar suas experiências. Para acumular seu conhecimento.
E o homem usou a palavra para cativar amigos, para seduzir amantes, para celebrar comunhões.
E o homem usou a palavra para conquistar fiéis, para dominar territórios, para exercer o poder.
E o homem criou novas palavras para velhas coisas. Traduziu-as para novos idiomas, diversificou-as na torre que buscava a própria palavra em sua origem.
A palavra, no entanto, sempre se impôs a qualquer homem. Sempre perdurou para além de qualquer discurso. E onde já não há rosas, ainda seu nome perpetuado para além de sua efemeridade. E onde já não há existência, palavras renitentes continuam existindo.
Mesmo hoje, a palavra, transformada em pulso eletrônico, em onda magnética, em pixel luminoso, concretiza-se na matéria etérea de significados da qual é feita.
Dominá-la e entregar-se ao domínio que nos impõe. Eis o sentido último do encanto, do jogo e de nossa devoção e vício: a palavra, e seus ecos, vivida como profissão.
Crônica de abertura da obra
Crônicas do Ofício – Editora
Cajuína 2022.


Fotografia de Luiz Eduardo Carvalho
Luiz Eduardo de Carvalho é escritor com 12 títulos publicados, entre eles os multipremiados Xadrez, Evoé, 22!, Sessenta e Seis Elos e Um Conto de Réis (e de Rainhas).