Cultura

A palavra | Luiz Eduardo de Carvalho

(para Umberto Eco, 

in memoriam)

No princípio era o verbo. Depois vieram os substantivos, os adjetivos, os pronomes. E o homem começou a produzir discursos e a conquistar seu mundo por intermédio da palavra. Nominar para conhecer, conhecer para conquistar. E jamais houve arma mais poderosa do que a palavra.

 

E o homem usou a palavra para continuar suas descobertas. Para perpetuar suas experiências. Para acumular seu conhecimento.

 

E o homem usou a palavra para cativar amigos, para seduzir amantes, para celebrar comunhões.

 

E o homem usou a palavra para conquistar fiéis, para dominar territórios, para exercer o poder.

 

E o homem criou novas palavras para velhas coisas. Traduziu-as para novos idiomas, diversificou-as na torre que buscava a própria palavra em sua origem.

 

A palavra, no entanto, sempre se impôs a qualquer homem. Sempre perdurou para além de qualquer discurso. E onde já não há rosas, ainda seu nome perpetuado para além de sua efemeridade. E onde já não há existência, palavras renitentes continuam existindo.

 

Mesmo hoje, a palavra, transformada em pulso eletrônico, em onda magnética, em pixel luminoso, concretiza-se na matéria etérea de significados da qual é feita.

 

Dominá-la e entregar-se ao domínio que nos impõe. Eis o sentido último do encanto, do jogo e de nossa devoção e vício: a palavra, e seus ecos, vivida como profissão.

 

Crônica de abertura da obra 

                                                                  Crônicas do Ofício – Editora 

                                           Cajuína 2022.

Fotografia de Luiz Eduardo Carvalho

Luiz Eduardo de Carvalho é escritor com 12 títulos publicados, entre eles os multipremiados Xadrez, Evoé, 22!, Sessenta e Seis Elos e Um Conto de Réis (e de Rainhas).

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