Política

A morte da verdade | Hermínio Prates

Esse é o título em português do livro “The Dead of Truth”, de Michiko Kakutani, premiada crítica literária do “New York Times”, que me chegou às mãos graças ao empréstimo de Sill Caires, amiga de boas leituras.

 

Na obra, fica evidente que o atribulado caminho percorrido pelo histriônico e fantasioso Donald Trump serviu de roteiro para a desbotada cópia do patético e também raivoso Jair Messias Bolsonaro.

 

Já na introdução Hannah Arendt (1906-1975) é citada; no livro “Origens do Totalitarismo” ela advertiu que “o súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção e a diferença entre o verdadeiro e o falso.”

 

É o espelho – fácil de constatar – do “terrível reflexo do panorama cultural e político em que vivemos hoje; um mundo onde as fake news e as mentiras são divulgadas em escala industrial. Nos Estados Unidos pelas “fábricas” de trolls russos (nas lendas da cultura anglo-saxã, trolls são monstros rastejantes das profundezas do inferno), no Brasil pelos robôs do gabinete do ódio, gerido pelo filho não sei que número do clã Bolsonaro.

 

O “The Washington Post” calculou que Trump fez 2.140 alegações falsas ou enganosas apenas no primeiro ano de governo; no Brasil ninguém conseguiu contar as mentiras de Bolsonaro nos enganosos anos de seu desgoverno, mas dizem ultrapassar cinco mil. A suja campanha nas redes sociais contra a candidata Hillary Clinton era fabricada à distância pelos experts de Vladimir Putin e coordenada nos USA por Steve Bannon, o mesmo que orientou o Carlos Bolsonaro na tática do mal.

 

“Os mestres na manipulação de redes sociais nas eleições de 2016 (nos USA), é claro, foram os russos, cujo objetivo de longo prazo – minar a crença dos eleitores na democracia e no sistema eleitoral – se encaixou na meta de curto prazo de direcionar o resultado para Trump”, assegura a autora.

No Brasil, em 2018, a tática foi a mesma: mentir, mentir sempre, excluir Lula da disputa, atacá-lo sem tréguas, criticar Fernando Haddad e vencer graças à desinformação da maioria. Além de bem sucedida nos USA e no Brasil, a Rússia já tentou se intrometer em eleições na Alemanha, na França, na Holanda e no referendo do Brexit, no Reino Unido.

 

E quem é o gênio do mal, especialista do Kremlin em manipular a opinião pública com o uso da propaganda? Descrito como o “Rasputin de Putin”, Vladislav Surkov é o inspirador de Steve Bannon e um sucedâneo de Joseph Goebbels (1897-1945), ministro da propaganda hitlerista. A cópia brasileira seria o Carlos Bolsonaro, que acompanhou o papai naquela viagem turística à Rússia, tendo ocupado lugar de destaque na mesa de negociações, enquanto o sinistro ministro Heleno Augusto se manteve encolhido em uma cadeira de canto? Será que o filho não sei que número foi aprender outros malfeitos internéticos?

 

Segundo o jornalista Peter Pomerantsev, “o objetivo de Surkov era manter a população concentrada nos seus blá-blá-blás a respeito dos gays, de Deus, de satã, dos fascistas, da CIA e dos pesadelos geopolíticos improváveis”. E no Brasil corremos o risco de quais malefícios do chamado “gabinete do ódio”?

 

A imbecilidade reinante em Washington é a mesma de Brasília; nos dois centros de poder a ciência é atacada por radicais, que é vista como inimiga da extrema direita adepta ao entreguismo das riquezas nacionais ao cada vez mais voraz capitalismo selvagem. Esses agentes do atraso são devastadores, poluidores, gananciosos, sexistas, racistas, homofóbicos, misóginos e negacionistas. Para eles, a vacina é uma frescura, a terra é plana e que se danem todos que pensem diferente.

 

E a internet? É nela que a crescente ignorância prolifera, disseminando mentiras, narrativas tendenciosas e alarmistas. Em 1989, durante a campanha eleitoral, Fernando Collor repetiu à exaustão que se Lula fosse eleito iria confiscar a poupança. E foi o que ele fez nos primeiros dias de desgoverno. Agora, Bolsonaro disse que se eleito, Lula irá implantar o comunismo, fechar igrejas e perseguir padres e pastores. Ora, a ameaça não se sustenta na lógica: durante 14 anos o PT governou o país, o comunismo ficou além fronteiras e não houve nenhum ato de perseguição religiosa. Pelo contrário, as ações governamentais daquele período foram todas favoráveis à livre manifestação de fé, como dispõe a Constituição.

 

Michiko Kakutani no livro cita Ruth Ben-Ghiat, professora de História na Universidade de Nova York, que traçou um paralelo entre a ascensão de Trump e a de Mussolini, afirmando que ditadores costumam testar “os limites do que público, imprensa e classe política toleram”. Trump mentiu o tempo todo, inclusive sobre sua fortuna e, ao se sentir derrotado, incentivou a invasão do Capitólio. Bolsonaro fez o mesmo, escondendo a origem do dinheiro dele e da família e imaginou invadir o STF e o TSE no último 7 de setembro, mas o fiasco o fez perceber que a corda não poderia ser mais esticada. Nos Estados Unidos, Donald Trump, um filho e alguns assessores estão sendo processados. E no Brasil, como será após a perda de poder e de imunidade do clã bolsonarista?

 

É inegável que o ídolo inspirador de Bolsonaro é Donald Trump, mas, de certa forma, ele talvez pretendesse ser um renascido Francisco Franco (1892-1975), sujeitinho de 1,63 m, que na infância sofreu bullying e viu frustrado o desejo de se alistar na Marinha, tendo que se contentar com o Exército, força menos prestigiada na época. A carreira militar não oferecia oportunidade de ascensão e um oficial só era promovido quando um deles morria. Franco tinha pressa e por isso se ofereceu para servir na África, onde comandou uma série de atrocidades, com o genocídio não apenas de soldados inimigos capturados, também contra os civis, aí incluídos velhos, mulheres e crianças. A tática do terror, com a profanação dos corpos – orelhas e narizes arrancados a golpes de faca – influíram decisivamente na sua vitória contra os muçulmanos e lhe renderam promoções a major, coronel e general.

 

No entanto, foi após a eleição de um governo socialista, que pretendia acabar com a servidão dos humildes, que Franco foi alçado à condição de generalíssimo. Escolhido chefe dos golpistas, recebeu o apoio do fascista Benito Mussolini (1883-1945) e do nazista Adolf Hitler (1889-1945) para derrotar os republicanos e impor uma sanguinária ditadura, que o manteve no poder por quase 40 anos, governando com punhos de ferro e alma do demônio.

 

Evidente que Bolsonaro, imitador do fanfarrão Trump, é apenas uma ridícula cópia e que no Brasil nunca haverá uma guerra civil, tragédia desejada pelo capitão expulso do Exército por tramar ações terroristas. É de se perguntar: será que ele, no seu mais sinistro sonho, imaginou ser possível impor uma ditadura, com ele à frente dos fraticidas enlouquecidos?

 

Fotografia de Hermínio Prates.

Hermínio Prates é jornalista, escritor, ex-professor universitário de Jornalismo, Rádio e Teoria da Comunicação na UFMG, UNI-BH, PUC e Newton de Paiva. Foi repórter e redator do Diário de Minas, Jornal de Minas, Minas Gerais, Rádio Itatiaia, diretor de Jornalismo da Rádio Inconfidência, chefe das Assessorias de Comunicação das Câmaras Municipais de Sabará e de Belo Horizonte e da UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais. Publica regularmente contos, crônicas e artigos em vários jornais mineiros. Autor dos livros Família Miranda – Vidas e Histórias ( ensaio historiográfico) e A Amante de Drummond (contos).



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