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Quando eu estava no meio do oceano | Leonardo Bachiega

Foto de Conor Sexton na Unsplash

Certa vez, Lina Bo Bardi disse que o tempo é um emaranhado, ela falou assim: mas o tempo linear é uma invenção do ocidente, o tempo não é linear, é um maravilhoso emaranhado onde, a qualquer instante, podem ser escolhidos pontos e inventadas soluções sem começo nem fim.

 

Eu gosto dessa interpretação democrática e esperançosa sobre o tempo, geralmente vemos o tempo como um inimigo. Quando não precisamos dele, não o notamos e tudo parece igual, porém, ele quase sempre nos falta e por isso, o amaldiçoamos com todos os nomes ruins. Claro que ser ofendido não é privilégio apenas do tempo, quando estamos numa mesa confortável e almoçamos bem, não notamos a sua presença física, mas almocemos numa mesa com o tampo de altura mais baixa que o ideal, nos incomodamos, a xingamos naquele instante. Com o tempo, a relação é ainda mais intensa, porque ele sempre está aqui para nos apressar.

 

Se eu fosse um músico e estivesse à frente do metrônomo, diria que o tempo é disciplinador. Se eu fosse um atleta de 100 metros rasos, diria que o tempo é sempre uma barreira a ser rompida.  Eu ainda poderia ter um olhar complacente sobre o tempo e dizer que ele é tão humilde que doa até os milésimos de segundos para nós, ou seja, se doa por completo, o tempo é um ser muito altruísta.

 

Se eu estivesse num navio atravessando o Atlântico, eu afirmaria que aqui o tempo não passa, porque às vezes precisamos olhar para uma paisagem diferente para notar o seu caminhar. Mas eu olho no espelho e vejo que a barba de um dia para o outro cresceu um pouco. Eu a deixo por uma semana e logo estará enorme, então eu falo, aqui está o meu velho companheiro o tempo caminhando, ele não me abandona nunca.

 

Mas eu estou no meio do oceano e penso na frase da Lina e me pergunto: como é que aqui, no meio de um monte de água e nada mais, o tempo pode ser um emaranhado, onde a qualquer momento, eu pego um ponto e invento uma nova solução? Que solução diferente eu vou inventar no meio desse lago infinito? Se ao menos ainda usássemos pombos para procurar novas terras, eu viveria de alguma esperança de que ele não voltará mais e posso atrelar alguma solução diferente a isso. Mas hoje está tudo medido na cota certa, eu sei o momento exato em que chegarei até lá. Isso é tão monótono.

 

Ainda assim, tem um lado bom, o de eu poder me preparar bem para isto ou aquilo. Mas sim… o aleatório se perderá e o emaranhado não deixa de ser um grande objeto apegado à aleatoriedade. Não grande no tamanho, mas no símbolo. O emaranhado é um labirinto de fios e, como eu quero usar a Lina, então é um labirinto com muitas saídas e um labirinto que eu olho de cima, o que facilita tudo. Nesse labirinto, eu sou o senhor da situação, o seu Deus. Talvez, assim, faça algum sentido o tempo ser um emaranhado dentro de um navio no meio do oceano. Pois mesmo no meio do nada, o emaranhado funciona, quando botamos a cabeça para imaginar e pegamos cinco palitos de fósforo para fazer uma escultura. Mas não, não é o que você está pensando, o tempo-emaranhado, não é bem o ato de criar ou imaginar. É mais, é o descobri-lo desse véu que o veda e não podemos ver a verdadeira forma desses fios de pontos infinitos que formam o grande mar que tanta vida carrega, vida na qual precisamos sempre entender para não emudecermos a seus pés… essa luta sobre tudo.

 

Acho que você sabe que se olharmos atentamente, veremos o emaranho no oceano, então puxaremos um ponto e começaremos uma nova história sem começo nem fim, uma solução que seja. E embora pareça falso, não é assim quando estamos no meio do nada?, sem começo nem fim… 

Fotografia de Leonardo Bachiega

Leonardo Bachiega é arquiteto, urbanista e escritor. Nascido em São Paulo, hoje reside na cidade de Carapicuíba, região metropolitana. É autor de alguns livros de poesia, um de dramaturgia e um de contos. Atualmente, se dedica a um romance. Possui poemas publicados em diversas revistas literárias do Brasil e Portugal, e também possui poemas em diversas antologias.

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