Poesia & Conto

Poemas | Rodrigo Petronio

Sim esse farol pode ser um peixe uma nuvem

 

Sim esse farol pode ser um peixe uma nuvem

Um dorso de pedra líquida atravessando a aurora em um risco

Pode ser de magma ou doce como uma dama – da noite – que expira

Sim uma constelação de escamas que esmaltam meu corpo

Em chamas meu tórax de outras eras cravado no chão

O diamante de carne ou o fogo inextinguível da lepra

A alma desperta lúcida em seu sonho de ervas

O Lambari imerso no azul infinito de um olho sim

A mão precária de uma hera acaricia o globo

O sol brilha na torre do meu pescoço sim brilha

A circulação da linfa pelo espaço das hemácias 

Que acendem correm no sangue negro de um touro

Sim essa lua pode ser os cornos de um deus

Um sol cada um dos seus poros o mel de flechas

Galhos tenros raios finos os cabelos de suas veias

Finas amarelas pode sim ser a cabeça de água branca

Essa lua estática desde a antiguidade solta

Um balão de porcelana molhada um quadril nu de orvalho

A areia de minha face que chora que capta cada gota

Como um sacrifício ou como o anoitecer de um milagre

Como um anátema uma chaga um dique que se escreve

Um escravo estoura a alquimia das fezes

Em meu peito em minhas costas em meu rosto

Amuleto de sombras sim de sombras líquidas e esquifes

Loiros odres seios de porcelana ou costas de cobre

Como uma dádiva sim a capilaridade quente das artérias

E todas as estrelas os alvéolos que pulsam explodem

Colisões infinitas infinitos pontos de um tecido morto

Sim esse seio pode ser a lembrança de um choro

Sim pode ser a azaléia que fende a pele de ouro

E renasce com todas as suas pétalas para a eternidade e o repouso

Pode sim ser esse quadrante essa mão esse líquen esse dorso

Imerso na terra nos dentes de luz na carne macia da luz

Que me coze ou na ossatura do destino ou na música de um cofre

Rio indevassável projeto entregue à lucidez fria do barro

Sim eu posso ser sim essa estátua esse verme de algas

Envolver teu corpo sim posso ser esse ranger de costelas

Que estalam sob a mão rosa de uma criança sob o peso

Da chuva de um homem sob o losango de um anjo sem alma

A ferida aberta do céu toldo azul deus sem matéria

A clarabóia de vogais sopradas pelas células

Todas as lâmpadas de um corpo um universo morto um paraíso morto

O apodrecimento do campo a barriga da selva a bulimia

A ordem geométrica arde sob os cilios vegetais do quartzo

O pulmão verde da terra nos cavalga como a eternidade

Cavalga o ouro com todas as suas setas desde o verão às trevas

Sim eu posso ser sim eu quero sim posso ser sim

Essa estria noturna essa via sim pode ser o caminho

A hora o momento a meta o percurso pode ser

O acidente preciso o acaso mais certo a colisão da alma com a bruma

A via – láctea sonhada da infância sim essa anêmona

Essa árvore branca de estrelas o esperma desse vegetal

Dessa vagina que agasalha o sol árvore que queima branca

Branca flora branca constelação de dentes no espaço grávido

Alfabeto de nomes solares branca fauna branca seta 

Habita o músculo o pasto o poço inédito desse sorriso

O mergulho no primeiro ovo no primeiro mapa no primeiro

Farol sim pode ser esta a estrela da tarde luciferina estrela

Que se precipita do alto de uma torre de água sim posso ser

Posso sim ser o grande deus submerso na lava a flor convexa

Que sopra pela coluna pela flauta de minha alma de minha espinha

Que canta pela minha vértebra flauta flexível voz de cobre

Intestino da terra incêndio da garganta ave egressa do caos da cinza

Que canta e canta a consumação o fim o sentido a foz o sopro a sede

A terra se despe e bebe meu sangue para que todo universo enfim desperte.

 

De “Pedra de luz”, 2005

 

Ventilo esta tua com minha carne e seus vocábulos

 

Ventilo estas ruas com minha carne.

Os sapatos farejam os caminhos sulcados pelos pés dos mortos.

Todos os heróis morreram no mar.

Só nos resta a realidade dos guindastes e o vocabulário dos cães e das árvores.

As crianças se acendem nas sacadas.

Todas as janelas se iluminam sob o sorvedouro deste céu de pássaro.

A salsugem corrói a engrenagem dos carros, a enseada, o moinho, os acrobatas que saltam para o interior dos livros.

A madeira carcome os músculos e robustece a vinha.

O amor não pode com a ferrugem dos navios ancorados no dorso da matéria, mais reais que a saliva com que te beijo e me despeço.

Com a manhã expelida das roupas de uma varanda trêmula.

Com o espelho vegetal das conchas que semicerram sua íris: meio-dia.

Com a ressurreição da voz que já não tarda a emergir da goiva, do ferrolho, dos patíbulos.

 

Este é o frescor da manhã.

Imune à assepsia da virtude e aos trabalhos sujos do tempo.

Aqui é quando estou em meu centro.

Tão distante do corpo onde me perco quanto da alma onde me ausento.

Onde sinto minhas mãos e minha pele.

Onde sou o que sinto: nervo da areia no interior solar dos poros.

Onde nada se separa e tudo me adere.

A fatia de luz na mesa, o mar arfa em seus parapeitos de água,

A face se eclipsa, o chafariz cospe barcos antigos no interior da praça.

 

A hora extrema não é o suicídio.

A liberdade não é recusa ou desespero, mas a tranqüilidade da luz que retorna a seu seio durante o exílio do sol.

Povôo esta baía, estas ruelas, este golfo, este mar, este porto, estes corpos, estas paredes podres comidas pelo dia.

A hora extrema é delicadeza, quando escolho aquilo que já me destina:

Livre até depois da morte da semente, pão além do pão, trigo além do trigo, sopro que inaugura esta paisagem,

Paisagem que me move e que me assina.

 

De “Pedra de luz”

 

OS HOMENS CARREGAM SUAS SOMBRAS

 

Os homens carregam suas sombras.

Afundam na madrugada com todas as suas estrelas.

 

Não conheço minha carne.

Não sou dono das sílabas que meus lábios subtraem ao eclipse e às chamas verdes

    destas árvores.

 

Marcho pelo céu e me detenho vazio de corpo e alma

Diante dos deuses que se suicidam no abismo.

 

Toda eternidade me é contrária e só sou eu mesmo naquilo que liquido. A benevolência cresce em mim como uma praga.

E o amor só se realiza como acerto de meus passos mal desenhados e malditos.

 

Cavalos me despertam.

Ultrapassam minha sede e minha espécie rumo ao nada.

Não há água que limpe a sujeira de minhas mãos e de minha raça.

A clareira dos abutres já me espera.

Homenagem lunar tatuada em minhas chagas.

Círculo monótono de pés e de gravetos fremem em meu coração

Enquanto as paredes podres se destacam de meu sangue enferrujado.

 

E eu assisto indiferente

À procissão de vermes que deixam minha existência bem mais leve

E coroam a minha cabeça abençoada.

Meu rosto é esse espaço.

Inauguro a minha fala entre essas rezes.

Não sou o sopro liberto com as palavras

Nem a glória que se eleva fugaz

Ave solta de meu pulso aberto e minhas palmas.

 

Eu sou o Homem.

E agora me ajoelho contrito ante o sol negro em minha prece.

 

De “Eu venho de um país selvagem”, 2009

 

Nossos caminhos se cruzam

 

Nossos caminhos se cruzam.

Seguimos pela floresta estragada do sonho:

O ar, coração fendido pelos lábios,

É um pássaro que pulsa a céu aberto.

Não encontramos o milagre no poço,

Nos cilindros da noite, seu amplexo.

Não busques na rosa a consciência

Não toques a palavra, a geometria de suas armas,

Porque toda cicatriz é esquecimento:

Nada conquistado após o nada.

O buquê da fala, anima mundi,

É sopro de papel, língua preclara.

O relógio transpira pela sala.

Crava em todos nós o seu reverso.

Espinho, sêmen da aurora.

A argila dourada se desprega de minhas pétalas.

Eis a minha humanidade:

Cava a minha chaga, vastidão celeste.

Beijarei o tempo e estarei em todas suas marcas.

Percorrerei a eternidade sem pegadas.

Para que enfim a voz da morte me desperte.

 

De “Eu venho de um país selvagem”

 

Estarei aqui quando o quarto se apagar

Estarei aqui quando o quarto se apagar.

Movo este vaso de sombra, esta rosa de cinzas,

Os pulmões plenos respiram a água destas raízes.

Correrei na brisa quando nada mais houver.

Porque tudo desliza: o barco pelo sangue.

O planeta pela órbita da tinta e a tela pela vinha. A perfeição suja toda a beleza com seus pés gelados.

Prosseguirei sem nome ou deus, flauta destacada de uma vítima.

Serei sempre esse jardim, essa tranquilidade habitando as ametistas. Mesmo depois. Quando nada mais houver.

Serei o silêncio recolhendo um coração maduro.

O perfil talhado pelo arbusto.

Foto antiga: musgo verde-oliva mastigando a enseada.

 

De “Eu venho de um país selvagem”

 

Não conheço teu corpo: habito tua voz

 

Não conheço teu corpo: habito tua voz.

A noite é um som de galhos e se quebra.

Desperta o minério. Sonha alada dentro do cristal.

Abriga nossas faces. Desfaz toda distância.

Suprime o espaço que vai da ideia à treva.

Clareira e vazante. Esta foz nos precede.

A água gera uma água inaugural em sua taça.

És tu, pedra enredada entre as mãos das ervas.

Onde esculpo teu rosto feito de carícia e tempo.

Aqui vivemos o despertar da carne, presa e pétala.

Iluminados irrigamos estas árvores, somos sua linfa.

A madrugada tranquila, verde tergal, sonho aberto

Verga-se sobre os confins de nossos corpos e das éguas que

                                                                movem a Terra

Sorvidos em um movimento puro, ela nos rega.

Assim a eternidade se entrelaça em nós.

Assim a plenitude não nos basta:

Animais, extraímos luz da luz na selva.

 

De “Eu venho de um país selvagem”

 

A chuva refaz os interiores em silêncio

 

A chuva refaz os interiores em silêncio.

Desmancha todos os muros com suas luvas.

Somos todos estrangeiros. Não há ninguém lá fora.

O sol não veio. Seus favos de trigo não deitaram sobre a noite.

Nem a água antiquíssima pousou sobre meus cabelos.

O cristal ainda dorme em seu primeiro espinho.

Que venha a política. A merda polida por palavras.

O assassinato em nome de nobres causas.

Civilização, arte, imbecis emoldurando o nada.

Todos nós, coisas entre coisas, avessos da espada.

Holocausto ao vazio, templos de lata.

A fauna nos povoa quando somos este espaço

Entre o voo verdadeiro e um projeto de asa.

A cada gota um deus em mim se levanta nesta sala.

 Sei que foste para outro país, inacessível.

Trazes apenas a marca de tua alma em cada objeto

E caminhas pela casa e te perdes nos espelhos.

Uma estupidez qualquer que nos tire deste peso:

Existirmos sem palavras, sermos sem saber do ser, seu veio.

Essa morte abjeta, compartida, ossos animados,

Gado sem recheio que vende a alma em troca de conceitos.

Apenas eu e tu, contra o mundo, o círculo não se completa.

A chuva, ela e apenas ela, eternamente cai.

Não explica, não indaga, não oculta, não confessa.

Apenas demonstra a lei da gravidade e sua beleza:

Maior afirmação de quem sorri em plena queda.

 

 De “Eu venho de um país selvagem”

 

(Traducción de Federico Rivero Scarani & Camila Olmedo)

 

Sí ese farol puede ser un pez una nube

 

Un dorso de piedra líquida atravesando la aurora en un riesgo

Puede ser de magma o dulce como una dama – de la noche – que expira

Una constelación de escamas que esmaltan mi cuerpo

En llamas mi tórax de otras eras grabando en el suelo

Un diamante de carne o el fuego inextinguible de la lepra

El alma despierta lúcida en su sueño de hierbas

El Lambari inmerso en el azul infinito de un ojo sí

La mano precaria de una yedra acaricia el globo

El sol brilla en la torre de mi pescuezo sí brilla

La circulación de la linfa por el espacio de las hematíes

Que ascienden corren en la sangre negro de un toro

Sí esa luna puede ser los cuernos de un dios

Un sol cada uno de sus poros la miel de flechas

Gajos tiernos rayos finos los cabellos de sus venas

Delgadas amarillas pueden ser la cabeza de agua blanca

Esa luna estática desde la antigüedad suelta

Un balón de porcelana mojada un cuadril desnudo de rocío

La arena de mi cara que llora que capta cada gota

Como un sacrificio o como el anochecer de un milagro

Como un anatema una llaga un dique que se escribe

Un esclavo estalla la alquimia de las heces

En mi pecho en mis espaldas en mi rostro

Amuleto de sombras sí de sombras líquidas y esquifes

Odres rubios senos de porcelana u orillas de cobre

Como una dádiva sí la capilaridad caliente de las arterias

Y todas las estrellas los alvéolos que pulsan explotan

Colisiones infinitas infinitos puntos de un tejido muerto

Sí ese seno puede ser el recuerdo de un llanto

Puede ser la azalea que hiende la piel de oro

Y renace con todos sus pétalos para la eternidad y el reposo

Puede sí ser ese cuadrante esa mano ese liquen ese dorso

Inmerso en la tierra en los dientes de luz en la suave carne de la luz

Que me cocina o en el esqueleto del destino o en la música de un cofre

Río impenetrable proyecto entregue a la lucidez fría del barro

Puedo ser sí esa estatua ese gusano de algas

Envolver tu cuerpo puedo ser ese crujir de costillas

Que estallan bajo la mano rosa de un niño bajo el peso

De la lluvia de un hombre bajo el rombo de un ángel sin alma

La herida abierta del cielo toldo azul dios sin materia

La claraboya de vocales sopladas por las células

Todas las lámparas de un cuerpo un universo muerto un paraíso muerto

La pudrición del campo la barriga de la selva la bulimia

La orden geométrica arde bajo las pestañas vegetales del cuarzo

El pulmón verde de la tierra nos cabalga como la eternidad

Cabalga el oro con todas sus flechas desde el verano hasta las tinieblas

Sí yo puedo ser si yo lo quiero

Esa estría nocturna esa vía sí puede ser un camino

La hora un momento la meta el trayecto puede ser

El accidente preciso el acaso más cierto la colisión del alma con la bruma

La vía – láctea soñada de la infancia sí esa anémona

Ese blanco árbol de estrellas el esperma de ese vegetal

Esa vagina que agasaja el sol árbol que quema blanca

Blanca flora blanca constelación de dientes en el espacio grávido

Alfabeto de nombres solares blanca fauna blanca flecha

Habita el músculo el pasto el pozo inédito de esa sonrisa

La inmersión en el primer huevo en el primer mapa en el primer

Farol sí puede ser esta estrella de la tarde estrella luciferina

Que se precipita desde lo alto de una torre de agua sí puedo ser

Puedo sí ser el gran dios sumergido en la lava la flor convexa

Que sopla por la columna por la flauta de mi alma de mi espina

Que canta por mi vértebra flauta flexible voz de cobre

Intestino de la tierra incendio de la garganta pájaro que sale del caos de la ceniza

Que canta y canta la consumación el fin el sentido la hoz el soplo la sed

La tierra se despide y bebe mi sangre para que todo el universo en fin despierte.

 

De “Pedra de luz”

 

Ventilo estas calles con mi carne y sus vocablos

 

Ventilo estas calles con mi carne.

Los zapatos olfatean los caminos surcados por los pies de los muertos.

Todos los héroes morirán en el mar.

Solo nos resta la realidad de los guindastes y el vocabulario de los perros y de los árboles.

Los niños se encienden en los balcones.

Todas las ventanas se iluminan bajo el agua arremolinada de este cielo de pájaro.

El salitre corroe el engranaje de los autos, la ensenada, el molino, los acróbatas que saltan al interior de los libros.

La madera carcome los músculos y robustece el viñedo.

El amor no puede con el herraje de los navíos anclados en el dorso de la materia, más reales que la saliva con que te beso y me despido.

Con la mañana exhalada de las ropas de una trémula baranda.

Con el espejo vegetal de las conchas que entrecierran su iris: mediodía.

Con la resurrección de la voz que ya no tarda en emerger de la guayaba, del cerrojo, del patíbulo.

 

Este es el fresco de la mañana.

Inmune a la asepsia de la virtud y a los trabajos sucios del tiempo.

Aquí es cuando estoy en mi centro.

Tan distante del cuerpo donde me pierdo cuanto del alma donde me ausento.

Donde siento mis manos y mi piel.

Donde soy lo que siento: nervio de arena en el interior solar de los poros.

Donde nada se separa y todo se me adhiere.

La rebanada de luz en la mesa, el mar jadea en sus parapetos de agua,

La cara se eclipsa, la fuente escupe barcos antiguos en el interior de la plaza.

 

La hora extrema no es para el suicidio.

La libertad no es repulsión a la desesperación, pero la tranquilidad de la luz que retorna a su seno durante el exilio del sol.

Pueblo esta bahía, estas callejuelas, este golfo, este mar, este puerto, estos cuerpos, estas paredes podridas comidas por el día.

La hora extrema es delicadeza, cuando escojo aquello que ya me destina:

Libre hasta después de la muerte de la simiente, pan más allá del pan, trigo más allá del trigo, soplo que inaugura este paisaje,

Paisaje que me mueve y que me marca.

 

De “Pedra de luz”

 

Los hombres cargan sus sombras

 

Los hombres cargan sus sombras.

Se hunden en la madrugada con todas sus estrellas.

No conozco mi carne.

No soy dueño de las sílabas que mis labios sustraen al eclipse 

y a las llamas verdes de estos árboles.

Marcho por el cielo y me detengo vacío de cuerpo y alma

Delante de los dioses que se suicidan en el abismo.

Toda eternidad me es contraria y solo soy el mismo en aquello que extingo.

La benevolencia crece como una plaga en mí.

Y el amor solo se realiza igual que la certeza de mis pasos mal dibujados y malditos.

Caballos me despiertan.

Ultrapasan mi sed y mi especie rumbo a la nada.

No hay agua que limpie la suciedad de mis manos y de mi raza.

El claro de los buitres ya me espera.

Homenaje lunar tatuado en mis llagas.

Círculo monótono de pies y palos tiemblan en mi corazón.

Mientras las podridas paredes se destacan de mi sangre herrumbrada.

Y yo asisto indiferente

A la procesión de gusanos que dejan mi existencia bien leve

Y coronan mi cabeza bendecida.

 

Mi rostro es ese espacio.

Inauguro mi habla entre esos rezos.

No soy el soplo libre con las palabras

Ni la gloria que se eleva fugaz

Ave suelta de mi pulso abierto y mis palmas.

Yo soy el Hombre. 

Y ahora me arrodillo contrito ante el sol negro en mi oración.

 

De “Venho de um país selvagem”

 

Nuestros caminos se cruzan

 

Nuestros caminos se cruzan.

Seguimos por la floresta estragada del sueño:

El aire, corazón hendido por los labios,

Es un pájaro que pulsa en el cielo abierto.

El milagro no lo encontramos en el pozo,

En los cilindros de la noche, en el apretado abrazo.

No busques en la rosa la conciencia.

No toques la palabra, la geometría de sus armas,

Porque toda cicatriz es olvido:

Nada conquistado después de la nada.

El buquet del habla, anima mundo,

Es soplo de papel, lengua preclara.

El reloj transpira por la sala.

Clava en todos nosotros su reverso.

Espina, semen de aurora.

La dorada arcilla se desclava de mis pétalos.

He aquí mi humanidad:

Cava mi llaga, vastedad celeste.

Besaré al tiempo y estaré

  En todas sus marcas.

Recorreré la eternidad sin huellas.

Para que, en fin, la voz de la muerte me despierte.

 

De “Venho de um país selvagem”

 

 

 

Estaré aquí cuando la habitación se apague

 

Estaré aquí cuando la habitación se apague.

Muevo este vaso de sombra, esta rosa de cenizas,

Los pulmones plenos respiran el agua de estas raíces.

Correré en la brisa cuando no haya nada más.

Porque todo desliza: el barco por la sangre.

El planeta por la órbita de la tinta, y la tela por la viña.

La perfección ensucia toda la belleza con sus pies helados.

Proseguiré sin nombre o dios, flauta destacada de una víctima.

Seré siempre ese jardín, esa tranquilidad habitándolas amatistas.

Lo mismo después. Cuando no haya nada más.

Seré el silencio recogiendo un corazón maduro.

El perfil tallado por el arbusto.

Foto antigua: musgo verde – oliva masticando la ensenada.

 

De “Venho de um país selvagem”

 

No conozco tu cuerpo: habito tu voz

 

No conozco tu cuerpo: habito tu voz.

La noche es un son de gallos que se quiebra.

Despierta el mineral. Sueña leve dentro del cristal.

Abriga nuestras caras. Deshace toda distancia.

Suprime el espacio que va de la idea a la tiniebla.

Claridad y reflujo. Esta confluencia nos precede.

El agua concibe un agua inaugural en su taza.

Eres tú, piedra enredada entre las manos de las hierbas.

Donde esculpo tu rostro hecho de caricia y tiempo.

Aquí vivimos el despertar de la carne, presa y pétalo.

Iluminados irrigamos estos árboles, somos su linfa.

La madrugada tranquila, verde tergal, sueño abierto

Se cimbrea sobre los confines de nuestros cuerpos 

y de las yeguas que mueven la Tierra.

Absorbido en un movimiento puro, ella nos riega.

Así la eternidad se entrelaza en nosotros.

Así la plenitud no nos basta:

Animales, extrajimos luz de la luz en la selva. 

 

De “Venho de um país selvagem”

 

La lluvia rehace en silencio los interiores

 

La lluvia rehace en silencio los interiores.

Deshace todos los muros con sus guantes.

Somos todos extranjeros. No hay nadie allá afuera.

No veo el sol. Sus panales de trigo no se tenderán sobre la noche.

Ni la antiquísima agua se posó sobre mis cabellos.

El cristal aun duerme en su primera espina.

Que venga la política. La mierda pulida por palabras.

El asesinato en nombre de nobles causas.

Civilización, arte, imbéciles enmarcando la nada.

Todos nosotros, cosas entre cosas, aviesos de la espada.

Holocausto al vacío, templos de lata.

La fauna nos puebla cuando somos este espacio

Entre el vuelo verdadero y un proyecto de ala.

 Un dios en mí se levanta en esta sala a cada gota.

Sé que fuiste a otro país, inaccesible.

Trazas apenas la marca de tu alma en cada objeto

Y caminas por la casa y te pierdes en los espejos.

Una estupidez cualquiera que nos gire de este peso:

Existimos sin palabras, somos sin saber del ser, su vena.

Esa muerte abyecta, compartida, huesos animados,

Ganado sin relleno que vende el alma en trueque de conceptos.

Apenas tú y yo, contra el mundo, el círculo no se completa.

La lluvia, ella y apenas ella, eternamente cae.

No explica, no indaga, no oculta, no confiesa.

Apenas demuestra la ley de la gravedad y su belleza:

Mayor afirmación de quien sonríe en plena caída.

 

De “Venho de um país selvagem”

 

Fotografia de Rodrigo Petronio

 

Rodrigo Petronio é escritor e filósofo, autor de 17 livros. Professor titular da FAAP e coordenador do curso de Escrita Criativa, uma das poucas pós-graduações em língua portuguesa nessa área. Doutor em Literatura Comparada (UERJ), realizou estágio-sanduíche na Universidade de Stanford. Formado em Letras Clássicas e Vernáculas (USP), tem dois Mestrados: em Ciência da Religião (PUC-SP), sobre o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, e em Literatura Comparada (UERJ), sobre literatura e filosofia na Renascença. Desenvolveu pós-doutorado no programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD|PUC-SP), onde atualmente é pesquisador associado. Há vinte anos ministra oficinas de escrita criativa e cursos livres em diversas instituições. A Oficina de Escrita Criativa e o Curso Livre de Filosofia se tornaram referências no Brasil. Atua no mercado editorial há vinte e seis anos, tendo trabalhado em centenas de obras e em todas as etapas do processo editorial. Há vinte e um anos colabora regularmente como jornalista e publicou centenas de artigos, resenhas e ensaios em alguns dos principais veículos da imprensa. Recebeu prêmios nacionais e internacionais nas categorias poesia, ficção e ensaio.




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