Poesia & Conto

Poemas de Cinco peles | Ema Alba Lobo

Foto de Matt Hardy na Unsplash

NOTA SOBRE O LIVRO

Cinco Peles foi publicado no passado mês de janeiro, pela Editora Claro Escuro. Revendo-se no desejo de Helena Almeida, de anulação da distância entre corpo e obra, Ema Alba Lobo despe a sua escrita numa experimentação poética acerca das cinco peles que a compõem e que dão espessura ao seu corpo. Tendo como matéria deflagradora a pele-linguagem de Roland Barthes e as Cinco Peles de Friedensreich Hundertwasser, os poemas fazem-se acompanhar das fotografias de Fernando Pinho, as quais transcendem a ilustração e configuram-se em exercícios sensoriais e percetivos da memória do corpo-mundo.

 

A par da linguagem híbrida e semiótica construída entre a fotografia e a poesia, e dando continuidade à sua escrita performativa, a poeta acrescenta a dimensão de livro-oficina a Cinco Peles, oferecendo a cada leitor a possibilidade de descobrir  – experimentar, escutar, escrever, vestir e despir  – as suas cinco peles, através de vários mediadores expressivos e criativos, num workshop multidisciplinar desenvolvido com a própria.

 

Para mais informações: editoraclaroescuro@gmail.com

 

 

 

EPIDERME

sou corpo híbrido
de dança e poema
engrenagem de sal
: suor sangue sémen lágrimas
por onde esvazio o mar
das inundações íntimas
e interiores do exercício da vida
debulhada
em movimentos andarilhos
que vou aportando
em cada favo de pele
sou corpo ilhado
no ranger do húmus
com que cada palavra
nasce copiosamente
de cada uma das entranhas do mundo ⁞

LUZ

mergulha como liturgia da luz
passa os teus dedos
pela pele
íntima e mineral
formada na transcendência imprudente
do bater das ondas no peito
tu sabes como chamar a água
oiço o mar crepitar em cada palavra tua
e ao largo
nas estrelas a teus pés
o medo
de naufragar em ti ⁞

DANÇA

dança é uma manhã clara
de habitável infinito
breve sopro de mar
onde a revoada das palavras
evadidas do corpo
cabe inteira na asa
de uma abelha que sonha
com um coração de pássaro
e abre a flor onde lhe poisa o voo ⁞

POEMA

o poema é o oleiro das pulsações
a lança da memória no estio do silêncio
nora do olhar no calor da língua
andorinha da poesia vivente do inverno
fibra vegetal do ventre
obituário do eremita
dedal de rio
abóbada celeste da roupa lavada à mão
marinheiro em terra
o beijo potável e divinatório onde cabe o mundo inteiro ⁞

GAIA

durmo no chão da minha noite
sobre o calor do silêncio
das sementes que da terra
vão crepitando milagres de luz
como um bater de asas no coração
só temos para sempre
no tempo das horas vazias por abrir
que vão descascando
a silhueta do horizonte
brenha por onde desaguo o poente
sonhos que se acordam
na intrusa humanidade ⁞

 

 

Fotografia de Ema Alba Lobo. Autor da fotografia: Sérgio Godinho.

Ema Alba Lobo nasceu em 1973 e é natural de Lisboa, mas vive inevitavelmente junto ao mar.
O Activismo Comunitário, a Poesia e a Dança são os seus grandes amores e labores, as suas áreas de formação académica e a matéria seminal da sua escrita.
É na gestação poética que experimenta e atravessa as assimetrias do mundo. É no poema que se faz corpo grávido e à escuta do silencioso germinar de cada devir.
Autora de várias obras poéticas éditas e inéditas, tem participado em várias colectâneas e revistas de poesia. Desde 2011, desenvolve Oficinas de Poética do Movimento, Expressão Poética, Escrita Auto-realizadora e Book Art.
Em 2007 fundou o Terra.Corpo, espaço geopoético e de intervenção sociocultural de Arte Participada, Educação Emocional e Ecologia Humana que privilegia o encontro entre diferentes linguagens expressivas verbais e não-verbais.
É investigadora e professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, bem como coordenadora e dinamizadora de vários projectos do Terra.Corpo.

 

 

 

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