Poesia & Conto

Pré-requiem para Reinaldo de Santos Neves | Oscar Gama Filho

Foto de Taylor na Unsplash

“Meu caro amigo de tantas aventuras. Mas daqui pra frente tudo indica que, da minha parte, já não sou mais o que fui. Repito: não tenho mais condições. Até de ler e de escrever. Seja como for, estou finito. Abração. Reinaldo.”

 

 Já não sou o que fui.
Serei bem mais, o que é útil
à máquina do mundo:
A que permite que Chaplin,
Nos Tempos Modernos, aperte o clipe
do que é nosso eclipse deslumbrante.

Na sombra, esculpo o que serei.
Nem antes nem depois do que fui.
Ofertam-me um reinado e um cetro
e a tudo e a todos rejeito, por certo.
Serei mais antes do que jamais fui.
Ou depois. Só saberemos pelo que depus.

Uma Marcha Fúnebre de Chopin
caminha até mim, e eu a ouço,
No meu silêncio, pelo seu ruído
bradando nas pedras  em que não repouso, infante.
Eu, o avante que sou do que medro antes.

Pois depois sou melhor do que era,
E além do que eu serei adiante.
Fosse eu o claro sinal de levante
da lua ilumímica contra qualquer  entrave,
Para que eu seja mais veloz que a fatal nave.

 

CORO GREGORIANO:

Ave, Maria, ave regina.

Eterno és.
Não demodê.
Não fora eu você,
Que sobrevive no meu ser a ser.

Dentre as aventuras tantas
mais se alevanta a da amizade.
Antes sempre do que nunca ou tarde.

Não é tarde demais
para olhar a flor estética Reinaldo
antes que ela seja capaz
de desvendar você por dentro do que faz.

Veja Reinaldo a olhar diariamente à tarde
a passarela  de gente que sai das aulas na universidade,
A memorizar tudo ao meu lado por anos-luz amigo,
A memorizar sinestesicamente, em abrigo mental que não parte,
A transformar tudo e a si mesmo em arte,

Pois a  “maior missão de um escritor não é viver:
Importa mais fazer-se literatura, tornar-se literatura.”

Por isso o escritor cria até depois de se ir, de deixar de ser o que foi,
Transubstanciando-se  em literatura, no nefilim Renato Pacheco, depois.

 

Casamar, 21 de janeiro de 2024

 

fotografia de Oscar Gama Filho.

Oscar Gama Filho é capixaba de 1958. Versátil escritor, ficcionista, dramaturgo, historiador, compositor e ensaísta. Publicou Teatro romântico capixaba, história (1987); O despedaçado ao espelho (1988), poemas; Razão do brasil, crítica e história (1991); Ovo alquímico (2016); Metacrítica— questão de método, ou nova interpretação da “História da literatura brasileira”, de Carlos Nejar (Academia Brasileira de Filosofia, 2023), História da literatura do Espírito Santo (Edufes, 2023)

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