

1.
Mexeu comigo
A luz tão azul,
O calmo rio.
Mexeu comigo
O álamo esguio,
O tronco frio.
Mexeu comigo
O monte fendido,
O sexo rendido.
2.
Se eu amar, se houver amor,
E o amor por vezes é um rio veloz
Ficando aquém da razão de florir,
Canto, como se fossem mar
Até as águas que não foram foz.
3.
A noite longe de ti, mãe.
Longe do teu colo e do brilho.
Tenho o quarto, ninguém.
Tenho o rio, ninguém.
Olho ao redor, ninguém.
Estou só, longe de ti, mãe.
Apenas o coração ainda faz
Com que eu chame retiro
A este quartinho e ao rio.
Oh, o peito perseguido pela dor!
A noite longe de ti, mãe.
E jazem o quartinho e o rio.
E jaz o sonho latente.
Jaz tudo em mim e ao redor.
O teu passo estugado persigo
Na terra dura do trilho, mãe.
Então começa, no amplo silêncio,
Do menino o amplo sopor.
Ao teu colo, me retiro,
Em paz, do mundo, onde
Ainda nada sei sobre o amor.
4.
Os pássaros, gelados e mortos,
Voaram com o meu coração.
Saciados, cantam na caleira.
Acabaram de erguer-se do chão.
Os pássaros, gelados e mortos,
Voaram, ergueram-se do chão.
Correm o côncavo da caleira.
Cantam agora no meu coração.
5.
Fui o primeiro a esperar-te em vão,
De rosto caído para as lágrimas, em martírio.
Fui o primeiro a amar-te como se fosses mosto.
E sei que serei o último a esperar-te
E que nunca vou esquecer-te.
Ainda que o céu se abata sobre cada círio.
Ainda que as lágrimas tenham perdido o rosto.
6.
O rosto, lã, nuvem
De rastros, azul sereno.
O rosto, olho, avelã,
Terra, passos, o vento.
7.
Foi um sonho a ribeira cristalina,
O distinto acolhimento das ipomeias,
A sombra do tronco dolente
À superfície do desejo das águas,
As pedras avolumando-se no leito,
Os nastúrcios feitos de sol e áscuas,
E a ponte voltada para o rosto da corrente.
Hoje, na foz soez, sem poemas,
Fenecem, abúlicos e sem cor, os patos,
E um idoso não encontra seu rosto
Nem eu encontro em seu rosto o espanto.
Tudo é tão real que nada se imagina.
Tudo é nefando e não é de ser apenas iminência.
Não haveria talvez, mesmo se aqui houvesse poemas.
E eu não queria acordar em pranto
Para a clarividência deste tempo.
8.
Que rio é este na lezíria
Que diz às aves
Que sejam elas águas?
Que sol é este no cume
Que diz às aves
Que sejam elas lume?
Que azul é este em mim
Que diz às aves
Que elas sejam sem fim?
9.
Eu sei que nada será dito com enlevo,
Sem que o arrebol caia no lagamar.
Sem que a lágrima azul eleve a flor do trevo.
10.
Começa agora a mágoa.
No canto do olho direito,
A iminência do rio.
Como pode tanto,
Ir tão longe, uma lágrima?
11.
Esplêndido arroubamento é o amor,
Estado em que não se teme o futuro.
E a vida é o caminho onde o amor
É a luz que nos guia ao tempo mais puro.
Ângelo Alves nasceu em 1978, em Cantanhede. Viveu sempre na Póvoa da Lomba, localidade vinícola pertencente ao concelho referido anteriormente. É professor de Física e Química e poeta. Publicou, entre outros livros de poesia, O Leve Odor dos Noveleiros, Temas Originais, 2016, e Um Grande Sol Aproxima-se a Nado, Temas Originais, 2018. Escreve amiúde poemas no blog, de pendor mais científico, De Rerum Natura.