Cultura

Poemas | Adrian dos Delima

nós os de baixo

 

nós os de baixo nós

amarram nossas mãos

manufaturam nossos

cabeça pernas ossos

nos manuseiam atos

nos constroem consenso

industriam comida

nos trajam aparelham

pra fazermos nonada

nos parelha de bois

puxados pela canga

fios que só os de cima

veem nos marionetam

se um de nós vê mais

pondo seus galhos a

fora e a cima do topo

das árvores iguais

o derrubam madeira

na floresta nenhuma 

copa se sobressai

devemos ser de baixo

ver sempre só por baixo

olhar o olhar de abaixo

não nos movermos nunca

senão pela vontade 

que desce desdo alto

 

05 11 2020

 

 

USTRA Y SEUS FIO DAS PUSTRA

 

Brilhante Ustra foi um pobre filho da pustra

E que nem nunca teve nada de brilho

 

Era nas sombras que agia o tal

Foi a própria escuridão naquele então

Era um coronel tarado que tinha

Tesão por cu virgem de sordado

Um dos marvado que gostava de ver

O próximo mais fraco torturado

Sendo eu próprio um investigado interrogado aferromarcado

Por babacas que adoravam aquele fio do dêmo

A tentar torturar mi’a cabeça

Então mei’ fraca de menin’ 

 

Um dia muitos anos depois

Dessa merda toda depois

De todos ustras mortos enterrados 

Um idiota deputado homenageia

O Ustra mau-caráter

Idiota deputado que absurdamente

Chega a ser presidente

E post mortem promove o Ustra coronel

Ao soldo marechal tendo o diacho nunca lutado

Contra nenhum inimigo 

Que não fosse o seu próprio povo

Malmaltratadotrapilho

 

E foi assim que as filhas do assassino ganharam

Uma pensão milionária que o mesmo povo

Burro de carga vai vir a ter pago

 

Ai que é necessário alguém algum líder

Que só conheço um chamado L-u-l-a por ora

Reverter tudo ao ponto de partida

Do fim da ditadura e espalhar sal

Sobre a tumba de Ustra pra que 

Dali nada nasça nunca

 

06 08 2021

 

 

ALGUNS DOS AFAZERES NUMA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE

 

Alisar o pelo

Da cabeça ao rabo

Da gata malhada

 

No meu colo

Ela cola o nariz no meu

 

Estamos em sintonia

Em dar carinho

 

Ela é mãe de gatinhos

E aprendeu a dar amor

 

Com ela os filhos

Aprenderam o mesmo

 

A família felina

Inteira se esfrega se lambe

 

Já eu sou pai de todos

E sendo deus deles 

Sou humano só consegui 

Saber a mesma onisciência

Que sabem eles

 

Eles comem eles fazem xixicocô

Eu encho os pratinhos 

Eu cato o sujinho d’areia

 

Entre muita tarefa minha do dia

A principal que tenho

É dar amor semelhantemente

 

E pro poema ter um bom termo

Posso no fim redundar

Sendo à imagem e semelhança

Nada além posso ser mais

Que o semelhante desses animais

 

30 06 2021

 


 

PÁGINA PRA SER CENSURADA

 

o livrodenotas, notebook, muito mais

que anota-se, conclui-se, muito mais

que conclui-se, deixa-se o texto vago,

vagarosamente os caracteres entram

no teclado, a tela branca interfere no

escuro, quantos mundos cabem nesse

retângulo, visto por este ângulo

dá no mesmo que a tela vazia a preencher

do celular, vale o mesmo que a antiga

folha branca de Mallarmé, você tem

um universo vazio pra ocupar

de letras, ditos, fragmentos de frases,

palavras feitas, desfeitas, citações,

¿não excita saber que daqui a pouco

você pode partir sem rumo prum

ato de fala que começa escrito e pode

ser reprimido pelo sistema de julgamento

cego, surdo, burro e mudo, diante

do poema que pode ser proferido

fica-se tudo, fica-se oposto, fica-se

perfilado, seu perfil nunca foi

de ficar calado, todo mundo abala

com seu poder de fala mesmo quando

o indivíduo nada tem pra ser dito,

falador você acaba interdito, falante

procure a palavra exata, mesmo que

pra dizer imprecisos, você precisa

saber que sempre está no certeiro lugar

de fala, basta que use a cabeça e nunca

diga absurdos e, ainda assim, sempre os

impenetráveis ao verossímil te censuram.

 

27 09 2020

 

 

20 ANOS DE TORTURA E MAIS

 

não põe pé pra fora, pé

de vento pode te pega, corrente

de ar pode te amarra, só

um príncipe diz isso 

Akhmátova, 

te aviso cada qual

é escravo de algo, cordas

correntes se soltem, tem

medo de nonada, sô muy

nêgo ô tomo muita tunda

de laço nem gemo já,

é cansado, na tortura 

eu já quase disse de tudo,

querem ouvir, não ouviram

de mim nem quase tudo, 

foi um não sei que houve

 

não condeno quem um bife batido

a carne se traiu, acho bem ’té

que toda atraiciona, seu puliça

ô seu num bate mai, isso verdá,

sinhô tem razão, sempre é

errado eu, sempre um tem culpa

tudo que faiz, se sinhô viu que viu,

se viu não foi cum oio, viu

que puliça vê coisa, vê tudo,

puliça é vidente, seu puliça

sinhô toma coisa pá vê coisa

tanta, tantã, tambor toco

hoje noite pá me livrá, não

tem livro que ensinou como faz,

orixá orixem desconecida,

desconexado do senhorio, exú

leva e traz meu pedimento,

nada impida o que eu peço,

para isso tudo, tira mão de cima,

sai fora, sai fora de si sem

se perder cabeça, cai dentro

entra pra dentro de si mesmo,

põe um pé na consciência, volta

num pé dentro, lá ninguém é preso (a).

 

23 10 2020

 

 

ADONAR-SE

 

a amoreira esquelética se ergue sem folhas

o outono não falha em deixar nus

galhos delas 

entrou o inverno enfim

os hibiscos carmesins

não nascem inteiros têm

as bordas pretas talvez

do frio se queimem

mas não sei não sei se

entendo é nada da natureza

olho estas coisas sem importância

aparente no dia a dia

nestes dias só importam

as gentes gentalhas que sejam

mai’ imponentes mai’ que as árv’res 

gente mai’ feia

mai’ conta que as flores

 

mai’ que vinguem floriculturas

as culturas de hoje são todas

transgênicas as sementes de ninguém

têm alguém que se adone

mesmo a água que as irriga

querem dar a ela donos

o que far-se-á (verbar no futuro)

c’o ar o terror de o encampar

que só vi na minha ficção 

descientífica da mais burra

o que vai dar

deste poema sem rumo

pelo mar numa garrafa

à procura de um interlocutor

 

encontra tu estas plantas e flores

que entrego com sentimento vero

por quem as receba qual seja

 

05 07 2020

 

 

ATRÁS DA RAPOSA

 

dia da caça ou caçador, os dias de caçar

parece se acabaram, até parece, caçam,

o bicho caça sim parece chegar ao dia de extinto,

pinte tudo com outras tintas, como sai

a colheita, como sai o pasto, como sai

o garimpo com mercúrio, tudo nasce

com fogo no mato, não vegetação, é mato,

muita caçada se dá por bicho carbonizado,

sufocado na fumaça, por povo nativo

sem floresta morto, morto contaminado,

morto doente genocidado, caçado,

morrem os nossos líderes, nossos líderes

são caçados, acusados, presos, são

facínoras corruptos, agora pedófilos,

preguiçosos, têm um monte de traços

defeituosos, normal, são mesmo parte

de nações inferiores, grande é só nossa

nação de homens velhos e brancos,

alguns de nós irão ganhar muito,

muitos rios, muitos riem quando

muitos mais choram lagos,

vivam as nações que se governam

através dos laços com os velhos

cara-pálidas, mesmo quando esses

se disfarçam de preto, de amarelo,

põem roupas de mulher, vivam

lei e ordem, vivam os tiros

na cabeça de bem perto, nas costas,

viva a caçada sem regras, sem leis

que deem a ela autocontrole,

viva abrir fogo contra a multidão,

não tem vez da raposa, viva

os aristocratas de cavalo,

lá vêm, eles passam ‘tropelando

por cima de qualquer bicho esperto.

 

06 09 2020

 

 

MINISTRO DA ECONOMIA

 

Quando o ministro disse que o povo pobre

É tudo vagabundo

E disse mais que se oferecer o auxílio financeiro por mais tempo

O brasileiro vai querer ficar sem trabalhar por uns 8 anos

Vai todo mundo ficar em casa

Os ricos do outro lado vão passar fome

Para manter isso só se baixar

Pra 200 

 

Naquele então 

A maior parte da população já havia desistido do governo

Daí mais uns quantos largaram de mão

Muita gente comentou embaixo da notícia

Que o dinheiro pago até agora não 

Dava pra sustentar

Nem uma pessoa sozinha

600 não tá dando

Outros países pagam muito mais

A depressão vai durar muito mais

Xingaram disseram vou usar a grana pra comprar um

Pinto de borracha e enfiar no seu cu seu vagabundo

Isso muito menos dá pra uma família viver

Ô desgraça esse dinheiro é da gente

Enfia no seu cu infeliz

Manda tua mãe viver com 200

Vai você seu véio bestaiado passar o mês com 200

200 é um cafezinho que ele toma

Sua vida é que está boa

Seu ministro de merda

Cambada de pilantras

Ainda é ministro um miserável destes

Tem que reduzir o salário deles 

Quero ver pagar contas aluguel o básico do mês

Eu teria vergonha se fosse vocês

Parece proposital

Querem matar os que dão gasto

As pessoas vão ser obrigadas a sair e pegar a peste

Por que esse cretino não vai trabalhar pra encher as prateleiras

Abre um espaço pro pobre responder o que acha

Eu achei uma alternativa

Achei essas falas

E enquanto isso fiquei satisfeito vendo que nada tinha a acrescentar

 

30 05 2020

 

 

POEMA PARA AS 5

 

ceda madruga ainda

pra ordenhescrevinhar poesia 

sempre isso são horas são horas é 

galos fazem canto faz horas 

sabiás tão todos despertados 

cantoria deles é primavera 

pássaros pressentem sol

quantes gente pra eles

já manhã vão migração-

pêndulo trem bate e 

volta perdura desde

tempo de gentes muita

famia grande era na agricultura

essa hora cedidade de roça

ora nas aglomerações urbanas

gente não perde caráter

humanis como num latim

tudin expresso procêis

até mesmo um três veiz sapiens

sabe levantar o sol acima

das construções das casinhas

se pôr já em pé sentado afrente 

tela branca computador

basta pôr pouco de esforço

cedamente vai carregar

um poema bomruim no dorso

 

20 10 2020

 

 

CHICAGO BOY

 

a escola de chicago xii 

já se cagô o chile pegou fogo

paulo guedes tem o fogo do desejo

pôr fogo na escola pública já publicou

pode podemos pra incluir todos

tirar todo fundo

guedes já estudou, já estudou lucro dele

– cu dele – 

podemos foder o povo criança pode-se também

tocar um tambor para idosos

trrr-trrr um tarol acabou-se

essa bestagem exclua-se o toldo

protetor contra chuva, pula velhinho, pula filinho

pula-pula quero ver povo cair de maduro

é hora da colheita no fundo

do poço, pula, cai, cai dentro povinho, não cai fora guedes

deus do mercado caia até o balão-presidente

aqui na minha mão

não cai guedes põe em prática

tuas teses, eu quero ver

tudo cair

santo da gente baixar

– chuta – o pau da barraca-

já vi cair noutras plagas, quero ver cair

em todo lugar o teto e fundamento

da escola de chicago isso uma praga 

vamo vê quem ri – rá por último 

vamo vê quem ri – rá da própria desgraça

ih-a-ru-ru-iaahh –  isso tem graça?

 

30 06 2020 

 

 

Adrian dos Delima (Canoas, RS, 1970), nome artístico de Adriano do Carmo Flores de Lima, é poeta, tradutor, teórico de poesia e compositor; revisor, capista e diagramador. Cursou Letras, habilitação Tradução na UFRGS. Na década de 1990 publicou poemas em antologias e  fanzines fotocopiados que editou com amigos, além de editar e publicar no jornal  “Falares”, dos estudantes de letras da UFRGS. Foi pesquisador da poesia de João Cabral de Mello Neto. Seguindo seus estudos como autodidata, posteriormente publicou em revistas de papel e online, como a Germina, a Babel Poética, Gueto, Gente de Palavra, InComunidade, Sibila, Mallarmargens, Diversos Afins, Subversa, Literatura & Fechadura e outras. Publica, sem muita regularidade, teoria literária e da tradução, traduções poéticas e poemas próprios na sua página Rim&via (partidodoritmo.blogspot.com.br). É autor dos livros de poemas “Consubstantdjetivos ComUns” (Vidráguas e Gente de Palavra, 2015)” , “Flâmula e outros poemas” (Gente de Palavra, 2015)” e “O aqui fora olholhante” (Vidráguas, 2017)”. Traduziu poemas de Joan Brossa para a Revista Gueto e de Reiner Kunze para ilustrar texto didático de livro de Geografia da Editora Moderna. Foi finalista do Prêmio Off Flip 2020 de poesia com o poema “O que vale mais é a opinião de um brigadiano ou de uma árvore”.

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