Cultura

Poemas

 

 

A presente selecção é do poeta Rubervam Du Nascimento.

 

1

Milhares de guerreiros perfilados

Num exército pronto para a marcha,

A defesa da morte inescapável,

Como em vida fizeram sua guarda.

Eis em Xi’an a terracota armada,

Nos cavalos e carros de combate

Acompanhando o Imperador mortal

Em seu destino e pompa marciais.

Sabem a argila e o bronze funerários

que a morte cede e a vida não acaba.

 

 

 

ILHA

 

Ínsula. Flor do mar,

mera estilha de terra,

lua solta nas águas,

satélite e só. Única:

se uma rosa é uma rosa

é uma rosa uma ilha

é uma ilha é uma ilha.

 

 

 

AS POMPAS E AS CIRCUNSTANCIAS

 

onde estão

os tambores cavando?

o infinito clarim,

onde grita?

Onde os comandos, onde

As salvas de festim?

Esses sons consolando,

Esses sons onde estão?

onde

os que há pouco passavam

sob o sol marcial?

 

– a marcha densa, a  guarda

luzindo em alamares,

talabartes, medalhas

na flanela de gala

(na cabeça de estátua

a pala cobre os olhos

mas revela os olhares

meditando encobertos) –

 

-os cavalos, seus pelos

Penteados, os castos

Arreios como elásticos 

mantendo sem surpresa 

as medidas precisas

Do passo, pata em parte

No ar, parte no piso,

Leve o tinir dos cascos –

 

-celebrantes silentes,

espadas e fuzis

das batalhas antigas

paralisando a tarde

nas bandeiras batendo

em lentidão solene,

A surdina encantada

de umas pedras, das árvores-

 

Paralisando a tarde

nas bandeiras batendo

em lentidão solene,

 

onde

os que há pouco passavam

sob o sol marcial?

 

o féretro, o esquife,

os negros ataúdes,

as funerárias urnas,

os múltiplos caixões,

em que tumbas e túmulos,

sepulcros, sepulturas,

sozinhos se despedem,

ausentes se acumulam?

 

que silêncio os esconde?

que antecipada treva?

que verdade se nega,

que memória se ensombra?

 

secretos, pessoais,

onde passam agora

os que há pouco passavam

sob o sol mundial?

 

 

 

OPINIÃO PUBLICA

 

25% querem

25% não querem

25% não sabem

25% não querem saber

33,33% têm medo

33,33% não têm medo

33,33% emudeceram

 

36,4 % acreditam em parte

33,7% não acreditam em nada

29,4% querem acreditar em algo

23,2% são absolutamente céticos

28,6% são absolutamente crédulos

39,5 % dão respostas múltiplas desesperadas

 

38% já foram antes

32% nunca foram

19% não se lembram como era

24% ainda não se esqueceram

47% não faziam a menor idéia

76% ficaram perplexos

 

X% estão certos

Y% estão fartos

N% estão mortos

 

 

 

 

REGISTRO DE IMÓVEIS

 

o bairro não tem mapa

a rua não tem nome

a casa não tem número

a porta não tem chave

 

o teto não tem luz

a mesa não tem pratos

a cama não tem pés

o tanque não tem água

o pai não tem trabalho

o filho não tem aula

a mãe não tem mais nada

 

a morte não tem hora

a vida não tem volta

a lista não tem fim

 

 

 

 

RAÍZES

 

“No meio do caminho tinha um poeta”

Mário da Silva Brito

 

Como dizer que Drumond já disse

E descobrir que Bandeira não?

 

Quanto fazer do que João não quis,

E o que Cecília viu, deixar de mão?

 

Fugir aos ecos do que ouvia Rilke,

Ao jogo à vera que vencia Holderlin?

 

A quem dever a voz como a Salinas

E primaveras senão a Guillén?

 

Onde encontrar outro nome em Pessoa,

Pôr palavra no tempo sem Machado?

 

 

 

44

 

Morre o que é vivo, morrem as cidades.

Algumas de repente, nos abaos

E avalanches, causas naturais.

Morrem também de abandono e desgaste,

Se as deixamos, em fuga ou devagar,

Devolvidas à terra onde decaem.

Assim Alcântara, Tykal.a maia,

Roma, Pompeia. Mas as soterradas

Nas ruínas regressam, escavadas,

Porque é de nossa estirpe o resgatar.

16

 

As cidades  estão nas catedrais.

Rouen, Colônia, Cantuária, Chartres.

Na devoção exposta nos vitrais,

por onde a luz que passa é pura graça

de outro sol, que atravessa uma rosácea

e traz a fé, o conforto das almas.

Essa pedra de oferta consagrada,

essa pedra que sobe em espirais,

leva a esperança do amoroso salto:

a de chegar ao deus, Sua Cidade.

 

 

 

 

CENTRAL PARK, DIÁLOGO

 

–  Tantos bichos amansados

E esse crépito de asas.

 

–  Corta o gelo o outro vento

Sobre o riso dos patins.

 

–  Branco de frio os caminhos

E esse fogo pelo rosto.

 

– Enche a tarde um outro som

Varrendo as horas do parque

 

– Há uma escrita azul e leve

No sulco ausente dos barcos.

 

– Há uma lembrança de passos

Nessa corrente espelhada.

 

 

 

 

LINHA DE MONTAGEM

 

De tudo um pouco.

Assim se faz um homem.

Cabeça, tronco, membros, 

o coração na boca

ou na palma da mão

Onde apareça e mostre

a que vem e a que não.

Tenha o corpo saúde

bastante para a guerra

e o que não seja corpo

construa a sua paz.

Meticulosamente

em partes desiguais

receba amor e dor.

Vença a máquina os testes

de resistência mínima

e fantasia máxima.

Alimentos terrestres

e o céu de cada dia

sustentem sua fé

pelos sete sentidos.

 

Com teoria e prática,

assim se faz um homem,

Sem qualquer garantia

 

 

 

Izacyl Guimarães Ferreira: natural do Rio de Janeiro, morada actual em São Paulo, após 15 anos no exterior a serviço do Itamaraty, como Diretor de Centros de Estudos Brasileiros e Adido Cultural de nossas embaixadas em países hispânicos: Uruguai, Costa Rica e Colômbia; escreve, traduz e escreve ensaios literários sobre obras de poesias; publicou diversos livros de poesias, alguns premiados, a exemplo de “Discurso Urbano” editado pela Scortecci Editora de São Paulo, que recebeu o Prêmio “Machado de Assis” da Academia Brasileira de Letras. Os sete primeiros livros de Izacyl foram reunidos em 1980 sob o título “Os Fatos fictícios”. De sua obra escreveram Thiago de Mello: “…alguém que tem realmente alguma coisa a dizer, e que sabe dizê-lo de maneira própria, sobre ser poética” e Érico Veríssimo: “…um poeta que tem voz própria e sabe usar o seu idioma com economia e precisão, fazendo-o servir à poesia e não…vice-versa, como é o caso de tantos…eu também acho que “Viver é conviver de peito aberto/proclamar o mar/ contra o silêncio surdo do deserto”.

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