Cultura

Pensamentos frisados | Alice Caetano

Em Partenope, propositadamente, não há linhas rectas. 

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O crematório móvel é a mais prática e eficaz máquina-do-tempo do século XXI utilizada na transformação de origamis em cinza.

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A hierarquia das esquinas: em Mendoza, quem detinha as lojas nas esquinas das ruas eram os turcos. Já em Buenos Aires, eram os judeus e, aí, os turcos sujeitavam-se a ficar instalados a meio. 

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A imagem de Cristo carregando a cruz, que percorre a rua durante a procissão, paradoxalmente, não mostra indícios de queixume no rosto, ó santeiro! 

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As glicínias inundam o jardim de perfume e lilás. 

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O grande Joshua diz que necessitou de retirar todos os “santos” visíveis do quarto e escondê-los dentro do guarda-fatos, quando engatou um padre em Fátima. 

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Alguém desenhou rabiscos e rabiscos nos botões da bata da senhora Lu, funcionária pública da escola secundária. E sem que a mesma desse por isso, fazia com que os seus interlocutores se admirassem bastante quando a miravam, enquanto os causadores se riam baixinho escondidos atrás dos biombos do Estado Novo.  

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Para poupar um fósforo, havia quem mandasse o filho mais novo com um punhado de agulhas de pinheiro na mão a casa da vizinha, averiguar se esta teria acendido o lume. 

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O doutor Vicente contava que no seu tempo de estudante em Coimbra, para não adormecer enquanto estudava, enfiava os pés numa bacia de água fria. 

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Observo o meu amigo Albertito a fumar maconha ao pequeno almoço, segurando o porro entre os únicos três dedos da mão esquerda… Na sua voz cava há uma gerbera entre a gargalhada e o caos.

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Sonho repetidas vezes com o regresso de um palerma que pertenceu à minha vida.

Mas já não cozinhamos os bolos com o arroz sobejado da véspera.

Arroz agulha.

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Levei dois punhados de pedras para colocar dentro da jarra do cemitério.

O vento que sopra do lado do mar despenca as flores vermelhas e amarelas e voa tudo para o pinhal.

– P’ra que são as pedras? – perguntou o coveiro. 

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Só agora comecei a ler a poesia de Miyó Vestrini.

Fantasmas acorralándose en los espejos. 

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A Maria Barbeira envelhecia, cada vez mais encurvada das costas. Tinha bronquite, pulgas na barra da combinação de flanela, e dispunha algumas brasas da lareira sobre um prato no qual queimava flores de eucalipto. Flores brotadas de um cónico saguão. E os estames, no quebra-vento da tosse.

 

Fotografia de Alice Caetano

 

Alice Caetano: Formação académica: Curso professores do 1º ciclo pela Universidade de Aveiro.


Licenciatura em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de ciências da Educação de Lisboa.


Profissão – professora do Primeiro Ciclo.

Livros publicados:

Poesia: “Depois do Ninho, a Água”; “Transmutações”.


Prosa poética: “Maçã de Zinco”.


Poesia, teatro e conto – “Espelho Convexo” (recomendado por Francisco Louçã).

Histórico-Biográfico: “Palco Sombrio – Guiné – Guerra Colonial e Actos Cénicos”  (recomendado por Francisco Louçã).

Livros em coautoria:

 

“Arranja-me um Emprego – crónicas e poesia para salvar o dia” – Editora Versbrava.


“Orgânico – Cinco Poetas, a mesma causa” (livro com carácter social) – Edição de autor.


“Xafir e a Feiticeira do Pântano” (infantil) – Alfarroba Publicações.

Participação na Antologia da Moderna Poética Portuguesa.


Participação em iniciativas do Movimento Democrático de Mulheres – MDM – com textos temáticos.

Membro do júri do Concurso “Aveiro Jovens Criadores”.

Poemas traduzido para italiano e publicados nas revistas Emergenza Climatica e Articoli Liberi.

Publicada pelo Jornal literário “RelevO” de Curitiba.

Realização de programas de rádio local de âmbito literário.


Escrita de prefácios em diversos livros de poesia.

Colunista na imprensa regional com artigos de opinião e crónicas políticas.

Segunda vencedora do 1º concurso de literatura polaco-português.

Distinguida pela Direcção Regional de Cultura do Centro como mulher de destaque no panorama cultural da Região Centro.

Elemento da Direcção do Grupo Poético de Aveiro.

Elemento do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal Manuel Alegre em Águeda.



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