Cultura

O samurai sem honra | Oscar Gama Filho

Aos terroristas no poder

 

Ao acordar, desmoralizado, desejo a morte.

Mas, cego pelo poder, não a enxergo.

Sem honra, luto com a vergonha.

E venço.

 

Deposito meus olhos na honra,

Sem que ela esteja no depósito bancário em minha conta.

Depois tento fitá-la em lembranças da luta armada

em que ela estava nas mentiras de trabalho, paz e amor.

Mas ela corre, porque me entende, gritando “assaz o Caos e o Terror”!

 

Que tipo de honra se nega a permanecer na memória

de seu dono, que se nega a ser distorcida,

Que não permite participar da minha mentira,

Que tipo de honra pode ter algum escrúpulo

em afirmar que molha o povo com paz e amor

quando apenas o está marinando para o Terror

completo, irreversível, para o Caos?

 

“—Não desejo o poder nem implantar a ditadura.

Já tenho um e outro e sei o que desejo, afinal:

— Meu sonho terrorista sempre foi implantar o Caos!

Se com honra não é possível, luto com a vergonha.”

 

  “—Nunca desejei ordem nem progresso nem trabalho.

A Teoria do Caos sempre presidiu a entropia do Terror.

Minha meta samurai sempre foi disseminar o horror,

Se a vida do povo sempre foi ruim, quero o muito pior!”

 

Não vejo o que ali está, o inegável fato,

Porque luto pelo Caos absoluto

e alucinadamente o enxergo e tento trazê-lo para perto.

Cego que sou, sem ele estar, enxergo.

 

Paciência: se o Caos destrói a honra,

Luto com a vergonha que não tenho e venço.

 

Oscar Gama Filho

Casamar, 17 de maio de 2015

 

Variante nº 1:

Vinda sabe-deus-de-onde, uma limusine negra cantando pneus abriu caminho na multidão com uma freada sinistra e atropelou várias pessoas. A galera começou a gritar, mas da porta que se abriu saiu um homem assustador vestindo uma yoroi, clássica armadura de Samurai formada por pequenas chapas de ouro laqueado ligadas por cordas de seda e filigranas de pedras preciosas. Uma máscara horrenda cobria seu rosto monstruosamente prolongado por um capacete de titânio incrustado de diamantes que se assemelhava a uma coroa real. Sacou sua  katana da bainha e, enquanto cortava o coto humano com sua espada, vociferou grotescamente em tom de delação premiada:

 

  • Eu sou o Samurai sem honra.
  •  Eu sou os terroristas no poder.

 

—Ao acordar, desmoralizado, desejo a morte.

Mas, cego pelo poder, não a enxergo.

Sem honra, luto com a vergonha.

E venço. 

 

Fotografia de Oscar Gama Filho

 

OSCAR GAMA FILHO, escritor capixaba, nascido em 1958, busca captar a essência dos momentos estéticos justapostos, passados e presentes. Por meio da soma de seus diversos pontos de vista, tenta atingir a completude da arte. Eis um esboço da equação passada:

Esforçou-se por alcançar a essência do poema em De Amor à Política (Vitória: edição marginal mimeografada, 1979, obra dividida meio a meio com Miguel Marvilla); em Congregação do Desencontro (Vitória: Fundação Cultural do Espírito Santo, 1980); em O Despedaçado ao Espelho (Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida/UFES, 1988); em O Relógio Marítimo (Rio de Janeiro: Imago, 2001) e em Ovo Alquímico, escrito com seu filho Alexandre Herkenhoff Gama (São Paulo: Escrituras Editora, 2016). 

Procurou o tempo perdido em obras como História do Teatro Capixaba: 395 Anos (Vitória: Fundação Cultural do Espírito Santo/Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1981) e Teatro Romântico Capixaba (Rio de Janeiro-Vitória: Instituto Nacional de Artes Cênicas/Ministério da Cultura, Departamento Estadual de Cultura, Secretaria de Estado da Educação e Cultura, Governo do Estado do Espírito Santo, 1987).

Precisando de outras línguas para auxiliá-lo em sua tarefa, traduziu-se para Rimbaud em Eu Conheci Rimbaud & Sete Poemas para Armar um Possível Rimbaud mesclado com O Barco Ébrio/Le Bateau Ivre (ensaio-tradução-conto-poema, Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento Estadual de Cultura, 1989).

Acrescentou sabedoria à sua equação graças à Razão do Brasil em uma sociopsicanálise da literatura capixaba (Rio de Janeiro: José Olympio Editora; Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1991).

Percebendo a insuficiência da ótica literária, realizou a exposição de arte ambiental poético-plástica Varais de Edifícios, em 1978, a partir do conceito criado por Hélio Oiticica.

Como compositor, criou o disco Samblues, lançado em 1992 pelo Departamento Estadual de Cultura, e incluído no selo histórico Série Fonográfica do Espírito Santo

O CD Ecos de Sereia, de Elaine Rowena, possui cinco composições suas. 

Escreveu o libreto de Canoeiros do Santa Maria, opereta do virtuose Maurício de Oliveira. O interessante é que Maurício achou a primeira versão muito vanguardista, e pediu para que fosse escrita uma história de amor, que é a letra citada em sua biografia, escrita por Marien Calixte, em O Pescador de Sons.

Suas canções foram apresentadas nos shows O Barco Ébrio (1989) e Samblues (1992), produzidos por ele.

Em 2005, lançou o CD Antes do Fim-Depois do Começo, que contém músicas em parceria com Mario Ruy e em que aparece pela primeira vez o invariante eidético universal absoluto: o Ovo Alquímico. As músicas foram executadas pela Ovo Alquímico Samblues Band.

 Mas era pouco: dirigiu suas peças A Mãe Provisória, em 1978, e Estação Treblinka Garden, em 1979. Miguel Marvilla encenou seu poema dramático Onaniana, em 1990.

Foi escolhido por Afrânio Coutinho para escrever o verbete Literatura do Espírito Santo em sua Enciclopédia de Literatura Brasileira (Oficina Literária Afrânio Coutinho/Fundação de Assistência ao Estudante, 1990), na qual mereceu inclusão como escritor. 

Citado como escritor e crítico na História da Literatura Brasileira, de Carlos Nejar (São Paulo: Leya, 2011), honra que se repetiu na 3ª edição da mesma obra, pela Editora Unisul, em 2014.

Assis Brasil também lhe concedeu verbete em A Poesia Espírito-santense no século XX (Rio de Janeiro, Imago; Vitória, Secretaria de Estado de Cultura e Esportes, 1998).

Participou de todas as antologias de escritores capixabas publicadas nas duas últimas décadas, entre elas: Panorama das Letras Capixabas (organizada por José Augusto Carvalho, na Revista de Cultura-UFES. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1982); Poetas do Espírito Santo (organizada por Elmo Elton. Vitória, UFES/ Fundação Ceciliano Abel de Almeida, Prefeitura Municipal de Vitória, 1982); Torta Capixaba II (Vitória, Academia Espírito-Santense de Letras, 1989); Palavras da Cidade (poemas. Vitória, Prefeitura de Vitória, Secretaria Municipal de Cultura e Esportes, 1990); Palavras da Cidade (contos. Vitória, Prefeitura de Vitória, Secretaria Municipal de Cultura e Esporte, 1991); De Amar e Amor (poemas organizados por Jorge Solé. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1992); Escritos de Vitória (crônicas. Secretaria Municipal de Cultura e Esporte, Prefeitura Municipal de Vitória, 1993); Escritos de Vitória — bares, botequins, etc. (conto. Prefeitura Municipal de Vitória, Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo,1995); Daqui Mesmo — 34 Poetas (seleção e apresentação de Reinaldo Santos Neves. Vitória, Rede Gazeta de Comunicações-UFES, Coleção Nosso Livro, Suplemento especial de A Gazeta, novembro de 1995); A Poesia Espírito-Santense no Século XX (antologia. Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro, Imago; Vitória, Secretaria de Estado de Cultura e Esportes,1998).

Colaborou em diversos jornais brasileiros, entre eles Folha de São Paulo, Zero Hora, Suplemento Literário de Minas Gerais, A Gazeta e A Tribuna

Orgulha-se, especialmente, de A Essência da Poesia, publicado na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras (Rio de Janeiro: Fase VII, outubro-novembro-dezembro de 1996, Ano III, nº 9, p.48). Assim como de As Metamorfoses do Homem, também estampado na Revista Brasileira, da Academia Brasileira de Letras (Rio de Janeiro: Fase VIII, abril-maio-junho de 2015, Ano IV, nº 83, p.191).

Pertence à Academia Espírito-santense de Letras e ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. 

Como psicólogo clínico, foi coordenador e fundador do Serviço Psicológico da Sub-Reitoria Comunitária da Universidade Federal do Espírito Santo desde a sua criação, em 28/4/1986, até solicitar a sua exoneração, em 4/11/95. Em 2003, a Desportiva Capixaba o contratou como psicólogo, tendo participado da subida do time da segunda para a primeira divisão e da conquista do vice-campeonato da Copa Espírito Santo de futebol.  Solicitou sua demissão em janeiro de 2004.

Sua excursão argonáutica mereceu os seguintes comentários:

Assis Brasil (A Poesia Espírito-santense no século XX, p. 210): “a poesia de Oscar Gama Filho, em especial seu quarto livro, de 1988, O Despedaçado ao espelho, é de feição original, recursos técnicos e de linguagem personalíssimos, num momento em que voltamos ao academicismo das fórmulas, das costumeiras metáforas e… do soneto. Nada contra a coinvenção de Petrarca, mas é raro um poeta, hoje, época algo sincretista — como o foi o começo do século — criar os seus próprios recursos de expressão.”

Afrânio Coutinho (orelha de Razão do Brasil): “A obra de Anchieta é analisada com a maior penetração, como jamais fora feito antes. Livro original e destinado a ser um marco na historiografia brasileira e capixaba.”




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