Política

O mundo que está a morrer | Celso Japiassu

O Relógio do Apocalipse (Doomsday Clock), criado por um grupo de cientistas para marcar o tempo que falta para o fim do mundo, passou a marcar em 2023 noventa segundos para a meia-noite. Faltam, portanto, pelo relógio, um minuto e meio para o momento final, o Dia do Juízo que a Bíblia registrou no Apocalipse.

 

O que fez o relógio ser acertado para tão grande proximidade do desastre foi o deflagrar da guerra da Ucrânia com o seu perigo atômico que veio se juntar à destruição do planeta pelas mudanças climáticas e às ameaças biológicas representadas pelos surtos de doenças infecciosas das quais a pandemia de coronavírus foi uma amostra. “A transmissão dessas doenças é um perigo para toda a humanidade. As doenças não têm fronteiras e podem ser devastadoras”, alertou Rachel Bronson, presidente da revista Bulletin of the Atomic Scientists durante a apresentação dessas novas e más notícias.

 

O Doomsday Clock foi inaugurado em 1947, quando a humanidade se sentia ameaçada pela novidade das armas nucleares, que passaram a significar perigo para a própria vida na Terra. O ano em que o relógio marcou a maior distância da meia-noite foi 1991, com o fim da Guerra Fria. Esteve a 17 minutos do fim e os cientistas respiraram aliviados. Depois vieram as alterações climáticas que passaram a ser assinaladas como uma ameaça a partir de 2007. Desde 2020 estava a 100 segundos do fim e foi agora acertado para mais perto da meia-noite.

 

As crises

 

Os tempos de agora são marcados por diferentes crises que reforçam o que disse Antônio Gramsci em seus Cadernos do cárcere: “O velho mundo está morrendo, o novo tarda a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros”. Gramsci morreu em 1937. Não viu o que veio depois.

 

Ainda agora a Finlândia anunciou sua adesão ao pacto da OTAN, ampliando a fronteira com a Rússia, que se sente cada vez mais cercada pela pressão ocidental. A OTAN conta agora com 31 países que prometem reagir em conjunto caso haja uma agressão a cada um deles. A adesão da Suécia deve ser oficializada e a Ucrânia espera a sua vez. Neste último caso seria ultrapassada a linha vermelha de que fala a Rússia e haverá a possibilidade concreta de um ataque nuclear.

 

As permanentes crises do capitalismo geram pânicos que provocam a falência de bancos e afetam todo o sistema financeiro, dilapidam a poupança da classe média e destroem os empregos das classes trabalhadoras. A presença cada vez mais forte do pensamento da direita e da extrema direita no poder político abala a democracia liberal construída pelos partidos sociais-democratas no pós-guerra e o fascismo volta a ser uma presença inegável no futuro da Europa.

 

Desglobalização

 

Refugiados buscam a sobrevivência escapando das crises e das guerras na África e no Oriente Médio, sofrem a tragédia dos naufrágios no Mediterrâneo e tornam-se pivôs de novas crises alimentadas politicamente nos países da Europa para onde se dirigem em busca de abrigo. Hoje, no mundo, eles são 103 milhões.

 

O projeto da União Europeia encontra-se em perigo e o marco foi o Brexit, inspirado e executado pela extrema direita fortalecida no espectro político do Reino Unido. O próprio UK também se encontra a enfrentar outra crise, que compromete a sua unidade pelo desejo da independência da Escócia e da sempre instável Irlanda do Norte.

 

Após os anos em que o mundo comemorou o chamado processo de globalização, dá-se agora o fenômeno contrário da desglobalização fazendo ressurgir os nacionalismos que François Miterrand tanto temia e que, segundo acreditava, conduzem inexoravelmente à guerra.

 

A crise permanente do Oriente Médio, com suas conotações políticas, econômicas, geográficas e religiosas encontra-se em constante fervura. O Irã continua a procurar caminhos para desenvolver o seu projeto atômico e conquistar a hegemonia da região. As tensões com Israel tendem a se agravar e o papel dos Estados Unidos tem sido o de promover a instabilidade regional. O mais crucial instante foi a invasão do Iraque. E as ações empreendidas antes e depois que inadvertidamente provocaram e alimentaram o surgimento de grupos islâmicos radicais. O Oriente Médio concentra a maior produção de petróleo do mundo e o domínio do petróleo tem sido a razão dos conflitos desde o fim do Império Turco-Otomano e dos protetorados franco-britânicos.

 

Nesse mundo marcado e ameaçado por diferentes e graves crises, cresce o significado da China e seu poder desestabilizador do precário equilíbrio internacional até agora conhecido pelo Ocidente. A presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, reconheceu as intenções estratégicas da China, que pretende a liderança internacional como a maior e mais influente potência global por volta de 2049, quando se completam os cem anos da revolução comunista liderada por Mao Tse Tung. E citou a demonstração da força militar chinesa no mar do Sul da China, no mar do Leste da China e na fronteira com a Índia. Para garantir o que ambiciona, a China dispõe de meios econômicos, tecnológicos, militares e políticos.

 

É o mundo até agora conhecido que se desfaz.

 

Fotografia de Celso Japiassu

 

Celso Japiassu: Poeta, articulista, jornalista e publicitário brasileiro. Trabalhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.

É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).

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