Cultura

O mar sensibiliza o poeta Santiago Montobbio | Ester Abreu Vieira de Oliveira

A pandemia da Covid-19 se apresentou de uma maneira global como um dos grandes desafios sanitários desse século e levou a humanidade a uma prisão forçada por  exigências das medidas higiênicas e, consequentemente, provocou na sociedade uma ausência de reuniões afetivas e sociais. Por outro lado incitou o surgimento de obras de expertos na produção verbal. Entre eles, se encontra o poeta catalão Santiago Montobbio que, quando na Costa Brava, sente a diferença da vida enclaustrada na cidade entre a bela, colorida, fresca, e natural quando caminha à beira do mar. Cheio de esperança prevê um retorno à vida sem as exigentes proibições sanitárias devido à epidemia.

 

CHEIRO DE TERRA MOLHADA. REGAM A GRAMA.

 

As árvores, o céu, o mar ao fundo.

A vida pode retornar. Isto sentir,

isto querer. A vida tornou-se um coração partido,

ainda é, mas o mar e o céu e a terra e as árvores

começam a salvar-me. Só isto diz este poema, e é que não quer,

não pode dizer mais. Dizer que posso outra vez sentir a vida, que a vida em realidade,

e se não nos roubam, é a sorte, formas da sorte.

Isso me faz recordar e volto a sentir o cheiro da terra molhada,

o rumor da água que rega a relva, as árvores, o céu, o mar ao fundo.

Outra vez alma.

 

 (29 de julho de 2020)

 

OLOR A TIERRA MOJADA. RIEGAN EL CÉSPED.

 

Los árboles, el cielo, el mar al fondo.

La vida puede volver a ser. Esto sentir,

esto querer. La vida ha sido un corazón roto,

lo es aún, pero el mar y el cielo y la tierra y los árboles

empiezan a salvarme. Sólo esto dice este poema, y es que no quiere,

no puede decir más. Decir que puedo otra vez sentir la vida, que la vida en realidad,

y si no nos la hurtan, es la dicha, formas de la dicha.

Me lo recuerda y vuelve a hacer sentir el olor a tierra mojada,

el rumor del agua que riega el césped, los árboles, el cielo, el mar al fondo.

Otra vez alma.

( 29 de julio de 2020)

 

As produções poéticas de Santiago Montobbio, nesse período de crise sanitária são: De infinito amor (Cuaderno del encierro) de 640 páginas, 1ª edição 2021, e Los poemas están abiertos, 1ª edição 2023, com 675 páginas. Nessas obras com datas  precisas ele registra a criação de seus poemas: de 14 de março a 22 de junho de 2020 foi a confecção da primeira obra e da segunda de 24 de julho de 2020 a 18 de julho de 2021, onde nas proximidades do mar encontra a paz e no “silencio/ sonoro brota la poesia (“El mar, el mar al fondo, el mar como horizonte,/ Como  libertad. Y poesía. Al final, otra vez, siempre el mar.”) e é esta obra que lançará em 08 de junho deste ano.

 

 Como o místico Fray Luis de León, Santiago se importa com a vida natural. Como o frei agostiniano, a poesia para ele é refúgio do vazio entre um mundo de cuidados: o higiênico. Ele vê a diferença entre a vida na cidade e na praia. Com sensibilidade reflete sobre a fugaz existência na cidade, durante o período pandêmico, quando assolava temor da morte, e mostra a diferença do viver estimulado pela brisa do mar e seu contorno:

 

A angústia destes últimos dias na cidade,

 cada vez mais dura, também por pensar e temer que talvez não pudéssemos

viajar, e o verão seria uma prisão. Aqui a felicidade

e talvez também o silêncio, ou talvez só escrever algum poema

 de vez em quando, diante do estímulo do mar ou dos pinheiros,

 incrivelmente outra vez poemas do mar e dos pinheiros, poemas do verão

 embora este seja um verão mais reduzido e diferente.

 

 (dia 24 de julho de 2020).

 

La angustia de estos últimos días en la ciudad,

 cada vez más dura, también por pensar y temer que quizá no podríamos/

 irnos de ella, y sería cárcel todo el verano. Aquí la felicidad

 y quizá también el silencio, el quizá sólo escribir algún poema

 de vez en cuando, ante el estímulo del mar o de los pinos,

 increíblemente otra vez poemas del mar y de los pinos, poemas del verano

 aunque éste vaya a ser un verano más reducido y distinto.

 (el 24 de julio de 2020).

Mas o poeta explica que a emoção emana de alguma visão que nos oferece o mundo natural, um prazer que lhe faltam palavras para expressar o que sente. Esse sentir me lembra a teoria do DUENDE de Federico García Lorca quando esse poeta explica que o DUENDE surge do fundo da alma no verdadeiro artista, na cantora, nos dançarinos de flamenco e no próprio poeta. É um encantamento, um sortilégio, uma inspiração artística, ou uma aproximação ao daemon socrático. Nessas concepções o ar que move os pinheiros, a satisfação que oferece esse contato, provoca um afastamento do poeta de leituras, dos livros, pois a paisagem o cativa, o embriaga e a um poeta esse momento de silêncio emotivo é necessário: “El alma necesita también a veces/un tiempo es sentir el gozo y las/ dichas de la vida sin tener la/necesidad de traducirlos en palabras.”(p. 21). Nesse silêncio, afastado dos humanos, próximo da natureza brota a confissão poética. No dia 24 de julho, declara o poeta que alí  “empieza la felicidad. Empieza el silencio/ ver el mar y llenarse de él el alma y la mirada.”

 

O ser humano se apropria da palavra para expressar-se, para ser compreendido, para comunicar tudo o que sente. Sem ela ele se isola, pois ela une o ser humano à realidade exterior e está não só no esforço próprio de produzir emoções, mas também no de outros para esse fim. Assim o poeta não pode viver sem livros e os lerá, nesse ambiente paisagístico marinho, como também lerá revistas com notícias de poetas da Nicarágua, Diário poético, e no dia 2 e agosto ele incluirá na leitura dos artigos diversos textos sobre Rubén Darío.

 

Santiago Montobbio, com seus poemas se aproxima do leitor ou esse a ele, seres imanentes, indispensáveis na comunicação escrita. Para essa realização intervém a vontade de criar para expressar um sentimento, uma emoção que procura compartilhar com um leitor ou ouvinte.  T. S. Eliot concebeu a leitura como uma experiência de vida e concebeu que somos o que vivemos ou lemos.

 

No poema, a palavra do criador se projeta. Mas, ao mesmo tempo em que apresenta uma liberação pessoal mostra uma liberação social, por meio do ofício de artesão da palavra precisa, da imagem e da rima, em seu compromisso com a beleza, ou por esse encontro de um prazer momentâneo. Sócrates em ION definiu o poeta como “um ser alado, leve sagrado, incapaz de produzir se o entusiasmo não lhe arrasta para sair de si mesmo”. E Santiago diante de uma paisagem de singular beleza devido à suavidade do mover dos ramos dos pinheiros, da beleza do céu estrelado com uma lua  brilhante, numa noite de verão, ao aparecimento de um javali na praia, a estar diante de uma vida natural, simples, que provoca o silêncio interior, o afastamento da  vida cotidiana, recordações, produz uma conversação (charla) poética:

 

[…] Ver passar os barcos. As gaivotas. Não

pude pegar um livro. Ver o mar. Tenho de olhar o mar, Encher-me dele,

que me vai trazendo calma. Digo a minha amiga

que hoje publicaram um texto meu em El Faro de Melilla. Isso foi

meu presente neste dia do santo de meu nome. Sim, ela me disse. O título é “Roma” e fala da poesia

e o caminhar e de meus livros de Roma. E do caminhar para conhecer.

E por isto agora recordo esta singular revista na qual colaborei,

e como correspondia com seu bibliotecário, o bibliotecário

de Las Navas del Marqués, um povoado da província de Ávila

que está na poesia espanhola, pois nele  compartilharam os verões

Dámaso Alonso e Vicente Aleixandre. Ali, em um desses verãos adolescentes

Dámaso deixou a Vicente um livro de Rubén Darío

e Aleixandre soube com certeza que queria ser poeta.

Não sei porquê escrevo tudo isto. Não pensava escrever nada

em dias, semanas. Não posso. A estranheza e a angústia e o esgotamento

e tudo o que passamos pede silêncio e calma.

Mas chegaram estas duas palavras unidas, “caminhar conhecendo”,

 […] (25 de julho)

 

 […] Ver pasar los barcos. Las gaviotas. No he

podido coger un libro. Ver el mar. He de mirar el mar, llenarme de él,

que me vaya llegando desde él la calma. Le digo a mi amiga

que hoy me han publicado un texto en El Faro de Melilla. Que ha sido

mi regalo de santo. Sí, me dice. Se titula “Roma” y habla de la poesía

y el caminar y de mis libros de Roma. Y del caminar como un conocer.

Y por esto ahora recuerdo esta singular revista en la que colaboré,

y cómo me escribía con su bibliotecario, el bibliotecario

de Las Navas del Marqués, un pueblo de la provincia de Ávila

que está en la poesía española, pues en él compartieron los veranos

Dámaso Alonso y Vicente Aleixandre. Allí, en uno de esos veranos adolescentes

Dámaso dejó a Vicente un libro de Rubén Darío

y Aleixandre supo con certeza que quería ser poeta.

No sé por qué escribo todo esto. No pensaba escribir nada

en días, semanas. No puedo. La extrañeza y la angustia y el agotamiento

y todo lo que hemos pasado piden silencio y calma.

Pero me llegan estas dos palabras unidas, “caminar conociendo”, […]

(25 de julio)

 

Por fim, poeta generoso, Santiago nos oferta com seus poemas toda a emoção que vislumbra nesse mundo natural: a da lua iluminando o mar: SOBRE EL MAR. LUZ EN LA NOCHE SOBRE EL MAR, / la luna, la poesía.” (6 de agosto de 2020), pois essa bela e antiga manifestação é uma poesia que a todos oferece: “LA LUNA PARA TODOS. LA POESÍA PARA TODOS./ Luz de la noche y en la noche, ritmo antiguo/ del corazón del hombre, latido profundo de la luz/ entre lo oscuro”.

Fotografia de Ester Abreu Vieira de Oliveira

 

Ester Abreu Vieira de Oliveira, professora Emérita da Ufes, atua nas áreas literárias de teatro, poesia e narrativa das Literaturas brasileira e hispânica, com publicações de tradução, poesia, ensaio, crônicas e livros infantis e didáticos.

 Nasceu em Muqui (1933). É Doutora em Letras Neolatinas (UFRJ), sua tese doutoral foi “O Mito de Don Juan: suas relações com Eros e Tanatos”. Pós-doutora em Filologia Espanhola – (UNED – Madri), apresentando a pesquisa “Para uma lectura del teatro actual: Estudio de Panic de Alfonso Vallejo”. Mestre em Letras-Português (PUC-Paraná), com a dissertação “Alguns aspectos do possessivo em português em confronto com o espanhol”. 

Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo; à Academia Espírito-santense de Letras, Cadeira 27, atual Presidente; à Academia Feminina Espírito-santense de Letras. Cadeira 31, atual Tesoureira; e a outros segmentos culturais e literários do Brasil e do exterior. Tem atuado como membro de corpo editorial de revistas e de editoras, no Brasil e no exterior, e de organização de livros e de antologias, como também, em Setores Culturais, participando em comissões culturais do Estado e do Município de Vitória.

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