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No depois da senda das palavras: poema em seis movimentos | Wanda Monteiro

NO DEPOIS DA SENDA DAS PALAVRAS: POEMA EM SEIS MOVIMENTOS

 

I

 

Corpos desgarram-se da super-

fície para onde não há camadas protetoras: 

para além do tempo divisível: para além do espaço de-

marcado

 

negam limites: vagam desertos: glaciais: gravitam circundantes sobre i-memorial esfera

 

algo inominável se expande

: outro atalho existencial

 

II

 

Espectro: turva lâmina a rasgar o 

espaço: fraturar o tempo em sumi-

douro portal:  nele a contrafação das certezas: entremundos de dúvidas: antAgonias

 

ser o corpo espelhado

ser a traição do reflexo: o registro pretérito na escura câmara do olho: a imagem futura

 

no milagre do espelho: o silêncio

o não dito

 

III

 

Do vítreo ao visgo

as aparências se avizinham

 

O que é o céu senão veios espelhados 

do pensar

 

O que é o chão senão o crânio estilhaçado

depois da queda

 

IV

 

Ilha: a lexiocografia diz daquilo que é isolado

ilha a palavra: aprendi em tenra idade

 

minha primeira escuta diz de ser ilha o muro, a varanda, o alpendre:  a casa feita de paredes, janelas, portas e feita de quintal

 

o quintal: portal para o céu, para a lua e para o sol que nunca foi rei e sim rainha: rainha de luz e fogo: assim dizia a mãe: ” mania dos homens de matar o feminino do mundo”

 

de ilha – meu pai dizia de sermos nós: a carne que nos abarca: a barca: trama de tecidos: malha de artérias: a serpente: milhares de metros cúbicos movendo-se feito boiúna sanguínea nadando, rasgando, devorando o tempo: oroborus

 

a barca abarca a malha, a trama, o lastro: 

oito litros de sangue 

oito litros de vícios

oito litros de memória

oito litros de tempo

oito litros de guerra

 

de mim, digo ser essa guerra

 

eu, ilha dentro da ilha

desaprendi o rito de não seguir e 

de sempre ficar: desaprendi de ser ilha: aprendi a partir, atravessar feito raio mordendo horizontes curvos; infindos: atravessar a clandestinidade das horas de um chão derruído

 

atravessar e ver

o onde não há fastio de palavras

o rio partir sem nunca voltar 

a estação vingar

a chuva cair pra florir

 

V

 

? como atravessar o agora se o agora é esse sem nome: essa clareira que se esparrama em amplidão de ausências: esse quando de saudade que engasga, reflui e dói à exaustão?

 

há certas coisas que carregam consigo os silêncios

 

no agora, com o agora e sobre o agora

esse mundo carece de ser nomeado

 

 

 

Fotografia de Wanda Monteiro

Wanda Monteiro, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer no Estado do Pará, Brasil. Foi Procuradora do Estado para assuntos fundiários no seu Estado do Pará e atualmente se dedica às atividades literárias. Obras publicadas: O Beijo da Chuva, 2008, Ed Amazônia; Anverso, 2011, Ed Amazônia; Duas Mulheres Entardecendo, 2015, Ed Tempo _ em parceria com a escritora Maria Helena Latinni; Aquatempo, 2016, Ed Literacidade; A Liturgia do  Tempo e outros Silêncios , 2019, Ed Patuá, Aquatempo Aquatiempo, edição bilingue para o espanhol,  Ed Patuá, 2020. Participou recentemente, de duas coletâneas com textos poéticos : Ato Poético, Ed Oficina,   organizado por Márcia Tiburi e Luis Maffei e Antifascistas – Contos, crônicas, poemas de resistência, organizada por Leonardo Valente e Carol Proner, Ed Mondrongo; publicou as plaquetes: Discurso Sobre la TierraO Corpo esse mar de Sal e Sangue e Oroborus pela Ed Mirada.  Lançou em 2022 o seu livro Chão de Exílio, publicado pela editora AMO.

 

 

 

 

 



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