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Lula, ano I: os desafios da reconstrução do país | Jales Marinho

É inegável o sucesso do governo Lula no esforço pela reconstrução do país. Passado um ano do seu terceiro mandato, a maior conquista é certamente o restabelecimento da credibilidade do Brasil, interna e externamente. Em especial junto aos investidores nacionais e internacionais, além de parceiros comerciais, retomando o protagonismo do País no mercado global. 

As viagens do Presidente logo nos primeiros meses de governo serviram para restabelecer as pontes com governos estrangeiros e investidores, demolidas ao longo dos quatro anos de pesadelo do governo anterior, que deixou um legado de terra arrasada em todas as áreas. E um país ainda mais dividido, em razão do estímulo à cultura do ódio ideológico e de classe, e uma sociedade em situação de desesperança em relação ao futuro.

Os primeiros resultados dos avanços se refletiram na ampliação dos investimentos estrangeiros no País e o desempenho surpreendente do balanço de pagamentos, com um superávit recorde de exportações no valor de U$ 98,8 bilhões em 2023, 60,6% a mais do que os U$ 62,3 bilhões no ano anterior, segundo relatório do Banco Central. Com relação aos investimentos externos no País, apesar da queda de U$ 74,6 bi para U$62 bi em 2023, o Brasil subiu para a segunda posição entre os países que mais atraiu investimentos estrangeiros, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, avançando três posições em relação a 2022. 

Outra conquista imediata foi o restabelecimento da harmonia entre os poderes, da credibilidade das instituições públicas, esgarçadas no governo anterior, bem como a reorganização do Estado, com a recriação dos Ministérios responsáveis pelo desenvolvimento social, fortalecimento das instituições de fiscalização e defesa ambiental, além do restabelecimento da autonomia da Polícia Federal, a revalorização da cultura e a normalização das relações internacionais. 

Os avanços não foram maiores com a perda de tempo com as ações de reestruturação do setor público, esforço comprometido em razão da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro do ano passado, o que contribuiu para realimentar o clima de intolerância e  a divisão da sociedade brasileira. Além da forte oposição ao governo no Congresso Nacional, especialmente na Câmara dos Deputados, cuja maioria é dominada pelo Centrão, a ala mais conservadora e fisiológica, que chega ao exagero de defender a anistia aos que tentaram contra o Estado de direito e a democracia.

O maior feito do governo no primeiro ano foi viabilizar e conseguir aprovar, no Congresso Nacional, a reforma tributária, iniciativa que há décadas vinha se frustrando por falta de maior empenho e de liderança dos governos pretéritos. Sob o comando do Presidente Lula e coordenação do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi possível mobilizar todos os atores responsáveis pela proposta, como os próprios parlamentares, governadores, prefeitos, sindicalistas e representantes dos setores produtivos, especialmente do sistema financeiro, do comércio, da indústria e do agronegócio. 

Embora a reforma só entre em vigor em dez anos, sua simples aprovação agora já criou um clima favorável, com um surpreendente crescimento da economia de 2,5% ano passado, contrariando previsões menos otimistas do próprio mercado, do Banco Central e dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional – FMI, e o Banco Mundial.

A principal consequência da reforma será tornar mais justo o sistema tributário, o que pode contribuir, inclusive, para a redução das desigualdades sociais e regionais, além da melhoria da renda no País. Para se ter ideia, se a reforma tivesse sido aprovada 15 anos antes, a renda média dos trabalhadores seria de mais R$ 490,00 mensais. 

Afinal, em apenas uma inovação da proposta – a devolução de impostos ao cidadão contribuinte (cashkack), cerca de 72 milhões de contribuintes seriam beneficiados. Só com a melhoria no nível de renda média da população, o reflexo positivo no desempenho do Produto Interno Bruto – PIB seria em torno de 12%, ou seja, R$ 1,2 trilhão a mais. Com essa alta, o Brasil assumiria a 8a. posição no ranking da economia mundial, à frente da Itália.

Evidente que muito contribuiu a experiência política e a acumulação administrativa do Presidente nos dois mandatos anteriores – 2003 a 2010 – e, até mesmo, nos mandatos posteriores de sua sucessora no PT, Dilma Roussef, afastada do poder em 2016 por um duvidoso golpe parlamentar. Por isso, o governo conseguiu, logo nos primeiros meses, reestruturar e retomar programas públicos como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, os Mais Médicos, entres outros avanços importantes em favor das parcelas mais vulneráveis e para o combate à pobreza extrema, política que sofreu grave retrocesso a partir do golpe parlamentar  de 2016.

A piora desses indicadores sociais decorreu da falta de compromisso com as políticas sociais dos governos Michel Temer, após o golpe parlamentar, e Bolsonaro, a partir de 2019, com o país chegando a 62,5 milhões (29,4%) de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, dos quais 17,9 milhões (8,4%) em situação de pobreza extrema, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. 

Um verdadeiro pesadelo se considerarmos que 8 anos atrás o Brasil era reconhecido em todo o mundo pelo feito inédito de retirar o País do mapa da fome extrema, fato confirmado em relatório do Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Nutrição – FAO. Uma demonstração desse reconhecimento foi a eleição, em 2012, do professor José Graziano, para diretor-geral da FAO, depois de seu trabalho como Ministro do primeiro governo Lula na implantação de programas como o Fome Zero e o Bolsa Família.

No caso do Bolsa Família, além da reestruturação do programa e a revisão do Cadastro Único, por meio do qual é feita a seleção dos beneficiários, o governo elevou para R$ 800,00 o valor médio de cada benefício, além de valores adicionais por filho menor incluído no programa, segundo informação do Ministério do Desenvolvimento Social – MDS, responsável pela execução dos programas sociais. 

Desde o início do governo, o MDS vem focando na depuração e atualização do Cadastro, tendo em vista a denúncia de uso eleitoreiro do programa pelo governo anterior, fato comprovado em relatório do Tribunal de Contas da União – TCU, e confirmado pelo MDS, que já identificou mais de 1,7 milhão de beneficiários sem perfil para permanecerem no programa. Outro empenho do Presidente Lula foi elevar para R$ 169 bilhões os recursos para o programa em 2023, segundo o Orçamento da União, contra R$ 93,6 bilhões no ano anterior.

Ao mesmo tempo, o governo reativou o programa Minha Casa Minha Vida, ampliou as faixas de financiamento e retomou a construção de 37 mil moradias que estavam paralisadas em todo o país, com investimentos de R$ 9,7 bilhões, além de ampliar para R$ 13,7 bilhões – 41 % a mais – os recursos destinados ao programa este ano. A meta é financiar a produção de 2 milhões de novas moradias populares até 2026, como forma de reduzir o déficit habitacional no País. Outro salto positivo se deu com o programa Mais Médicos, chegando a 28 mil profissionais – brasileiros e estrangeiros – atuando em mais 744 municípios de todo o País. 

Na área ambiental, o governo renovou o compromisso de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030. Com a oportunidade de presidir, de forma rotativa, o G20, Grupo de 20 países que lideram a economia mundial, o Brasil conseguiu aprovar a escolha de Belém/PA, na região Norte, para sediar a COP30, reunião de chefes de Estado voltada para a defesa ambiental, sob a coordenação das Nações Unidas. Com relação ao G20, o Brasil firmou uma aliança no âmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – CELAC, com o objetivo de atuar para a erradicação da fome na região até 2030. 

Ainda na área social, além da retomada das políticas públicas de combate à pobreza, inclusive com a valorização do salário mínimo, o governo priorizou o combate à violência urbana e de gênero, com a ampliação de recursos aos estados para aquisição de viaturas e equipamentos, bem como o aprimoramento do trabalho de inteligência das forças policiais, além do fortalecimento da política de segurança alimentar, da busca da igualdade racial e a proteção dos povos indígenas e quilombolas. 

Com relação à educação, a prioridade do governo foi a retomada das obras paralisadas das universidades públicas e dos institutos federais, com a definição da meta de ampliação das universidades e a construção de 100 novos institutos federais até 2026, para os quais o Ministério da Educação prevê recursos de R$ 3,9 bilhões. Da creche à pós-graduação, o governo desenvolveu ações voltadas para o fortalecimento das políticas de pesquisa e inovação, a adoção das escolas em tempo integral, de escolas conectadas, bolsa de estímulo aos alunos do ensino médio e um programa de combate à violência nas escolas a partir do próximo ano. 

O efeito positivo dessas iniciativas se refletiu na elevação da renda média. A retomada da política de valorização do salário mínimo e a ampliação da faixa de incidência do imposto de renda contribuíram para o crescimento da renda do trabalhador brasileiro em 7,2%, a maior alta desde 2012. A retomada do crescimento econômico, mesmo de forma moderada, reduziu a taxa de desemprego para 7,8%, a menor taxa desde 2014, a partir de quando os números retomaram um viés de alta constante. 

Outro desafio foi em relação ao controle da inflação, que se manteve numa trajetória de queda, fechando 2023 em 4,62%, segundo o IBGE, dentro do intervalo permitido para a taxa de inflação, que é de até 4,75%. A queda do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), em 12 meses, foi de 2,32%.

Os avanços não foram maiores em razão das limitações conjunturais e das dificuldades do governo com uma maioria conservadora no Congresso Nacional, onde o segmento mais à direita, liderado pelo Centrão, prioriza interesses paroquiais em detrimento das urgências da população e até da defesa da soberania nacional. Mas o presidente nem pode se queixar tanto. A maioria das suas propostas foi aprovada no Legislativo, particularmente a reforma tributária, cujo desfecho positivo muitos consideravam utopia. Sem falar da reestruturação dos Ministérios, a retomada dos programas sociais, a priorização das políticas de desenvolvimento, de valorização da cultura, fortalecimento da ciência e tecnologia e o estímulo a bolsistas na área de educação. 

O importante é que Lula percebeu que o País precisa melhorar nos próximos anos, e para isso ele entendeu necessário buscar acordos para viabilizar um programa mínimo de apoio político e da sociedade que permita formar uma aliança a favor desse novo Brasil. Ele sabe que essas alianças e um programa mínimo permitiriam ao país abrir uma janela de oportunidades para o avanço do desenvolvimento nacional.                 

Independente das viagens internacionais, o Presidente percebeu que o mundo inteiro está de olho no Brasil. Tanto em relação à proteção ambiental como, também, com vistas às novas oportunidades de investimentos nas áreas industrial, de energia e infraestrutura (energia limpa, rodovias, petróleo, portos e indústria naval). 

Ciente de que o País precisa recuperar o tempo perdido para avançar com a recuperação e ampliação da infraestrutura nacional com vistas a pavimentar o caminho do desenvolvimento do País. Com isso, o governo tratou de retomar o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, em parceria com os Estados, prevendo inicialmente investimentos da ordem de R$ 121,4 bilhões, valores que devem alcançar R$ 160 bilhões, segundo previsão do Orçamento da União de 2024.

Essas janelas de oportunidades não se limitam ao interesse de investidores  estrangeiros. No mercado interno, as oportunidades surgem a partir da retomada de programas de desenvolvimento nacional e na cadeia produtiva do agronegócio. Não por acaso, o Brasil acaba de superar os Estados Unidos como maior produtor de grãos do mundo, com 312 milhões de toneladas na safra 2022/23, além de maior exportador de produtos como soja em grãos e em farelo, carnes bovina e de frango, açúcar, celulose, café em grãos e milho, segundo estimativas do próprio Departamento de Comércio do governo norte-americano.    

Para este ano, as perspectivas são igualmente positivas. Sabe-se que o sucesso da economia depende principalmente da credibilidade do governo e do Presidente. Isso se explica pelo crescente interesse de investidores externos e de chefes de Estado em manter contato com o governo brasileiro, de olho nessas oportunidades de novos investimentos e transações comerciais. 

Nesse sentido, a primeira notícia positiva do ano vem da economia. O Banco Central e o próprio mercado mais uma vez reviram a provisão de alta do PIB para 2 %, contra a estimativa anterior de 1,5%. Em encontro com o Presidente Lula, as montadoras de automóveis instaladas no País anunciaram investimentos de R$ 16 bilhões e a ANFAVEA, entidade que congrega o setor automobilístico, estima a elevação desses investimentos para R$ 40 bilhões até 2032, com a produção de mais de 2,3 milhões de unidades por ano.

Como se vê, o Presidente segue avançando no seu empenho em favor da reconstrução do País. Apesar da oposição oportunista no Legislativo e a má vontade da mídia tradicional – cuja linha editorial é pautada pelos anunciantes – e de setores da sociedade, em especial a classe média com aquela cultura “lacerdista”(*) de combate à corrupção a qualquer preço, numa espécie de vale tudo: até com um justiceiro ou com um “salvador da pátria”.

Mas com a sua capacidade de liderança e experiência política, aliados ao seu vasto legado administrativo, o Presidente sabe bem que a política é a arte do possível. Por isso, segue na sua obstinação de contribuir para criar as condições básicas para o Brasil dar um salto no desenvolvimento nacional, ampliar seu protagonismo no mundo e se tornar uma potência global.

 

(*) Lacerdismo, uma referência a Carlos Lacerda, jornalista, ex-governador do Rio de Janeiro e grande tribuno, que com seu discurso agressivo contra a corrupção levou o Presidente Getúlio Vargas ao suicídio em agosto de 1954.

 

Fotografia de Jales Marinho

Jales Marinho, Jornalista e Advogado.

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