Sociedade

Imigração e retorno, a fronteira dos sonhos | Wesley Sá Teles Guerra

Muitos são os brasileiros que sonham em morar no exterior, motivados pelas mais diversas causas, já seja pela busca de uma maior qualidade de vida, uma renda maior, segurança e educação para suas famílias, oportunidades e reconhecimento laboral, obtenção de experiência internacional, aprender uma nova língua… Porém nem todos se conseguem adaptar à sua nova realidade, enfrentando problemas de integração, documentação, moradia, clima e divergências culturais…

 

O número de pedidos de ajuda para a repatriação de brasileiros aumentou em mais de 200% em Portugal, porém não foi o único país a registrar um aumento de pedidos: Espanha, França, Itália e até mesmo Malta indicam um aumento na taxa de repatriação voluntária.

 

Por outro lado, mais de 76% dos jovens que moram no Brasil estão dispostos a deixar a nação, o que sem dúvida representa um paradoxo demográfico que os estudos migratórios ajudam a explicar.

 

Em primeiro lugar é necessário entender como funciona o fluxo migratório do Brasil, podendo o mesmo ser analisado mediante a relação geopolítica da nação de destino, sendo diferentes as migrações Sul-Sul (ou seja, aquelas que possuem como destino países da região e área de influência do Brasil ou nações emergentes do sul econômico global) em relação às migrações Sul-Norte (aquelas que têm por destino as economias do norte global).

 

Nas migrações Sul-Sul destacam-se os destinos do Mercosul e países associados, tais como a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e o Chile, além das nações lusófonas da África, sendo este de menor fluxo porém com características socioeconômicas melhor definidas,  já que na maioria das vezes os brasileiros utilizam a chamada migrações em redes ou formam parte do contingente de profissionais remanejados por empresas brasileiras (capital humano), se beneficiando das facilidades jurídicas fruto de acordos bilaterais e do Mercosul, além de um posicionamento econômico diferenciado que lhe ajudam a se inserir melhor dentro da sociedade que lhe recebem, além do mercado laboral e condição social.

 

Porém o maior volume de migrantes brasileiros se concentra no chamado fluxo Sul-Norte, tendo como destino nações desenvolvidas do norte global tais como os Estados Unidos, Portugal, a Espanha, a Itália e o Japão, países com uma estreita relação com o Brasil ou que possui um considerável contingente de cidadãos nacionais em território brasileiro, fruto dos processos migratórios do século XIX até à metade do século XX.  Assim mesmo, novos destinos foram ganhando peso neste fluxo migratório, tais como a Austrália, o Canadá, a Alemanha e o Reino Unido, com os quais existem pontos de semelhança e algumas divergências em relação aos destinos tradicionais. 

 

Apesar da crença popular o Brasil não é uma das grandes nações emissoras de emigrantes, de fato se estima que 4,2 milhões de brasileiros moram no exterior (Dados Itamaraty 2022) ainda que esta cifra pode superar facilmente os 10 milhões de pessoas quando contabilizamos os cidadãos com dupla-nacionalidade, sendo uma cifra inferior a 1% do total da população brasileira, certo que esta cifra não contempla as migrações temporárias, intercâmbios, turistas etc, que são percebidos pelas populações dos países de destino como parte do contingente imigrante, principalmente pelo fato da diáspora brasileira se concentrar nos principais destinos turísticos dos próprios brasileiros e que o cidadão nacional não costuma fazer diferença no trato e na sua percepção entre o brasileiro imigrante, o turista, o estudante e o descendente de nacionais… Em geral as mudanças no trato desses diferentes brasileiros são mais administrativas que sociais…

 

É importante levar em consideração que a taxa de permanência dos brasileiros ainda é pequena quando comparada às nações vizinhas. Do total de 437 mil brasileiros que saíram do país em 2021 (Polícia Federal) 17% não voltaram o que significa um aumento do contingente de migrantes nos polos de destino, porém não necessariamente uma evasão demográfica como muitas vezes acreditamos…

 

Ainda assim é importante entender o perfil dos migrantes brasileiros para compreender os problemas que enfrentam e os motivos que levam a uma maior taxa de retorno, já que houve mudanças no próprio fluxo migratório e no perfil dos migrantes entre o começo da migração brasileira nos anos 80-90 e a recente evasão de capital intelectual característica dos anos 2015- 2020, assim mesmo existem contrastes entre os diferentes países que recebem os brasileiros.

 

A migração feminizada (Gonzáles, 1993) característica dos anos 80-90 (principalmente para a Europa), foi substituída pelas migrações em redes (Massey. 1998) e pelo mercado dual (Priore, 1983), isso devido às próprias políticas de atração e substituição de mão de obra em países como Portugal, Espanha e Itália, na tentativa de suprir a demanda de trabalhadores em setores tais como o turismo, a construção civil, os cuidados pessoais, os serviços em geral, a agricultura… O que durante muito tempo funcionou como uma forma de manutenção para os contingentes imigrantes que trabalhavam nas vagas mais baixas das categorias laborais. Porém com a Crise Financeira Internacional que começou em 2008 e se alastrou por todo o sul da Europa por mais de uma década, o mercado laboral ficou saturado e sem a clara divisão que antes existia, além disso devemos somar o crescente processo de desindustrialização das nações europeias com a sua crescente mobilização produtiva para países da América latina, Ásia e África…

 

O estrangeiro passou de ocupar um cargo “que ninguém queria” para competir diretamente com o nacional que enfrentava um crescente desemprego e falta de oportunidades… embora isso tenha sido mais expressivo na Europa, a situação se repetiu em outras nações como os EUA, outro importante destino dos migrantes internacionais…

 

Ainda que a Europa e o resto dos países desenvolvidos tenham se recuperado aos poucos do impacto da crise, seus reflexos persistem no contexto laboral, aos quais podemos somar o impacto da globalização e a concentração das cadeias de produção, da Revolução 4.0 e o incremento da robotização produtiva e até mesmo na concentração econômica em pontos definidos ou a turistificação e sua consequente gentrificação em algumas cidades…

 

E é justo neste contexto que se desenvolve nos últimos anos os fluxos migratórios do Brasil pós o auge econômico de 2010 a 2015… Atraídos pelas possibilidades, mas negligenciando a realidade social e econômica das nações, e o ambiente de conflito social que existe, onde muitas vezes a migração é tema de debate político e argumentos para a captação de votos…

 

Por outro lado, enquanto a Europa, os EUA e demais nações enfrentavam o pior da Crise, o Brasil ainda que afetado, registrava a maior mobilidade social de sua história, assim como a crescente qualificação de sua população com o aumento da oferta acadêmica (principalmente das universidades particulares destinadas à nova classe média) e a ampliação da formação técnica, o que produziu impactos diretos no processo migratório, já que o migrante brasileiro não era mais aquela pessoa com pouca formação destinada exclusivamente a setores produtivos e serviços domésticos, mas passou a poder “competir” com o cidadão local… 

 

E diante deste quadro, podemos mais ou menos começar a entender o que de fato está acontecendo…

 

No Brasil, com o incremento da formação e acesso aos serviços e ao crédito, a população busca melhores condições de vida e mobilidade social, a instabilidade política repercute em seu desenvolvimento como cidadão, sendo a migração cada vez mais atrativa…

 

Nos países de destino, a formulação política migratória ainda busca consolidar um mercado dual de trabalho, havendo por um lado demanda de mão de obra e por outro um excesso de trabalhadores, gerando toda uma série de controles e dificuldades para os futuros e atuais migrantes…

 

No caso específico de Portugal, o contingente brasileiro se concentra nas grandes cidades (Lisboa, Braga e Porto), encontrando um ambiente de gentrificação devido ao incremento do valor do metro quadrado produzido por fatores tais como o incremento do turismo (que por outro lado gera demanda de mão de obra barata), reduzindo assim seu acesso a moradia… Na cidade de Lisboa por exemplo o metro quadrado chega a superar cidades da Espanha como Madri e Barcelona…

 

Por outro lado, o mercado laboral é cada vez mais competitivo, não havendo um equilíbrio entre a oferta salarial e o custo de vida… O cidadão nacional entra em competição com os migrantes. Sejam aqueles que já estavam no país e que se integraram ao mercado laboral anteriormente ou com os recém-chegados que muitas vezes devem aceitar as condições salariais impostas por sua condição e suas necessidades, impactando assim na própria disposição das empresas em relação às flutuações salariais…

 

Porém para arcar com o custo de vida, os migrantes devem não somente regularizar a sua situação, mas também sua formação e experiência laboral, saturando os serviços de migração, passando a almejar cargos e salários melhores ou condizentes com o custo de vida… Aumentando assim os atritos sociais e a competição pelo chamado Direito à Cidade (Lefebvre, 2008).

 

Ao não haver políticas eficientes de remanejamento da população e ao existir concentração econômica ligada à geração de emprego de baixo valor salarial, os migrantes formam comunidades que reivindicam seus direitos, passando a gerar impacto nos discursos mais conservadores e por que não dizer? Xenofóbicos…

 

O Brasileiro, que chegou, tentou se estabelecer, aceitou um emprego no intuito de ter uma base para se regularizar ou se integrar, não obtém nem o posicionamento social, nem laboral desejado, nem muito menos mantém um padrão de vida aceitável e principalmente como tinha planejado antes de iniciar seu processo migratório pelo que se acaba frustrando ou em situações em que não existe outra solução que buscar ajuda para voltar ao Brasil… 

 

Porém isso também acontece com cidadãos portugueses de áreas pouco industrializadas e sem muita oferta laboral, que migram para as grandes cidades e igualmente se encontram incapacitados de arcar com o custo de vida das capitais…

 

Essa problemática vai se incrementando conforme o aumento do contingente de migrantes (Nacionais e internacionais) e sua concentração, além da incapacidade do governo de dar respostas e ações ao conjunto da sociedade (Nacionais e Migrantes) se transformando em um ciclo vicioso… Onde a geração de empregos, salários, demanda de mão de obra e custo de vida, nunca se conversam…

 

Porém é importante dizer que a migração não é algo ruim como defendem os extremistas, além de ser um processo que forma parte da história da humanidade, foi através da mesma que houve de fato a consolidação de diversas economias, permitiu a industrialização e promoveu a globalização e a formação de uma cidadania global. Sendo a mesma vital para a Europa e seu problema de envelhecimento populacional e transformação produtiva em relação à transição energética e Revolução 4.0. Mas deve ser feita de forma estratégica e com o objetivo de melhorar a totalidade de um país, integrando de fato essa realidade mista, onde já não existem níveis de trabalhadores, mas trabalhadores em geral…

 

Já em relação ao brasileiro que deseja migrar, deve conhecer bem os procedimentos, as demandas, a situação laboral e econômica do local de destino, ter alternativas e planos de emergência, se informar melhor nos meios oficiais do que simplesmente embarcar em alguma ideia de influencers, pois como bem dizemos no Brasil “Não tá fácil pra ninguém”.

 

Bibliografia

 

LEFEBVRE, Henri. O direito à Cidade. Editora Centauro, 2008, São Paulo. 

 

MASSEY, D.S., ARANGO, J., HUGO, G., KOUAOUCHI,A., PELLERINO, A., TAYLOR, J.E. Una evaluación de la teoría de la migración internacional: el caso de América del Norte. En MALGESINI, G. (comp ) Cruzando fronteras. Migraciones en el sistema mundial. Madrid: Icaria, Fundación Hogar del Empleado, 1998, Madrid. 

 

ITAMARATY, Ministério das Relações Exteriores, web: https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/artigos-variados/comunidade-brasileira-no-exterior-2013-estatisticas-2020 2023, Brasilia. 

 

PIORE, M.J. (1980a): “Dualism as a Response to Flux and Uncertainty”. En Piore, M.J. y

Berger, S. (eds.): Dualism and Discontinuity in Industrial Societies, Cambridge

University Press, Cambridge, Mass 

 

SANTISO GONZÁLEZ, María Concepción.Emigración vasca entre 1840 y 1870. Pautas de análisis acerca del éxito vasco en América: cadenas familiares, primeras letras y otras consideraciones. Boletín de la Asociación de Demografía Histórica, 1993, vol. XI, nº 1, p. 83-106. 

 

Fotografia de Wesley Sá Teles Guerra

Wesley Sá Teles Guerra, formado em Negociações Internacionais pelo Centre de Promoció Econômica del Prat de Llobregat (Barcelona), Bacharel em Administração pela Universidade Católica de Brasília, Pós-graduado em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, MBA em Marketing Internacional pelo Massachussetts Institute of Business, MBA em Parcerias Globais pelo ILADEC, Mestrado em Políticas Sociais com especialização em Migrações pela Universidade de A Coruña (Espanha), Mestrado em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes (Smartcities) pela Universitat Carlemany (Andorra) e doutorando em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea Internacional. 

Atuou como paradiplomata e especialista em cooperação internacional e smartcities para a Agência de Competitividade da Catalunha (ACCIÖ – Generalitat de Catalunya), atualmente é colaborador sócio do Instituto Galego de Análise e Documentação internacional (IGADI) e do Observatório Galego da Lusofonia (OGALUS), Também participa como coordenador da área de Economia, Ciência e Tecnologia do CEDEPEM – UFF.

Idealizador e diretor do CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais, membro do Smart City Council, do IAPSS International Association for Political Sciences Studentes, do Consório Europeu para a Pesquisa Política, REDESS, Centro de Estratégia e Inteligência das Relações Internacionais e colaborador da ANAPRI.

Autor dos livros”Cadernos de Paradiplomacia” (2021) e “Paradiplomacy Reviews” (2021) além de participar do livro “Experiências de Vanguarda, no ensino nos países lusófonos” publicado em 2021 pelo CLAEC e organizado pela Dra. Cristiane Pimentel. 

Professor, articulista e especialista: wesleysateles@hotmail.com

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