Política

Ilusão, mentira e cinismo na campanha eleitoral | Henrique Prior

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Nesta campanha eleitoral em que as mais desavergonhadas mentiras foram ditas a par das mais cínicas promessas destinadas a não serem cumpridas, mas apenas a fazer embarcar o eleitorado numa enorme ilusão, há três temas em que a mentira e o cinismo mais têm campeado: o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a habitação e o crescimento económico.

 

Quanto ao SNS, mente-se com a afirmação de que está em colapso e que, face à pretensa incapacidade do SNS de satisfazer as necessidades dos cidadãos, é necessário aumentar o papel dos privados na saúde.

 

Quanto ao pretenso falhanço do SNS, quatro dados mostram o seu enorme sucesso:

 

Desde o 25 de Abril e, sobretudo, depois da criação do SNS em 1979, e graças à qualidade deste Serviço, o melhor índice de desenvolvimento das nações, a taxa de mortalidade infantil tem vindo, sucessivamente, a diminuir, sendo, neste momento um dos países com a mais baixa taxa de mortalidade infantil não só da Europa, mas do mundo, com 2,4 por mil no primeiro ano de vida de nados vivos, abaixo, por exemplo, da Alemanha, que tem uma taxa de 3 por mil. E isto quando, em 1960, éramos, de longe, o país da Europa com a mais alta taxa de mortalidade infantil,  de 77,5 por mil, enquanto a Alemanha  tinha, então, uma taxa de  mortalidade infantil de 33,8 por mil.

 

Estes números e outros relativos à Europa podem ser comprovados em

 https://www.pordata.pt/europa/taxa+de+mortalidade+infantil-1589.

. Esperança de vida à nascença: a esperança de vida à nascença em Portugal é, neste momento, de 81,7 anos na média de homens e mulheres, quando, em 1960, era de 64 anos, em média de homens e mulheres, sendo a de hoje superior à da Alemanha que é de 80,7 anos em média de homens e mulheres.

 

Estes e outros números podem ser comprovados em https://www.pordata.pt/europa/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo-1260

 

  Durante a pandemia do Covid-19, o SNS mostrou uma capacidade superior à de todos os restantes países europeus para enfrentar a pandemia.

 

Portugal tem uma despesa em saúde por habitante de 2.316,3 €uros, enquanto que a Alemanha, com uma despesa de  5.599,50 €uros por habitante, tem resultados inferiores aos de Portugal no que se refere aos três índices anteriores. Com a particularidade de que a Alemanha tem uma participação dos privados no Orçamento de Estado para a saúde muito superior à de Portugal.

 

O SNS tem insuficiências óbvias, mas há que identificar as suas causas. E estas são, na sua essência, derivadas do excesso de participação dos privados no Orçamento de Estado para a saúde. Neste momento, essa participação é de 51%, isto é, mais de metade do orçamento para a saúde é destinado a pagar bens e serviços fornecidos pelos privados. E isso, juntamente com o pagamento que lhes fazem os seguros de saúde,  permite que os privados paguem muito melhor aos médicos do que o Estado, e que 80% dos médicos do SNS estejam também a trabalhar no sistema privado de saúde, com conflitos de interesses daí decorrentes, nomeadamente porque, frequentemente, os médicos atrasam cirurgias, tratamentos e consultas no público aconselhando os utentes a dirigirem-se ao privado, que é muito mais célere porque o interesse dos médicos é praticarem os atos médicos muito mais depressa que no SNS.

 

Finalmente, os exames médicos são também uma enorme fonte de receita para os privados  porque o SNS quase deixou de os praticar, podendo e devendo fazê-lo a custos inferiores aos que paga aos privados.

 

O direito à HABITAÇÃO encontra-se também numa crise inquestionável. As tendências politicas de direita atribuem essa crise ao mau funcionamento do Estado. Porém, a verdade é que os preços proibitivos  na venda e no  arrendamento das habitações se deve, não só à inércia do Estado e das autarquias mas, sobretudo, ao funcionamento do setor privado, por duas razões:

 

1ª A liberalização do licenciamento de alojamentos locais provocou, nas principais cidades do país, a mudança de destino de imóveis antes destinados a habitação para o turismo, que é muito mais rentável.

 

2ª A liberalização da compra de casas pelos estrangeiros  e o sistema de vistos gold, fez com que a procura de habitação por estes aumentasse, com o consequente aumento do preço, pois a oferta tinha-se deslocado para construção e reabilitação de imóveis destinados ao turismo.  

 

Porém, o setor público, Estado central e autarquias não estão também isentos de responsabilidades nesta crise, não só porque o Estado não regulou, como devia, a abertura de alojamentos locais, a compra de imóveis por estrangeiros e os vistos gold, como estando a ocorrer o aumento especulativo do preço das habitações e das rendas, nem o Estado nem as autarquias levaram a cabo a construção de habitações para venda ou arrendamento a preços baixos.

 

No que toca ao crescimento económico, a argumentação da direita é que privatizando o mais possível, incluindo a Caixa Geral de Depósitos ( que, em 2023, dará ao acionista Estado cerca de mil milhões de euros de lucros) o que, acompanhado da baixa dos impostos, em particular do IRC, levaria a um crescimento económico muito mais acentuado do que aquele que se tem verificado nos últimos anos.

 

É mais uma falácia.

 

O crescimento económico da Europa tem sido condicionado, como é notório, pelas guerras na Ucrânia e na Palestina, com a consequente subida de preços da energia, matérias primas, máquinas e equipamentos e o desvio de investimentos para o setor da defesa. 

 

crescimento do produto interno bruto (PIB) real da área do euro 0,5 % em 2023, 3,5% em 2022 e 5,3% em 2021. O crescimento do PIB real de Portugal nesse mesmo período foi de 5,7% em 2021,  6,8% em 2022 e 2,4% em 2023, sendo que em 2022 o PIB português cresceu cerca do dobro da zona euro e, em 2023, cerca de 5 vezes mais que a média da zona euro.

 

Não se está a ver como a baixa dos impostos poderia, no cenário atual, alcançar um crescimento superior àquele de que o país tem beneficiado, crescendo 6 ou 7 vezes acima da média da União Europeia como nos é prometido. 

 

E mais: é um grande otimismo acreditar que a baixa dos impostos provocaria um aumento do investimento produtivo e não serviria apenas para aumentar os dividendos distribuídos aos acionistas ou sócios ( veja-se o exemplo dos CTT) e à exportação ilícita de capitais.

 

Ao contrário do que é afirmado, os países com maior carga fiscal na União Europeia em percentagem do PIB são os mais desenvolvidos, a começar pela Dinamarca (47,6%), Suécia (43,6 % e Alemanha (41,5%), enquanto que a carga fiscal em Portugal é de 37,6% do PIB, inclusivamente abaixo da média na União Europeia que é de 41,3%., como se pode ver na seguinte ligação: 

https://maisliberdade.pt/maisfactos/portugal-e-o-6-pais-da-europa-onde-o-esforco-fiscal-e-maior/

 

Uma fiscalidade mais baixa poderá, inclusivamente ser prejudicial para a economia portuguesa, pois beneficiaria o atual perfil da nossa economia, dificultado  a pressão para a mudança para setores de tecnologia intensiva, maior produtividade e maior valor acrescentado.

 

Fala-se, aliás, frequentemente da fraca produtividade da nossa economia, escondendo que essa baixa produtividade se deve à baixa qualidade da gestão empresarial e não à baixa qualidade da mão de obra não tomando o Estado quaisquer medidas para a melhorar.

 

É esta a verdade que importa dizer e que os portugueses precisam de ter em mente no momento de votarem no dia 10 de Março.

HNERIQUE PRIOR

 

fotografia de Henrique Prior.

BIOGRAFIA: É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revistas Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e três de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.

 

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