Cultura

Entrevista a Juliana Garbayo | Fernando Andrade

 

1-) A perda, uma espécie de falta de algo que não se encontra mais com a gente, parece o mote de muitos dos seus contos.  Fale um pouco destas questões.

Essa é uma questão que me interessa muito, as perdas fazem parte da vida desde o nascimento. Já nascemos perdendo: o útero quente, protetor, onde não sentimos frio, calor, fome ou sede. Depois perdemos o estado de bebê, onde nossas necessidades são atendidas (quase) instantaneamente, a infância, a adolescência, a juventude; por fim perdemos a saúde, as pessoas que amamos e, ao fim mesmo, a própria vida. Isso sem falar das pequenas perdas, os fins de relacionamentos, amizades, empregos, casas. Mas toda perda também tem outro lado: traz mudança, novas fases, outras chances de refazer pedaços da vida e de nós mesmos. Gosto muito de destrinchar esse processo, o que foi perdido, o que se abandonou, o que se conquistou, quem se é a cada momento. De uma forma ou de outra esses pontos estão sempre nos meus textos.

2-) Você vai até até o último corte da linguagem não para descrever, mas para deixar o leitor intenso e tenso com as angústias dos seus personagens.

     Me conte sobre como construiu esta atmosfera na ficção.

Enquanto escrevo, gosto de me imaginar naquela situação, na pele do personagem, de pensar nos cheiros que ele está sentindo, nas imagens, nos sabores, nas sensações corporais. Acho que essa sensorialidade ajuda o leitor a “entrar” na história. Às vezes, também gosto de brincar com a linguagem, como em “Andar cinco, corredor um”, onde o leitor entra na cabeça bastante desorganizada de um homem com transtorno mental, por exemplo. Também gosto de escrever com diferentes vozes e de jogar com a passagem do tempo. Ser psiquiatra me ajuda nesse processo, há muitos anos que escuto muitas pessoas diferentes com muita atenção, e sou muito atenta não só ao conteúdo do que elas falam, mas à forma como falam – os termos que escolhem, as gírias, as pausas, os silêncios, os gestos, as expressões faciais.  

3-)   Não notei alguma violência explícita nos contos, mas há certas forças, ou pulsões que afloram em personagens e histórias mais dramáticas. Comente. 

Talvez o conto mais abertamente violento deste livro seja “Porcos de abate”. Ainda assim, embora a personagem viva mergulhada numa atmosfera bastante violenta, aquilo é tão corriqueiro pra ela que ela nem percebe a violência que vivencia e que perpetua. Mas ainda que não haja violência explícita, no sentido de sangue e vísceras, acho que há uma violência implícita em quase todos os meus contos, senão em todos, porque a vida é violenta. Ou será que existe algo mais violento do que crescer, perder um pé, ter que esconder um relacionamento, fazer um aborto? Essa violência, que eu chamo de cotidiana, pode não chocar, mas é extremamente difícil de digerir.

4-) Há também um processo de se adaptar às situações complexas e difíceis, como se uma morte através de imagens na sua figuração, poderia dar alguma chance de ressuscitar o que se perdeu ou sumiu. Fale um pouco disso. 

Esse é o lado positivo da morte, né? A transformação que ela gera, o que vem depois, o que sobrevive. A morte faz parte da vida. Mas também é uma situação de crise, ou seja, uma situação que excede a capacidade dos nossos recursos habituais; é preciso mobilizar outros. Nisso, nós despertamos capacidades que estavam adormecidas, desenvolvemos outras, pedimos ajuda – crescemos. Essa é a beleza do processo.

Fotografia de Fernando Andrade

 

Fernando Andrade, 54  anos, é jornalista, escritor, poeta e crítico literário. Colabora com a revista literatura e fechadura com resenhas e entrevistas. Tem oito livros, entre eles A perpetuação da espécie, 2018, Penalux. Interstícios, poemas, 2021 Penalux, A Janela é uma transversalidade do corpo, contos, Penalux, e Se a vida fosse um vinil, poemas, 2022, Penalux.  Fez parte de dois coletivos, o de arte Caneta lente & pincel, e clube da leitura de escrita. 

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