O MAR NO PEITO
O mar que trago no peito
é um sussurro de luz
pestanas de sois mergulhadas
no baile abstracto da maresia
é uma expressão corporal
pescada com a emoção rasgada
pelos voos rentes das aves
O mar que trago n’alma
é um cenário de medusas
em burburinhos esculpidos
por algas palpitando os corações
dos recifes
O mar que trago no peito
são corais enamorados
quando peixes nadam
no aquário dos teus olhos
SEGREDOS DO LOGE
Um rio segreda ao bando de nuvens
sobre os lençóis engomados d’água
bordada de espumas
rendilhadas com peixes do Loge
Um rio escreve um bilhete
lacrado com asas dos ventos
a história d’África
estampada num trapo d’água
escritas por ondas
Trapos das almas
desembrulhadas no atlântico
guardam na memória salgada
a forçada travessia
SOCIEDADE SECRETA
Um silêncio eterno
aloja-se na visceral escuridão
qual deserto aquático fechado
no fundo do coração
qual sociedade secreta
num submundo enigmático
Imprevisível. Imensamente ancorada
nos sons ausentes
qual brinde biolumiscente
às divindades marinhas:
Invisuais peixes abissais
respiram marés imaginárias
onde os homens não habitam
onde chuvas de anzóis
jamais esfregarão as mãos
de felicidade
NOSTALGIA AGASALHADA
O vento desfaz os cabelos da correnteza
agarra mechas de ondas fugitivas
sem braços para nadarem
algumas morrem na palma da margem
sussurrante do Zambeze.
Bêbado de hidromel o vento cambaleia
beijando árvores estáticas. Árvores pensativas
irritadas com as folhas caídas num ritual
de soletrar o chão do Cazombo
quando o bruxuleante capinzal
dança a cantiga do vento
despertando espectros de muquixes
escondidos no forte abraço
de cheiro do mato
O vento agasalha o Moxico
com nostalgia
PEDAÇOS DE CÉU NA BACIA
No meio do Kwanza
pedaços de céu caídos
descansam na bacia
respiram brisas tranquilas
pastando nuvens despreocupadas
folheiam vagas transumantes
em lagos de silêncio transparente
cortado por zumbidos de insectos.
Sem escoriações
a vegetação se desprende alucinada
e caminha-me sorrindo
com um coral de aves
nos dedos das árvores
poisam a palma da mão n’água
jurando guardar o acervo natural
escondido na força do pescador
lançando a rede além-Cambambe.
Chovem constelações de sereias
despidas pelo luar
nadam envergonhadas
presas no anzol do teu coração
arrastam-me do sul ao norte
quando num salto de cavalo
o Kwanza se fecha
afogando palavras esbracejantes
que dão de comer correntezas do rio
Bendinho Freitas Miguel Eduardo nasceu a 25 de Maio de 1971 em Luanda. Jurista, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto UAN e Pós-Graduado em Gestão Estratégica de Recursos Humanos, pela Católica-Lisbon School of Business and Economics e Universidade Católica de Angola.
Foi Professor, tendo leccionado história em escolas secundárias de Luanda e Língua Portuguesa no Centro Pré-Universitário da mesma cidade. É funcionário público, quadro do Ministério da Energia e Águas, onde exerce o cargo de Director de Recursos Humanos.
É membro da União dos Escritores Angolanos (UEA). Publicou os livros “A Pitoresca Etnia das Palavras”, poesia, edição da UEA 2016 e “Silentes Vozes d’Árvores, poesia, edição da Mayamba Editora 2019.
Para além de trabalhar a poesia, dedica-se, paralelamente à produção da prosa, com colaborações ocasionais nos jornais angolanos, onde publica crónicas, contos, ensaios e artigos de opiniões.