Cultura

Chão bom, Tarrafal (sonetos) | Alice Caetano

Soneto com cor-de-laranja

 

Achada de Chão Bom se achou

Lugar de forma ou degredo

Onde o alcatraz se agitou

Por abrigar tal segredo 

 

E se fez escudo imperante

De pranto e gritos mais

Por certo, lugar constante

Área aberta de covais  

 

A Chão Bom do Tarrafal

Areia por cinza se coa 

Fã siderurgia seminal

 

Não há céu, não há pessoa

Transverso é tanto, o sal

E água que dos olhos escoa

 

 

 

Soneto com amarelo claro

 

Do mar, grande preposição 

Vem a carga e o espadachim

Mais a chuva e o vento cão

Mosquitos e febre ruim 

 

No peito, um largo aperto

De torno, prego de aranha

Finca tanto desacerto

Marca angústia tamanha

 

 De maus tratos é o uso

 Isolamento sem nau

 Humilhação, osso-abuso

 

 Ao anticolonialista mau

 Ao opinante obtuso 

 E às palavras sem grau 

 

Soneto com azul petróleo

 

Em cada barraca de pano

Estão doze homens de lado

A morte é lenta por ano

Num corpo acabrunhado 

 

Nenhuma prisão tem flor

Se o casulo é qu’agrilhoa 

Oficina de queimor

Sem junco posto na proa

 

Apodrece a lona molhada

Arrefece a alma vazia

Mesmo em parede pedrada

 

Nem um sonho haveria 

Nem uma cara lavada

Ou uma frase bravia 

 

Soneto com negro rosa

 

Entrando para o abismo

P’lo entreferro batido

Não há sombra, não há sismo

Apenas nome esquecido

 

Se na frigideira absoluta

A morte é feita aos bocados

Os que resistem são luta

Ou antes uns cães danados

 

O que vai no pensamento?

Vão duas maçãs rosadas?

Um sopro do barlavento?

 

Fugir com as mãos atadas

Certidão de casamento

Sonhos suando às bagadas

 

Soneto com vermelho vivo

 

Fazem a estátua de pé

Os joelhos em quebranto

Se vacilam em maré

Vem o castigo entretanto

 

Se rangem ou adormecem

Chega a pancada ufana

Martírio, todos padecem 

Rezar é tese profana

 

E quando urinam carmim

Adivinham sua morte

De todo o lugar sem fim

 

É chegado o passaporte

E toca alto o clarim

Para o caixão de recorte

 

Fotografia de Alice Caetano

 

 

Alice Caetano: Formação académica: Curso professores do 1º ciclo pela Universidade de Aveiro.


Licenciatura em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de ciências da Educação de Lisboa.


Profissão – professora do Primeiro Ciclo.

Livros publicados:

Poesia: “Depois do Ninho, a Água”; “Transmutações”.


Prosa poética: “Maçã de Zinco”.


Poesia, teatro e conto – “Espelho Convexo” (recomendado por Francisco Louçã).

Histórico-Biográfico: “Palco Sombrio – Guiné – Guerra Colonial e Actos Cénicos”  (recomendado por Francisco Louçã).

Livros em coautoria:

 

“Arranja-me um Emprego – crónicas e poesia para salvar o dia” – Editora Versbrava.


“Orgânico – Cinco Poetas, a mesma causa” (livro com carácter social) – Edição de autor.


“Xafir e a Feiticeira do Pântano” (infantil) – Alfarroba Publicações.

Participação na Antologia da Moderna Poética Portuguesa.


Participação em iniciativas do Movimento Democrático de Mulheres – MDM – com textos temáticos.

Membro do júri do Concurso “Aveiro Jovens Criadores”.

Poemas traduzido para italiano e publicados nas revistas Emergenza Climatica e Articoli Liberi.

Publicada pelo Jornal literário “RelevO” de Curitiba.

Realização de programas de rádio local de âmbito literário.


Escrita de prefácios em diversos livros de poesia.

Colunista na imprensa regional com artigos de opinião e crónicas políticas.

Segunda vencedora do 1º concurso de literatura polaco-português.

Distinguida pela Direcção Regional de Cultura do Centro como mulher de destaque no panorama cultural da Região Centro.

Elemento da Direcção do Grupo Poético de Aveiro.

Elemento do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal Manuel Alegre em Águeda.

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