Cultura

A viagem de Goethe pelo Brasil | Viviane de Santana Paulo

Goethes Wohnhaus Arbeitszimmer

 

Johann Wolfgang Goethe esteve no Brasil? Certamente os leitores devem estar se perguntando ao ler o título do livro Viagem de Goethe ao Brasil. As grandes personalidades, de língua alemã, mais conhecidas, que estiveram no Brasil foram Stefan Zweig e Lasar Segall. Menos conhecido é Ernst Feder, jornalista do antigo jornal Berliner Tageblatt e figura central da vida política na Alemanha pré-1933. Lembramos dos relatos de Charles Darwin, em Viagens de um naturalista ao redor do mundo, onde ele descreve sua breve estadia em Salvador, nas sucintas dez páginas, em 1832. Mas ao abrir o livro Viagem de Goethe ao Brasil nos deparamos com o subtítulo: uma jornada imaginária. Não, Goethe não esteve no Brasil coletando amostras de plantas, insetos e minérios, e poetizando a exuberante flora brasiliensis. E antes de Darwin, o naturalista Alexander von Humboldt já era, há décadas, a principal referência no mundo da ciência, por suas expedições à América do Sul e Ásia. Curiosamente, também Humboldt não esteve no Brasil. Foi proibido de entrar por suspeita de ser espião. 

Viagem de Goethe ao Brasil foi escrito por Sylk Schneider, autor de diversos livros e ensaios. Schneider foi também diretor do Museu da Turíngia (Thüringer Kloßmuseum), curador da exposição Dr. Ernst Feder – A Vida de um Jornalista entre a República de Weimar, o Exílio e Goethe, em 2011, e da exposição A paisagem citadina de Weimar em transformação. Fotografias de Wilhelm Eichhorn de 1930 a 1945, no ano de 2012, no Museu de Weimar, bem como curador no estabelecimento do Museu Brauereimuseum Weimar Ehringsdorf. O livro foi lançado originalmente no idioma alemão, em 2008, pela editora Weimarer Taschenbuch Verlag, e a tradução para o português surgiu em outubro de 2022 pela editora NAVE, em Florianópolis, com uma cuidadosa encadernação cuja capa apresenta a bela gravura da Goethea Cauliflora

Na época, o príncipe Maximiliam Wied zu Neuwied trouxe amostras de duas espécies de malvas brasileiras, da expedição ao novo mundo, e as batizou em homenagem a um dos maiores poetas de língua alemã: Goethea Cauliflora e Goethea Semperflorens. E é disso de que se trata o livro, das correspondências de Goethe com diversos pesquisadores alemães de ciências naturais, que viajaram para o Brasil e trouxeram novidades exóticas, principalmente, sobre a flora daquele país deveras distante e desconhecido para os europeus. Contagiado pelo entusiasmo de Goethe, registrado nas cartas arquivadas na biblioteca da Duquesa Anna Amália, em Weimar, Sylk Schneider faz um levantamento minucioso dos documentos e dos trechos dos diários, de 8 de dezembro de 1802 a 31 de setembro de 1831, nos quais o país sul-americano aparece, encontrando verdadeiras preciosidades e curiosidades no âmbito do espectro de abordagem do poeta multidisciplinar. O autor de Os sofrimentos do jovem Werther e Fausto possuía as principais obras naturalistas sobre o Brasil, em suas estantes, as quais passaram a ser denominadas de a Biblioteca Brasileira de Goethe

Johann Wolfgang Goethe, poeta, romancista, cientista, estadista, diretor de teatro e teórico de arte era um dos mais pronunciados e influentes autores do mundo ocidental, e vivia em uma grande casa com jardim, em Weimar, de onde saiu apenas para viagens dentro da Alemanha e a mais longa, de um ano e nove meses, à Itália. No entanto, a pequena cidade, localizada na Turíngia, tornou-se o centro do Iluminismo e do Classicismo alemães, e ficou conhecida como a capital intelectual da Europa – também graças a Goethe – onde músicos, artistas, pesquisadores e arquitetos se reuniam ora como moradores ora como visitantes. 

O chamado Novo Mundo despertava a curiosidade de muitos e as notícias chegavam somente através dos viajantes pesquisadores – e dos aventureiros – que relatavam as suas longas e difíceis viagens, principalmente em livros. A descrição e os desenhos da fauna, da flora e dos nativos eram primordiais. Os primeiros livros tratando destas viagens tornaram-se rapidamente bestsellers. A viagem do aventureiro Hans Staden, por exemplo, foi o primeiro em língua alemã a narrar sobre o misterioso Brasil. 

Além da literatura, Johann Wolfgang Goethe ocupava-se intensamente com a botânica, anatomia, mineralogia, meteorologia e morfologia. O que resultou na autoria de “A Metamorfose das Plantas” (1790), na qual o poeta trata dos órgãos constituintes das plantas, onde se localizam as pétalas, as folhas fotossintéticas, os cotilédones e assim por diante; resultou ainda na coleção de mais de dez milhares de minerais e na descoberta de um osso transversal dos mamíferos, o chamado intermaxilar, que passou a ser denominado de “osso de Goethe”. 

Nos jantares, no palácio do jovem príncipe Carlos Augusto, o soberano do grão-ducado de Saxe-Weimar-Eisenach, ou na agradável casa do poeta, com um belo jardim que ele próprio projetou, os pesquisadores e botânicos mais renomados da época encontravam-se para as instigantes conversas, entre eles Alexander von Humboldt, Wilhelm Ludwig von Eschwede, príncipe Maximilian Wied-Neuwied, Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Phillipp von Martius. O poeta criou assim uma verdadeira e ampla rede de interlocutores para a troca de conhecimentos. Desta forma, a curiosidade e a relação de Goethe com o Brasil cresceram, sobretudo, ao receber as encomendas, que ele mesmo fazia, de sementes, plantas e amostras de minérios. Chegou a encomendar com a princesa austríaca e imperatriz do Brasil, Leopoldina – que também era uma naturalista entusiasta – sementes da araucária, e interessou-se pela raiz preta, mandioca-brava e por palmeiras.  

Sylk Schneider nos transporta a este mundo naturalista de Goethe, expondo o intenso interesse deste poeta que até mesmo chegou a pensar em emigrar para o Brasil se fosse vinte anos mais jovem. Certamente, ele teria lá muito o que fazer catalogando as diversas plantas – as quais algumas ainda permanecem desconhecidas até hoje – e os valiosos minérios, desvelando os “mistérios” do distante país, e daquela “grande amplitude de mundo, grandioso, livre e amplo”. O Brasil era então a terra dos sonhos de Goethe, a ponto de ele se sentir em casa: …e assim, ao percorrermos o círculo de escritos citados acima, nos sentimos presentes e em casa numa parte do mundo muito distante: o Brasil.

Viagem de Goethe ao Brasil é uma obra impressionante pela riqueza de detalhes, o material científico e poético e as belas gravuras. O prefácio ficou por conta do brasilianista Berthold Zilly e a excelente tradução foi realizada por Daniel Martineschen. O livro oferece um aspecto científico e artístico que diz respeito inclusive aos tempos atuais, pois com o desmatamento da Mata Atlântica a Goethea é um gênero em extinção. E não somente os poetas e naturalistas, que são genuínos amantes da natureza, têm a perder com isso, mas todos nós. Neste sentido, ao lermos Viagem de Goethe ao Brasil somos igualmente seduzidos pela profunda paixão de Goethe pela natureza brasileira. 

 

 

https://www.editoranave.com.br/viagemdegoetheaobrasil

 

Fotografia de Viviane de Santana Paulo

 

Viviane de Santana Paulo (São Paulo/Brasil), poeta, romacista, tradutora e ensaísta. Estudou filologia germânica e românica na universidade de Bonn. É autora dos livros, Viver em outra língua (romance, Solid Earth, Berlim 2017), Depois do canto do gurinhatã, (Multifoco, Rio de Janeiro, 2011), Estrangeiro de Mim (Gardez! Verlag, Alemanha, 2005) e Passeio ao Longo do Reno (Gardez! Verlag, Alemanha, 2002). Em parceria com Floriano Martins, Em silêncio (Fortaleza, CE: ARC Edições, 2014) e Abismanto (Sol Negro Edições, Natal/RN, 2012). Participa das antologias Roteiro de Poesia Brasileira – Poetas da década de 2000 (Global Editora, São Paulo, 2009) e da Antología de poesía brasileña (Huerga Y Fierro, Madri, 2007). Traduziu diversos poetas alemães, incluindo Jan Wagner, Nora Bossong, Ron Winkler, Josef Kafka, Sarah Kirch, Paul Celan, Gottfried Benn. Vive em Berlim.

Qual é a sua reação?

Gostei
4
Adorei
6
Sem certezas
0

Também pode gostar

Os comentários estão fechados.

More in:Cultura