Cultura

A máquina de moer os dias, 1º capítulo | Wilson Alves-Bezerra

Foto de Nolan Issac

Editora Iluminuras lança A Máquina de Moer os Dias, segundo romance do paulistano Wilson Alves-Bezerra

 

 

Sobre A Máquina de Moer os Dias:

 

“Ao final, o leitor descobrirá o destino ficcional dessa tentativa utópica de “resistir à inexistência”, para então descobrir também que Wilson Alves-Bezerra escreveu a primeira distopia da era em que a catástrofe que está sendo arquitetada no Brasil de hoje já se realizou.” (Manuel da Costa Pinto, jornalista)

 

“Este romance é sobre o lapso, a lacuna, o silêncio.” (Sidney Rocha, escritor)

 

“Em suas 160 páginas somos abismados com a loucura, a dor, a vontade de redenção e o tempo, numa teia complexa onde o que se desenha é um tanto da história do Brasil, sob o prisma visceral de alguém que num dado momento quis transformar a história desse país.” (Gledson Sousa, Ruído Manifesto)

 

Sobre o autor

 

Wilson Alves-Bezerra (São Paulo, 1977) dedica-se à prosa de ficção, à poesia, à crítica literária da literatura latino-americana e à tradução literária.  No Brasil, publicou Histórias zoófilas e outras atrocidades (contos, EdUFSCar/Oitava Rima, 2013), Vertigens (poemas em prosa, Iluminuras, 2015), O Pau do Brasil (poemas em prosa, Urutau, 2016 – 5 edições), Vapor Barato (romance, Iluminuras, 2018), Malangue Malanga (Poemas em prosa, Iluminuras, 2021) e O diário do hipotético vizinho (diário de luto, Iluminuras, 2023). Em Portugal publicou  Exílio aos olhos, exílio às línguas (Oca, 2017), duas edições de O Pau do Brasil (Urutau, 2017 e 2019), Necromancia Tropical (Douda Correria, 2021), além da antologia de poesia brasileira contemporânea Um brasil ainda em chamas (Contracapa, 2022, com Jefferson Dias).  Tem ainda obras publicadas no Chile [Cuentos de amor, memoria y muerte (contos, LOM, 2018)], na Colômbia [Catecismo salvaje, poemas, El Taller Blanco Ediciones, 2021] e em El Salvador [Selección de poesía, Secretaría de Cultura de San Salvador, 2021]. Sua literatura traz um singular cruzamento entre experimentações com a linguagem e reflexões sobre o mundo contemporâneo. Seu livro de poemas Vertigens ganhou o Prêmio Jabuti em 2016, na categoria “Poesia – Escolha do leitor”. Já colaborou como resenhista para alguns veículos do Brasil (O Globo, O Estado de S. Paulo, Cult, Jornal do Brasil, Zero Hora) e do México (El Universal, Contra Réplica). É autor dos ensaios: Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/FAPESP, 2008), publicado no Uruguai [Reverberaciones de la frontera en Horacio Quiroga, Más Quiroga, 2021], Da clínica do desejo a sua escrita: incidências do pensamento psicanalítico na obra de alguns escritores do Brasil e Caribe (Mercado de Letras/FAPESP, 2012) e Páginas latino-americanas – resenhas literárias (2009-2015) (EdUFSCar/Oficina Raquel, 2016). Organizou ainda a correspondência inédita de Horacio Quiroga, publicada no Uruguai como Nuevos Papels Íntimos (Más Quiroga, 2022). Como tradutor, foi responsável pela versão de autores latino-americanos como Horacio Quiroga (Contos da Selva, Cartas de um caçador, Contos de amor de loucura e de morte, todos pela Iluminuras), Luis Gusmán (Pele e Osso, Os Outros, Hotel Éden, todos pela Iluminuras) e Alfonsina Storni (Sou uma selva de raízes vivas, obra que contou com o apoio da Casa do Tradutor Looren, de Wernetshausen, Suíça). Sua tradução de Pele e Osso, de Luis Gusmán, foi finalista do Prêmio Jabuti 2010 na categoria “Melhor tradução literária espanhol-português”. É doutor em literatura comparada pela UERJ e mestre em literatura hispano-americana pela USP, onde também se graduou. É professor de Departamento de Letras da UFSCar, onde atua na graduação e na pós-graduação. Este A máquina de moer os dias é o segundo livro de uma trilogia que começa com Vapor Barato e que ninguém sabe como terminará.

 

Sobre outros livros de Wilson Alves-Bezerra:

 

Sobre O Pau do Brasil:

 

“Um livro dinâmico, aumentado. Um livro vivo que cresce desde 2016. É um trabalho em progresso. Um livro do desassossego, onde a poesia grita e acusa, afronta e exige.” (Luis Caetano, RTP – Antena 2. Portugal)

 

Wilson consegue criar um forte documento político, de intervenção e relato, sem cair no risco do panfletário ou do partidário. (Sergio Cohn, Azougue)

 

Nossa primeira distopia do Terceiro Milênio tropical. Leitura tão
necessária quanto foi a leitura dos romances Não verás país
nenhum (Ignácio de Loyola Brandão) e Adaptação do funcionário Ruam (Mauro Chaves) no final do milênio passado.
— Valerio Oliveira, poeta




É um livro difícil de ser descrito: uma coletânea de fragmentos (ele chama, com muito sentido, de poemas) de muitas origens e gêneros diferentes, fazendo uma espécie de painel oswaldiano da nossa degradação contemporânea. (…). Eu recomendo muito.
— Ricardo Lísias, escritor



Diante de um país travestido numa babel de vozes dissonantes, na encruzilhada de um destino que não oferece outra alternativa senão a tentativa desesperada de fugir ao caos e renascer, como Fênix, dos escombros de que somos vítimas, esse livro é uma
insurgência e também um farol.

— Ronaldo Cagiano, Correio Braziliense




O pau do Brasil é livro polêmico de nascença. (…). Lenha na fogueira que já vai com fogo alto. O autor é contundente, ferino
e não tem papas na língua! Traduz a indignação e a revolta de
milhões e milhões de brasileiros que estamos nessa situação
vexatória de baderna geral.” (Krishnamurti Goes dos Anjos, Cronópios)

 

O livro de Wilson é “uma arma carregada de futuro” (Gabriel Celaya), não porque sua poesia aponte um caminho, mas porque ela desafia, desestrutura e bota de ponta-cabeça a violência maniqueísta dos discursos provindos do circo do absurdo que tomou conta do Brasil a partir de 2016. (Alejandro Reyes, Radio Zapatista. México)

 

Sobre Malangue Malanga

 

“André Breton sugere uma escrita a partir do entreouvido, das vozes flutuantes captadas enquanto se transita pela urbe. Abandonou esse caminho, em favor da captação das vozes do inconsciente freudiano. Wilson Alves-Bezerra o retoma.” (Cláudio Willer. O Estado de S. Paulo)

 

Un experimento rítmico babélico, escrito en un dialecto en permanente construcción. Un libro en que perderse, dejándose llevar por el flujo del lenguaje, como sentados en una guagua que cruza los barrios de una de nuestras ciudades aluvionales y desordenadas y sigue el pulso de la vida.” (Daniel Bellón, Islas en red)

 

O diário de Alves-Bezerra é uma galáxia à moda Haroldo de Campos, mas uma galáxia que quer que a América Latina seja seu centro (ou melhor, a sua Via Láctea), unida pelo portunhol. Bezerra dialoga, é claro, com Wilson Bueno, Douglas Diegues e outros escritores que se dedicaram e se dedicam ao portunhol, língua franca que torna completamente porosa a fronteira do Brasil com o mundo. Mas a galáxia do poeta se expande para outras experiências linguísticas, como o spanglish, um francês macarrônico e mesmo um português que está longe de ser homogêneo. Chega-se, assim, a uma “No man’s langue” que, por não pertencer a ninguém, abre as portas para todos.” (Dirce Waltrik do Amarante & Sergio Medeiros, orelhas do livro)

 

Historias Zoófilas e outras Atrocidades

 

Histórias Zoófilas traz 19 narrativas impressionantes, povoadas de bizarrices e dominadas pelo registro cultural de diferentes regiões das Américas. O contista conseguiu atravessar com elegância a sombra de Borges e Rosa, para encontrar do outro lado seu próprio modo de expressar o grotesco da existência miúda.” (Luiz Brás, Folha de S. Paulo)

 

“De algum modo o autor parece refletir o velho e bom Sade, enfim um escritor para escritores e filósofos, ao evocar o mal imanente. (…) O que corresponderia ao estilo preciso, “sob controle”, do contista, como se manejasse um bisturi afiadíssimo, ágil, sutil.” (Moacir Amâncio, O Estado de S. Paulo)

 

“Dono de um estilo elegante, Wilson se apresenta, neste livro, como grande contista, pronto a se igualar a outros grandes nomes de nossa literatura. Um belo livro, que dá prazer de ler, e material para refletir.” (Marli Berg, Blog Literatura em blocos)

 

“Os personagens de Histórias zoófilas vivem presos a um mundo tomado pelo animalesco, muitas vezes fantástico, e por atrocidades de feras. Nada é o que parece à primeira vista, em tudo cabe outro olhar, mais fundo e perscrutador”

(William Lial. Rascunho)

 

“Não há nada de mediano nestas histórias que se constroem com as figuras do excesso e da falta, a zoofilia aqui é um olhar que se elva agudo como estilete que desce cortando os zeros tenros como ovos” (José Luis Martínez Amaro, orelhas do livro)

 

Vertigens

 

É uma escrita do outro lado, radicalmente do avesso, antagônica com relação à linguagem instrumental. Por isso, análoga ao delírio: “A varanda com vista à loucura é onde agora fico, contemplando a miséria de uma língua só travas que não pode mais tecer utopias ou gritos.”” (Claudio Willer, “Prefácio”)

 

“Os fragmentos de Vertigens despejam as suas imagens a partir de um erótica que mama de vários leites estrangeiros e, centralmente, da poesia como estrangeira da língua, ou da poesia entendida como exercício de “exílio” da prosa. O resultado: um português gozosamente inventado e, portanto, desencaixado de todo imaginário de correção e regionalização, dúctil para acompanhar a fluência de cenas de uma corporalidade fugidia e nua.” (Pablo Gasparini, orelhas)

 

“Aí está o lance premente: permitir que a obra se faça em progresso e incorpore o escritor, a animalidade, em seus júbilos e estertores, uns ligados aos outros.” (Moacir Amâncio, O Estado De S. Paulo)

 

Sobre Vapor Barato:

 

Curiosamente, é neste momento em que as utopias parecem arrefecidas que elas encontram uma brecha para firmar-se como ponto de estofo, de tal modo que se poderia dizer que Vapor barato procura – enquanto obra literária – ser de um lado o desconforto, a denúncia do quadro mencionado acima, e de outro seu ponto de estofo.” (Diana Junkes, Revista Cult)

 

Bezerra tomou para si uma gigantesca empreitada narrativa. Transpor tudo que é relevante por si mesmo, digno de ser narrado literariamente, em fala. Tudo é fala. O mais impressionante é que o leitor consegue acessar, digamos, os humores dos personagens – embora sequer tenha a descrição do ambiente, se é escuro, claro, se as sessões ocorrem de noite ou de dia, entre outras particularidades que inicialmente seriam relevantes para a narrativa como um todo. “ (Faustino da Rocha Rodrigues, O Estado de S. Paulo)

 

A MÁQUINA DE MOER OS DIAS

WILSON ALVES-BEZERRA

Ed. Iluminuras, 2023

Capítulo 1.

 

São Paulo, 22 de dezembro de 34.

 

M.,

 

tenho minha mala pronta, uma arma carregada e este bloco de papel.

 

Escolhi o bloco, deu para perceber. Se eu metesse uma bala na cabeça, não haveria nenhuma palavra dita a você; se eu viajasse, também não. Malas e balas nunca foram tão letais. Não restou outra alternativa a não ser ficar com o bloco. Um jeito de adiar as outras duas. Um jeito de dizer que a quarta (que no meu caso seria a boa) também não vem para me acudir: não tenho a máquina do tempo. Desgraçadamente não tenho. Seria a forma de tentar resolver o que foi para o vinagre.

 

Faz mais ou menos uma hora que voltei da sua casa e descobri que você foi embora. Não sei explicar direito, não sei. Eu achava mesmo que o plano ia dar certo, que era questão de tempo. Que a Organização estava coesa, que não haveria falha.

 

Agora não sei o que dizer ou fazer. Cheguei, tomei um copo de cachaça, fiz a mala, carreguei a arma e juntei o bloco de papel na mesa. Botei na mala o mínimo, mas não o papel, não a arma, não as balas – isso eu fui deixando do lado de fora, e foi aí que descobri que tinha essas três alternativas.

 

Eu não tenho um destino no espaço, só um destino no tempo. Preciso de uma porra de uma solução que resgate isso tudo, que desfaça o problema em que você há de ter se metido, que desenrede a trama em que já estávamos, que me resgate e reverta a hora em que tudo foi à merda.

 

Eu te falei: espera. Mais três anos e a gente soluciona o problema todo. A Organização podia dar conta, a gente sabia que ia dar conta. Você estava muito exposta, na boca do inimigo. Era suportar mais um pouco que a gente conseguia executar o plano, derrubava eles e tomava conta da situação. Eu te falei: cuidado com ele. E também: resiste o quanto for possível, dissimula, mas não bota tudo a perder. E agora, simplesmente não sei o que foi que aconteceu, como é que você foi embora de um dia para o outro. Ou, para falar a verdade, sei sim, e isso é ainda bem mais assustador.

 

Percebi que seu carro não estava lá quando passei. E foi questão de minutos para ele sair apressado, com a sua pasta e a pressa de quem sabe que tem tudo a perder. Entendi que o plano, que todos os planos foram abortados, e que ainda te perdi.

 

Não sobrou nenhuma chance. Toda a esperança estava posta nisso. E agora ficamos todos fragilizados. Puta merda.

 

Suspendi a carta para desligar todos os meus eletrônicos, para tirar todas as baterias, desativar todas as câmeras, todos os rastreadores. Desligar a central de controle da casa, os alarmes, os sensores, as fotocélulas, os telefones, os televisores, os refrigeradores, tudo o que emita bipes, acenda leds, capture imagens ou registre sons. Não tem mais um GPS à minha espreita.

 

Agora somos só o bloco, a pistola, a mala e eu. Não sei bem o que fazer, mas te escrever me possibilita atinar. Escrever à mão, essa coisa tão arcaica, me ajuda a desacelerar o pensamento. Escrever como no tempo da alfabetização, o cheiro da professora quando vinha me pegar na mão.

 

A outra coisa que também não sei é como te mandar esta carta. Não importa, o que mais me importa agora é escrever, ficar oculto por algumas horas e depois partir.

 

Vou parar por aqui e vou deixar a única pergunta que importa: por quê?

 

Fotografia de Wilson Alves-Bezerra. Autor da fotografia: Alan Pimenta.

 

Wilson Alves-Bezerra (São Paulo, 1977) dedica-se à prosa de ficção, à poesia, à crítica literária da literatura latino-americana e à tradução literária.  No Brasil, publicou Histórias zoófilas e outras atrocidades (contos, EdUFSCar/Oitava Rima, 2013), Vertigens (poemas em prosa, Iluminuras, 2015), O Pau do Brasil (poemas em prosa, Urutau, 2016 – 5 edições), Vapor Barato (romance, Iluminuras, 2018), Malangue Malanga (Poemas em prosa, Iluminuras, 2021) e O diário do hipotético vizinho (diário de luto, Iluminuras, 2023). Em Portugal publicou  Exílio aos olhos, exílio às línguas (Oca, 2017), duas edições de O Pau do Brasil (Urutau, 2017 e 2019), Necromancia Tropical (Douda Correria, 2021), além da antologia de poesia brasileira contemporânea Um brasil ainda em chamas (Contracapa, 2022, com Jefferson Dias).  Tem ainda obras publicadas no Chile [Cuentos de amor, memoria y muerte (contos, LOM, 2018)], na Colômbia [Catecismo salvaje, poemas, El Taller Blanco Ediciones, 2021] e em El Salvador [Selección de poesía, Secretaría de Cultura de San Salvador, 2021]. Sua literatura traz um singular cruzamento entre experimentações com a linguagem e reflexões sobre o mundo contemporâneo. Seu livro de poemas Vertigens ganhou o Prêmio Jabuti em 2016, na categoria “Poesia – Escolha do leitor”. Já colaborou como resenhista para alguns veículos do Brasil (O Globo, O Estado de S. Paulo, Cult, Jornal do Brasil, Zero Hora) e do México (El Universal, Contra Réplica). É autor dos ensaios: Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (Humanitas/FAPESP, 2008), publicado no Uruguai [Reverberaciones de la frontera en Horacio Quiroga, Más Quiroga, 2021], Da clínica do desejo a sua escrita: incidências do pensamento psicanalítico na obra de alguns escritores do Brasil e Caribe (Mercado de Letras/FAPESP, 2012) e Páginas latino-americanas – resenhas literárias (2009-2015) (EdUFSCar/Oficina Raquel, 2016). Organizou ainda a correspondência inédita de Horacio Quiroga, publicada no Uruguai como Nuevos Papels Íntimos (Más Quiroga, 2022). Como tradutor, foi responsável pela versão de autores latino-americanos como Horacio Quiroga (Contos da Selva, Cartas de um caçador, Contos de amor de loucura e de morte, todos pela Iluminuras), Luis Gusmán (Pele e Osso, Os Outros, Hotel Éden, todos pela Iluminuras) e Alfonsina Storni (Sou uma selva de raízes vivas, obra que contou com o apoio da Casa do Tradutor Looren, de Wernetshausen, Suíça). Sua tradução de Pele e Osso, de Luis Gusmán, foi finalista do Prêmio Jabuti 2010 na categoria “Melhor tradução literária espanhol-português”. É doutor em literatura comparada pela UERJ e mestre em literatura hispano-americana pela USP, onde também se graduou. É professor de Departamento de Letras da UFSCar, onde atua na graduação e na pós-graduação. Este A máquina de moer os dias é o segundo livro de uma trilogia que começa com Vapor Barato e que ninguém sabe como terminará.




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