Política

A guerra como divisor | Artur Alonso

A GUERRA COMO DIVISOR

 

“Ele vem com as nuvens,

e o mundo todo o verá,

até mesmo aqueles que o trespassaram.

E todos os povos do mundo

baterão no peito por causa dele.

É isso mesmo! Assim seja!”

(Apocalipse de Sao Joao 1:7)

 

A GUERRA EM ANDAMENTO

 

Estamos diante de um confronto Uno – Triplo – Séptuplo. Uno em sua essência – Triplo em sua inicial manifestação e séptuplo em seu posterior andamento ou realização.

 

Em esta tríade (1-3-7 – LEI?) da forma, o modelo Ocidental – volta a confrontar o modelo Oriental, dentro do hemisfério norte, ainda centro político, social e cultural hegemónico, desde o auge das culturas chinesas, sumérias, egípcia, celta, greco-romana e meso americana. Este confronto no ciclo da Guerra – a Kali Yuga referenciada pelos sábios indianos – é recorrente: quando o Ocidente se expande avança sobre o Oriente em contração, quando o Ocidente contrai (declina, como nos dias atuais), o Oriente acorda e, de novo, volta a expandir-se sobre o Ocidente. Quando a civilização Ocidental entra em entropia, é preciso voltar o pensamento mais independente e lúcido na procura de uma nova matriz civilizatória; duma nova organização social, política, económica, cultural e espiritual. Preciso é orientar-se, voltar ao Oriente. Estamos hoje já nesta altura? Precisamos de novo orientar-nos?

 

Um – A humanidade como um conjunto avança sempre em contraste, no espelho do outro a procura de ver o seu próprio ser, reflectido. Em tempos de grande ignorância – esse contrário é visionado como contrincante, confrontante – lutador pelo mesmo espaço e pela mesma pose. Em tempos de declínio, o ciclo de abundância decaí, e o encolhimento sistémico traz carência. O instintivo vence o intuitivo; a astúcia vence o intelecto; a paixão ao espírito.   – A luta se exacerba: torna-se a competência pelos recursos mais violenta. O dois, no que o uno se divide, para olhar os mundos, recém criados pela dualidade unida (masculino semente e feminino útero podem gerar, após a gestação), deixa a senda sempre complexa da complementaridade, e toma o caminho do combate. O fluir perde consistência, o roçamento se torna mais ativo. A coluna da suavidade deixa protagonismo à coluna do rigor: da rigorosidade e da desconfiança.. Mesmo assim, da união do dois surge o três, no entanto sendo esta união menos conciliadora. Em momentos de maior descontração, expansão sistémica, o uno encontra mais afinidade no diferente. Pelo contrário, em tempos de combate os contrários criam fricção em excesso, já não para avançar no atrito senão para tentar prevalecer um sobre o outro; de forma ilusória, porque, na realidade, o um precisa, constantemente, do outro para sobreviver (mesmo que como referente no contra) – E essa falta de conexão entre ambos não ajuda para o três, nascido da sua fusão, atingir sua meta: dar exuberância ao mundo. Assim, o cuidado do ambiente, do natural para o qual é preciso o diálogo, é relegado pelo cuidado do interesse imediato: a sobrevivência.

 

Três – Os polos em tensão tornam-se augúrio: anunciadores da guerra. Estamos no atrito: os dois contendentes e os neutrais, que são obrigados a tomar partido, não devem viver na indiferencia.

 

Não há lugar, nem local, para a neutralidade: ela é encarada como oposição. Não estar connosco, significa estar com o outro – o caminho do meio, que conduz à iluminação do Buddha, fica ocupado, conquistado pelos extremos. Aqueles que pretendem permanecer por cima do combate são visionados como fracos; mesmo como traidores à pátria. Em tempos de guerra, toda a oposição é demarcada como “quinta coluna”, colaborador com o inimigo – Deixa de ser tolerada a narrativa dos abraços entre divergentes, pois a anterior “controlada dissidência” deixou de ser útil. Os três combatem (os dois adversários e o neutro, obrigado a diluir-se em uma das polaridades). Combatem. Um: no interior do campo de controle, combatendo toda a oposição, que faz jogo ao inimigo. Dois: no exterior, pelejando contra o inimigo.Três: no interior de cada ser, reprimindo suas fraquezas (as diversas misérias vêm à tona na sociedade e no indivíduo e tem de ser adiada, no social, a pacificação, a cura: a sanação). Agora, a raiva interior deve ser aproveitada para o combate: emocional, intelectual e físico – Três em combate.

 

Sete – por todos os campos se desenrola a filosofia da guerra: Legislativo, Executivo, Judicial, Militar, Científico – Académico, Social, e Laboral.

 

Uma oitava acima, o cultural – espiritual – civilizacional vive na Programação da Guerra: o inimigo começa a ser visionado como um demónio – isso facilita poder matar, se for preciso chegado o caso – Desumanizar, pelo contrário, é o passo de propaganda e programação mental, mais perigoso: um passo para a guerra física e o extermínio. O Espírito da concórdia é apagado pela Psique da guerra. Se fecham as portas, os jardins, onde Psique – Alma e Eros, como Nous – Espírito podiam encontrar-se, sonhar-se e abraçar-se. O oito – 8 – deixa de ser infinito nas possibiliades e se torna muito finito, nos limites e no pragmatismo da realidade. Subir esse degrau, acima, não significa achegar-se à luz; senão contorná-la, enquanto é escaldada a montanha dos desafios pela força. A imposição e dominação tornam seu aspeto bruto mais visível.

 

“Para aquele que nasce, a morte é certa; e para aquele que morre, o nascimento é certo. Por isso, no inevitável cumprimento de seu dever, você não deve se lamentar” (Bhagavad Gita – Capítulo 2 – texto 27)

 

A DIVERGÊNCIA

 

O Poder Ocidental é Unipolar – Progressista (de direita ou esquerda) – Economicamente Liberal Financeiro (neoliberalismo no político) – Privado Corporativo Monopolista (auxiliado pelo Estado) – Sem medo do Caos – A teogonia de Hesíodo vista com Um Caos Inicial, e depois a Ordem (Não teme organizar caos na periferia, para provocar mudanças – Tendo um centro dínamo, dinamizador e organizador, mantido em ordem) – Individualista (hoje mesmo niilista).

 

O Poder do Oriente é Multipolar – Conservador (de direita ou esquerda) – Economicamente antiliberal e Industrial Mercantilista – Estatal Monopolista (auxiliado pelo poder Privado) – Com Pânico do Caos – A cosmologia da Ordem: Uma Ordem Permanente –  Inerente – de onde tudo surge – havendo ondulações nas suas projeções iniciais, que desde uma Ordem firme, recta e flexível deve corrigir os desvios –  Mundo Coletivo, coletivista (O todo acima do Uno – coletivista).

 

Havendo suas exceções, sobretudo naqueles territórios que ficaram, pela conjuntura histórica, mais no espetro do domínio ocidental – E mais dependentes do modelo imposto pelo Ocidente, onde a visão do Oriente teve de espreitar desde o fundo, permanecendo o modelo a imitar ocidental na superfície (como exemplos mais salientáveis: Japão e Coreia do Sul.   

 

A VOLTA À UNIDADE

 

Existe ainda um terceiro Poder – correspondente ao hemisfério Sul – de energia mais feminina, mais conciliador (sendo o hemisfério Norte mais guerreiro, de energia mais masculina) – Mas este poder está em criação. Ele vai desenvolver a síntese do Oriente e do Ocidente, no tempo oportuno, quando a humanidade precisar mudar de centro geográfico, após ter recebido a correção – orientação do Leste. Mas o Sul ainda tem de entender qual é sua essência, descolonizar-se, e enraizar-se na sua peculiar multiculturalidade, fusão de todas as etnias, fusão de todas as culturas, fusão – síntese de todos os trabalhos anteriores da história da humanidade, neste ciclo. Fusão, pelo tanto, também do modelo ocidental e oriental. Deve, então ainda aprender a sintetizar, dentro da sua alma.

 

No entanto, hoje, tem, mesmo assim, uma importante missão a cumprir, ainda com aquelas limitações do jovem ensaiando sua força e, todavia, pelo norte tutelado. Sua missão, que não pode ser adiada: formar um polo neutro – Balança entre Oriente e Ocidente, que ajude a descontrair tensões. Brasil, junto à Àfrica do Sul, auxiliados pela Índia (que estando adstrita ao Oriente, e a corrente geográfica da Eurásia, pode auxiliar, dentro do seu continente, associada à África e à América do Sul). O Sul tem esse dever, ou, melhor, a história os colocou neste papel fucral para a humanidade. E, eles, seguramente, gostarão de firmar esta importante missão geopolítica, que por sua vez, vai contribuir e afirmar a sua pegada (menos guerreira) na história.

 

“Tu és digno de receber o livro

e abrir seus selos,

porque foste imolado,

e com teu sangue adquiriste para Deus

homens de toda tribo, língua,

povo e nação”

(Apocalipse de São João 5:9)

 

O RESSURGIR DA EURÁSIA

 

A queda paulatina do dólar como moeda de divisa global – A viragem para o Oriente de importantes aliados do Ocidente, como a Arábia Saudita – o Qatar – os Emirados Árabes – As dúvidas da Índia (devagar dando mais força ao pé que se apoia na Ásia e na África, que na mão dada à Europa – Norte-america) – a África abraçando, lentamente, a associação chino – russa.

 

A falta de um claro modelo civilizatório ocidental para lidar com os novos tempos e as novas provações. O velho modelo ocidental está em entropia e a agenda Woke é um evidencia deste facto – O levantamento de um novo modelo Oriental, em base a um diálogo aberto, por parte de todos os corredores das Rotas chinesas da seda, criando um novo relacionamento comercial, novas regras e novos atores globais: A União Económica Euro-asiática, Organização para a Cooperação de Xangai, e os BRICS, entre outras – onde novos atores regionais como: a Arábia Saudita, o Irão, a Argélia, a Argentina, a Nigéria… estão a solicitar sua adesão – Abrem portas para a mudança – Os trabalhos de economistas euro-asiáticos, como Sergei Glaziev, na elaboração de uma nova moeda BRICS, não fiduciária e baseada numa cesta de commodities ou metais precisos; a nova moeda digital chinesa – A necessidade de Potências Regionais de abandonar o sistema de pagamentos internacionais SWIFT (evitar possíveis sanções de entrar em guerra de interesses com o  Ocidente), e de, por sua vez, fomentar outros centros de intercâmbio global, alem de Londres, para evitar ter de situar suas reservas em locais bancários ocidentais, onde podem ser “congeladas – retidas”… E muitos outros fatores – como o rápido desenvolvimento asiático, com grandes infraestruturas e inversões em andamento… falam dessa mudança, lenta, complicada, mas a cada dia aparentemente mais firme… E estes apontamentos somente são um apontamento de todas as mobilizações em curso.

 

Como o jornalista Pepe Escobar bem explicitou em seu último artigo, “O mundo fragmentado caminha como sonâmbulo para a III Guerra Mundial”): “Um misto da China confucionista (não dualista, sem divindade transcendental, mas com o Tao a fluir através de tudo) com a Rússia (cristã ortodoxa, reverenciando a divina Sofia); a Índia politeísta (roda do renascimento, lei do karma); e o Irão xiita (Islão precedido pelo zoroastrismo, a eterna batalha cósmica entre Luz e Trevas)”. Evidencia sem dúvida que essa associação tem também um forte entrelaçamento filosófico multilateral, que aparenta, de forma mais ajeitada, para lidar com as provações do presente e do futuro imediato.

 

A simbologia aqui também joga um papel importante – Joe Biden, um Presidente da maior potência do mundo, com graves sintomas de falhas cognitivas – representa, talvez, a senilidade do velho Império, ainda no comando do orbe?

 

A derrota do Afeganistão, e a virada do Poder Talibã, agora com a abertura económica com a China e militar com a Rússia, reflete a saída do Ocidente da Heartland de Mackenzie? – Lembrando que segundo esta teoria: quem controla este “Coração da Terra Euro-asiático – controla a ilha mundo: esses três continentes, unidos por istmos e estreitos: África, Europa e Ásia – e quem controla a “Ilha continente” controla o mundo… Sendo que, a maiores, segundo esta teoria, não é possível controlar toda a Heartland sem controlar o leste da Europa… Será que a guerra na Ucrânia terá algo ver com isto? Uma guerra, cada dia mais perigosa, aberta já a um embate OTAN – Rúissia – pois nem o  Ocidente nem o Oriente podem permitir que a Ucrânia possa ser tomada por um ou outro lado, dado que segundo Zbigniew Brzezinski, sem o controlo da Ucrània a Rússia não tem capacidades reais.

 

E pelo tanto, sem utilizar a Ucrânia, o Ocidente não pode derrotar a Rússia. Sendo que este território é vital para aplicar a tática do derrube do Império russo, proposta pelo general e antigo presidente polaco Józef Piłsudski, consistente em implodir o centro, fazendo explodir as periferias do antigo império russo. Talvez por isso para o poder russo seja tão importante seu chamado “estrangeiro próximo”.

 

Desde o Império Britânico, temos vistos muitos relatórios, sobre como desmembrar o Império Russo – último império em pé – combatente com o poder Ocidental das finanças – após ter caído o Império Otomano, Chinês, e antes o Tártaro – Turcomano ou o Persa… O último relatório de como dividir o Império russo, da mão da Rand Corporation – falando de “libertar as nações oprimidas dentro da Rússia”… Mas nunca, até aos nosso dias, tínhamos escutado aos russos, falar abertamente da demolição do Império Ocidental: divisão da União Europeia, e mesmo dos EEUU… Num tweet muito ousado, o ex-presidente Dimitri Medvedev abriu a porta (uma janela já fora arejada no ano 2005, quando alguns colunistas russos falaram sobre uma possível quebra económica dos EEUU, e a sua divisão, após lutas internas entre estados mais ricos e pobres)… Símbolo disto tudo, da Rússia começar a acreditar já ter forças para enfrentar o Ocidente coletivo, também na narrativa e, a seguir, no ataque em todas as frentes, mesmo as mediáticas? Sendo que na frente da propaganda o poder russo ainda é muito fraco com respeito ao Ocidente.

 

Entre as predições para o 2023 de Medvedev, temos: preço do petróleo chegará a 150 euros barril. O Reino Unido terá de reincorporar-se à União Europeia. A União Europeia vai colapsar, após o reingresso do Reino Unido, e o euro vai deixar de ser moeda oficial. A Polónia e a Hungria vão ocupar as regiões ocidentais da Ucrânia. Criação dum IV Reich, de poder alemão, tendo como “satélites” a Polónia, os Estados bálticos, a República Checa, a Eslováquia e a nova ‘República de Kiev”. Começará uma guerra entre a França e o IV Reich, em consequência a  Polónia será dividida. A Irlanda do Norte vai separar-se do Reino Unido e unir-se à República da Irlanda…

 

Mesmo que possa aparentar brincadeira, e mesmo sabendo que todo este desenvolvimento precisaria, no melhor dos casos, de produzir-se em vários anos e no mais longo prazo, mesmo algumas décadas, podemos observar um mandatário russo fazendo uma advertência de poder. Confrontando o Ocidente e devolvendo o bumerangue das cisões estatais e territoriais, sobre uma Europa que os russos já têm advertido, pagará um alto preço pela sua suposta subserviência aos interesses dos Estados Unidos. Mas a história do século XX da Europa criou essa situação, após a derrota da Alemanha, na Segunda Guerra Mundial, e após a derrota de De Gaulle, após o maio do 68.

 

“Trinta raios convergem ao vazio do centro da roda

Através dessa não-existência

Existe a utilidade do veículo  

A argila é trabalhada na forma de vasos

Através da não-existência

Existe a utilidade do objeto  

Portas e janelas são abertas na construção da casa

Através da não-existência

Existe a utilidade da casa  

Assim, da existência vem o valor

E da não-existência, a utilidade”

 

(Do Livro do Tao – Capítulo II)

 

O PODER DOS SÍMBOLOS

 

Outro poderoso simbolismo é a perda da capacidade de interação global da União Europeia – a Europa sonhada por De Gaulle, soberanista e neutral, Poder entre EEUU e Oriente, lamentavelmente nunca realizada – seria, talvez melhor que a atual Europa do Poder Financeiro, dos banqueiros internacionais, senhores do BCE? Esta Europa, que mesmo está a olhar como os Estados Unidos abertamente convidam suas empresas a instalar-se no território norte-americano, se está vendo impotente para evitar a desindustrialização, e a perda da competitividade do continente? Ou talvez tem acreditado, como um sonhador viçado, na iminente “agenda verde”, para a qual o mundo ainda não está preparado? E, agora, é muito clara ou não, a submissão europeia ao Poder Norte-americano e a forte dependência militar do mesmo? Será possível uma Europa militar, política e economicamente independente, ou já não há tempo: o comboio partiu?

 

Parte destes símbolos nos estão a falar, ao ouvido, de uma queda – contração do Ocidente e um levantamento, sem presa, a seu ritmo, do Oriente?

 

Teremos, ainda, que observar, muitos dos combates, em andamento, em todas as areias deste grande estádio global: na economia, na propaganda, nos meios de comunicação, na cultura, no mundo académico, no desenvolvimento militar… E, mesmo, até no desporto. Num novo conceito talvez de guerra híbrida?  Ou a guerra já passou a um estágio mais tradicional, como vem advertir o Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov?

 

Andrew Korybko, no seu trabalho “Guerras Híbridas: das revoluções coloridas aos golpes”, faz uma referência ao pensamento conservador tradicionalista norte-americano, que foi aproveitado pela filosofia neo-con e atualmente desenvolvido pelo Instituto para o Estudo da Guerra, de Kimberly Kagan, cunhada de Richard Kagan, marido de Vitoria Nuland. Informa-nos Korybko: “Em 1989, William Lind foi um dos autores de um artigo na Marine Corps Gazette que previu como seria a próxima geração de guerras. Identificadas como guerras de quarta geração, ele previu que elas seriam mais fluidas, descentralizadas e assimétricas do que as guerras do passado (…)Lind também previu que haveria maior ênfase na guerra da informação e em operações psicológicas, o que está de pleno acordo com o modus operandi das revoluções coloridas”.

 

 

Segundo Korybko plasma no seu livro, Lind teria descrito as mesmas híbridas guerras como manuais de ação muito mais psicológicas: “As operações psicológicas podem se tornar a arma operacional e estratégica dominante assumindo a forma de intervenção midiática/informativa […] O principal alvo a atacar será o apoio da população do inimigo ao próprio governo e à guerra. As notícias televisionadas se tornarão uma arma operacional mais poderosa do que as divisões armadas”. Temos já aqui, em andamento e continuidade (talvez, desde a queda da União Soviética), uma guerra híbrida global, com combates em todas as franjas de fricção: Perú, Brasil, México, Irão, Síria, África e mesmo a Europa, com certa desunião e interesses muito confrontados …?

 

Fazendo-nos tremer, aquela ideia de Lind, que nas novas guerras híbridas, a distinção entre civil e militar poderia desaparecer. Podendo ser utilizados os civis pelas forças militares e de inteligência, não já como escudos humanos ou arma de chantagem, senão diretamente como apoiadores ou ativos exércitos em rebelião, contra um governo ou poder a ser derrubado.

 

Korybko afirma, a maiores, como o uso das populações pode ser vital para atingir em cheio um objetivo de guerra: “O objetivo de uma revolução colorida, uma vez iniciada, é tomar o poder e derrubar a liderança do Estado. Ela é muito eficiente para essa finalidade uma vez que une a população em um enxame e faz com que ela subjugue as instituições públicas que representam o governo” Situação, hoje, muito habitual em nossos dias, com povos a tentar ser utilizados, por um ou outro lado do espectro político nacional e internacional.  

 

Mas esta participação direta ou indireta da cidadania, nas novas formas de guerra, não estaria dando um protagonismo, a maiores, às populações, que não deixaria, por sua vez, de evidenciar de novo estarmos numa mudança do ciclo mercantil em face desse novo ciclo do poder cívico?

 

MUDANÇA SISTÊMICA

 

Andrés Piqueras entrevistado por Salvador López Arna, para “Observatorio de la crisis”, argumenta:

 

“Temos visto alguns dos problemas aos quais enfrenta o neoliberalismo financeirizado como modelo de crescimento que se tem tentado pôr em prática em escala quase planetária. Com a degeneração deste modelo, o capitalismo em si mesmo enfrenta uma série de contradições cada vez mais intransponíveis:

 

  1. Entre acumulação e regulação (forma em que se expressa hoje a contradição clássica entre desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção).
  2. Entre valorização e realização (dado que a escassa recuperação da taxa de lucro na produção se faz à custa de uma exacerbada depressão da demanda).
  3. Entre o valor fictício gerado pela estrutura financeira e especulativa mundial e a mais valia real gerada, que responde a um estancamento da rentabilidade (o que denotou uma recuperação parcial das taxas de lucro sem acumulação proporcional do capital).
  4. Entre estancamento e endividamento, o qual como fator imprescindível do crescimento atual não tem contrapartida, nem produtiva, nem energética para possibilitar que uma acumulação hipotética futura possa satisfazer as dívidas do presente
  5. Entre o valor capitalista e a riqueza social e natural, pois aquele depende cada vez mais da destruição destas. 
  6. Entre o desenvolvimento das forças produtivas (a automatização) e as bases de sustentação do capitalismo: valor, trabalho assalariado, mais valia, lucro…, que resultam crescentemente deterioradas” 

 

Inferindo aqui sinais muito preocupantes de desgaste sistémico. A era de transação do modelo capitalista, típico da era do poder mercantil. Na procura dum novo modelo mais a jeito, com o novo poder cívico em andamento, está a gerar a peneira de perturbações que se vivenciam por todo o globo.

 

Se o poder sacerdotal poderia ser tipificado de economia esclavagista. O poder senhorial da economia feudal. E o poder comercial da economia capitalista. Será que o novo poder emergente dos “cidadãos” vai abrir-se até um modelo económico eco–socialista? E esse modelo eco-socialista, a ser posto num futuro em marcha, será, por acaso, a causa do confronto real? Será que o Poder Ocidental Corporativo, e o Poder Oriental estatal, estão (sabendo eles ou não) em liça, por ver quem vai comandar o novo sistema social ecológico, de direta ou de esquerda ou mais bem transmutando os conceitos atuais de esquerda – direita? E, ambos os poderes finalmente, ganhar quem ganhar, vão aplicar o seu modelo desta versão de economia eco-socialista, segundo os interesses, de cada elite: a estal ou a privada corporativa?   

 

Mudanças acelerando-se, perigos de confronto. O Ocidente enfraquece, começa a expansão do Oriente? Do poder das finanças, vamos transitando, devagar, ou a pulos, até ao poder da cidadania?

 

Sim, vamos fazer o nosso melhor para evitar que esses corrimentos de placas tectónicas possam tornar-se num Grande Global Confronto.

 

A paz final deve chegar antes dessa hipótese tomar corpo.

 

“Para o homem, a mente é a causa do cativeiro e a mente é a causa da libertação. A mente absorta com objetos dos sentidos é a causa do cativeiro. e a mente desapegada dos objetos dos sentidos é a causa da libertação.” (Bhagavad Gita- Capítulo 6, texto 5).

 

Fotografia de Artur Alonso

 

Artur Alonso: escritor com vários livros editados de teatro, poesia, ensaio e romance… Ex diretor do Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz. Ex secretario do Instituto Galego de Estudos Celtas. Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono. Membro de Honra da Associação de Escritores.Mocambicanos na diáspora. Membro do Conselho de Redação da Revista Identidades, etc.




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