Política

A debilidade da democracia | Flávio Sant’Anna Xavier

Os 100 dias da gestão Lula-III foram marcados pela tentativa de golpe em 08 de janeiro. Os serviços de inteligência não conseguiram (ou não quiseram) captar a onda bolsonarista que culminou com a depredação da Praça dos Três Poderes e o governo demorou para reagir.

 

O tom adotado foi de espanto e incredulidade, mas agora reina a cautela. É um estado de ânimo letárgico e que coloca o governo na defensiva, exatamente quando se encontra no ápice de aprovação popular e, por isso, poderia ser mais audaz na implementação das primeiras medidas.

 

O governo Lula-III será o mais conservador de toda a gestão petista. Porém, o mais importante. Isso porque seus desafios são enormes e a correlação de forças se encontra bem equilibrada entre as forças democráticas e as ultraconservadoras.

 

A primeira grande tarefa é isolar, enfraquecer, a influência da ultradireita bolsonarista no seio do campo conservador. Não é uma tarefa singela. Lula não conseguiu formar uma base de apoio sólido no parlamento e o resultado é a quase paralisia governamental, com a suspensão da nomeação do segundo e terceiro escalões, os responsáveis pela faceta executiva do governo, que fazem a máquina rodar. Tudo em compasso de espera. 

 

Lula se cercou dos amigos que o apoiaram na prisão, em Curitiba. Fiéis nos piores momentos da sua vida, mesmo na época da ditadura. Mas se de um lado garante a fidelidade, quase canina, isso poderá se transformar em enorme obstáculo, porque demonstra seu apego à prisão, ao passado recente, o que explica sua vindita pessoal com o juiz Moro, hoje Senador, e que decretou seu encarceramento. E foi, exatamente, quando a Polícia Federal desbaratou um plano de assassinato de Moro, e outras autoridades, que o desejo de vingança se mostrou mais explícito, num revés importante diante da opinião pública e que mereceu um passo atrás, mas que demorou.

 

Lula não é, nunca será, um Mandela, que ao sair da prisão renegou o ódio e o rancor, para ser ver livre da masmorra. O ódio nunca foi um bom conselheiro de vida, muito mais na política e num momento tão delicado como o atual.

 

De outra banda, a economia se encontra paralisada. O governo propõe um plano mediano, cujo maior opositor é o próprio PT, que almeja mais radicalidade e oferta de dinheiro na economia, mas ela se encontra cambaleante. Sem recuperar a economia, principalmente a industrialização e a oferta de empregos, não há democracia que se sustente, apenas com seus bons propósitos. Há um impasse, pois é na condução de economia que Lula tenciona formar seu sucessor, um discípulo ruim de voto, mas que compôs o núcleo de apoio à prisão.

 

A onda conservadora não dá sinais de enfraquecimento. As escolas estão sob forte pressão de atentados, tão comuns nos EUA. Há múltiplos fatores, mas não se pode esquecer que a pregação armamentista e a propagação do ódio por Bolsonaro semearam estes atos. Somente na semana do atentado em uma escola de Blumenau, com 4 crianças assassinadas, outros 100 episódios (nas mais variadas etapas de preparação e execução) foram desvendados no país, o que escancara uma onda de violência e terror. Hoje, as escolas estão guardadas por um agente de segurança, fato inédito no país.

Neste cenário preocupa a ênfase e a prioridade em assuntos externos, que sempre foi uma predileção de Lula, espécie de anticomplexo de vira-lata. O Brasil avança para um novo alinhamento, com ênfase à China, e um afastamento paulatino dos EUA e da Europa, mas seria de bom tom que se preocupasse mais com os assuntos internos e que, enfim, empreendesse os primeiros passos, rumo à consolidação de uma democracia cada vez mais débil e fustigada pelo bolsonarismo.

 

Fotografia de Flávio Sant’Anna Xavier

Flávio Sant’Anna Xavier é Procurador Federal desde 1997. Autor de obras e artigos jurídicos na área do Direito Agrário e Administrativo. Autor do livro de contos “Guris” (2016).

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