Poesia é aquilo que me faz rir, chorar ou uivar, aquilo que me arrepia as unhas do dedo do pé, o que me leva a desejar fazer isso, ou aquilo, ou nada.
Dylan Thomas
Totem-Esplendor
Fizeram de mim
Um totem estranho
Colaram à madeira
– Meu corpo hirto –
Escarros e pirilampos
Fui – as poucos – vestida
De todo céu/inferno
– Receptáculo –
Aprendi que há amplidão
Apenas no Amor
Amor é o nome do meu Deus
Lá eu estava – Virgem –
Erguida em uma planície
Deserta
Totem ao vento
Aceitei as colagens várias
Ódio ressentido
Disfarçado de rio cálido
Flores pequenas
Colhidas nas encostas
Odes toscas
Escritas em sacristias
Beijos sem amor
De homens engalanados
De fúria
Cicatrizes de anjos
Rosários de mulheres pudicas
Palavras de ordem
Embaladas em leis avaras
Uma capa da cor do Monte Fuji
Elogios ensimesmados
Invejas diluídas em licor de fel
Ah! Também despejaram – Amor
Beijos verdadeiros da minha chama gêmea
Beijos puros das crianças hereditárias
Nunca quis selecionar cada decalque
Pregados no tronco escuro e hirto
Minha carne
Meu ser libertário
Queria abraçar o Mundo
E só restou um totem nonsense
Até que – finalmente – percebi
Eu posso!
Sim, posso decidir
O que colar em meu corpo
Eu posso vestir apenas
Amor e Ciência
Comecei a descolar a profanação rude
Tatuagens de Não/Amor
Demora um tempo ainda
Para que um dia eu seja
Um Totem-Esplendor
A rosa tísica
Como o sábio que se recolhe
Para avaliar o abissal mistério
Altas estrelas e eventos
A mudança dos ventos
O tempo a brincar de cabra cega
A boca costurada com o fio cruel
Das coisas inadmissíveis
Como o sábio que se fortifica
Para a grande viagem
Depois rompe vales
Cruza rios
Ajoelha-se no altar
Da flor mais alta
Eu me ajoelho a esperar
Sua luz que me falta
Como o sábio que espera
Por respostas truncadas
– Como se houvesse –
A murmurar uma prece
– Entre lágrimas –
Enquanto sopra a rosa tísica
Ferindo-a ao inundar de vida
Suas pétalas esturricadas
No ventre da besta
Cansada de mastigar e engolir luz
Sem vomitar a podridão e o negror
Dentro de mim este enfrentamento
Cruel: maniqueísmo de substâncias
Em um sítio repleto
De canibalismo emergente
Onde um só quer comer
O ventre cru do outro
Nada é rouge rojo escarlate sangue e bandeiras
É só uma Nação fake de flores ocas que morrem
Antes, arranham seus longos rabos espinhentos
Em peles silenciosas que abrigam sóis & bemóis
Era só para dizer que estou cansada
Mas a poesia gosta de usar-me com sua espada
No fundo, no fundo, a poesia retalha mais
Que rosas mortas, pessoas afoitas para matar
A aurora, a luz, o amor e tudo que me alimenta
Nada podem contra a eternidade desta cruel placenta
The Hawk in the rain*
Somos falcões na chuva, impedidos de voar. O amor é uma chuva granítica, congela os ossos, paralisa o sangue e estanca o passo. O amor assusta mais que qualquer maldição ou peste. O amor, esta batalha que faz do homem um falcão molhado, cabisbaixo, sem asas… Amar é estender as asas e alcançar além de infinitas nuvens… Congelamos com a chuva do amor, e bloqueamos o voo. Voar com as asas leva até onde o olhar alcança… Voar com a alma é um voo para uma paisagem desconhecida… Temos tanto medo do desconhecido, quanto da felicidade. Sempre penso em Camus e em um pequeno trecho do livro – A peste: Em Oran, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, somos obrigados a amar sem saber.
* Primeiro livro de Poesia do poeta Ted Hughes.
Bárbara Lia nasceu em Assaí (PR). Professora de História, Poeta e Escritora.
Publicou vários livros, entre eles: O sorriso de Leonardo (Kafka ed. baratas), A última chuva (Mulheres Emergentes), O sal das rosas (Lumme), Solidão Calcinada (SEEC- PR/), A flor dentro da árvore (ed. da autora), Forasteira (Vidráguas), As filhas de Manuela (Triunfal.), Não o convidei ao meu corpo (Ed. Kazuá).
Participou de várias antologias, entre elas: Amar, Verbo Atemporal – 100 Poemas de Amor – Org. Celina Porto Carrero (Rocco). Fantasma Civil – Org. Ricardo Corona (Bienal Internacional de Curitiba 2013). Arqueologia da Palavra e Anatomia da Língua – Org. Amosse Mucavele (Maputo). As mulheres poetas na Literatura Brasileira (Arribaçã, 2021), Org. Rubens Jardim.
Destaque em vários prêmios literários.
Vive em Curitiba.