Cultura

Sobre Os cavalos adoram maçãs, de Ozias Filho | Iacyr Anderson Freitas

 

Escritor, fotógrafo e editor de livros, Ozias Filho aprimorou a sua carreira artística e profissional em Portugal, país em que reside há mais de três décadas. Durante esse período, inclusive, o autor de Páginas despidas e Poemas do dilúvio tem desempenhado também a função extra-oficial de embaixador da poesia brasileira em terras lusitanas, as mais das vezes sem o natural apoio do Itamaraty.

 


Como poeta, antes de Os cavalos adoram maçãs, Ozias Filho tivera apenas dois de seus livros editados no Brasil: Insulares e O relógio avariado de Deus. É importante salientar que ambos foram originalmente publicados em Portugal. Portanto, este Os cavalos adoram maçãs já salta da prensa com o mérito de ser a única obra do escritor, até o momento, cuja primeira edição se dá no país em que “Vinicius escreveu um poema/ para Teresa, mãe de Leonor” e para onde se volta, numa página pungente, a sua “finestra di memoria”.

Embora a memória funcione como um leimotiv em diversas passagens deste livro — acendendo até mesmo “o aroma da saudade” ou “a bossa/sempre nova” de Tom Jobim e João Gilberto —, há espaço também para a crítica político-social e para aguda certeza de que “nenhuma palavra pode nos salvar”. A “tecla minimalista do silêncio” serve de contraponto à precisão momentânea da realização poética, exposta ao “esquecimento para continuar/a escrever coisas novas/mesmo que seja para bater/às mesmas portas”.

Até mesmo a dicção confessional jamais se entrega ao leitor, aqui, sem a tradicional sagacidade do ofício: “para não dizer que não falhei às flores”; “desconfio que deus é a minha mãe//quando diz/come e cala-te”; “troco de pele todos os dias/no evangelho de destruir o planeta”; “tu não verás os meus cabelos brancos/a tua face heterônima (…) não verás morrer a ficção que criaste”. Este último excerto se insere num núcleo simbólico no qual a lembrança paterna domina a cena e, aos poucos, se adere ao próprio eu lírico, num processo de radical identificação: “mais anos de calendário/do que o meu pai/entanto o espelho insiste/em devolver-me/a sua imagem”. O título desta coletânea rebrilha numa peça premiada pela imagem de “um cavalo branco morto/estendido sobre a linha férrea que liga/a Praia das Maçãs a Sintra”. Uma imagem que, como um poliedro, reflete em suas faces tanto o “calmo azul/por sobre/a cidade/que perece” quanto a “noite de posses ancestrais”. Captar tais nuances é o destino das grandes leituras. Oxalá o presente livro se entregue por inteiro a este destino.

 

Iacyr Anderson Freitas


escritor e ensaísta

 

informações sobre o livro e sobre o autor

Livro: Os cavalos adoram maçãs

Autor: Ozias Filho

Editora URUTAU

páginas: 76 páginas

ano de edição: 2023

edição: 1ª

Link para o livro Os cavalos adoram maçãs

 

Fotografia de Ozias Filho 

Ozias Filho (Rio de Janeiro/1962). É poeta, fotógrafo e editor. Autor de Poemas do dilúvioInsularesPáginas despidas e O relógio avariado de Deus. Como fotógrafo tem vários livros publicados, e exposições, onde se destaca Ar de Arestas, no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes, no Brasil; e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017, na Casa da América Latina, com o ensaio Quasinvisível. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Em 2023, teve alguns dos seus poemas publicados na Revista Acanto (nº6). Vive em Portugal desde 1991. É editor nas Edições Pasárgada. Assina a coluna Quem, eu vejo quando leio, para o Jornal Rascunho.

 

Fotografia de Iacyr Anderson Freitas

 

O escritor brasileiro IACYR ANDERSON FREITAS (1963) já publicou mais de vinte livros de poesia, além de três de ensaio literário e do volume de contos Trinca dos traídos (2003), detentor da menção especial do Premio Literario Casa de las Américas, em Cuba. Sua obra já foi traduzida para diversas línguas, tendo sido publicada em muitos países – Argentina, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Malta, Nicarágua, Peru, Portugal, Suíça e Venezuela –; obtendo, inclusive, quase uma vintena de premiações, com destaque para as duas vezes em que conquistou o 1º lugar no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte. De seu vasto percurso bibliográfico, além do volume de contos já citado, que chegou a ser inserido na lista de obras literárias de leitura obrigatória para os vestibulandos da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-EDESP), podemos realçar os seguintes livros de poesia: Quaradouro (2007 – semifinalista do Prêmio Portugal Telecom), Viavária (2010 – 1º lugar no Prêmio Literário Nacional do PEN Clube do Brasil), Ar de arestas (2013 – finalista do Prêmio Jabuti e semifinalista do Prêmio Portugal Telecom), Estação das clínicas (2016) e Os campos calcinados (2022).




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