REMOENDO *
A sombra viva do passado
remói
remói
remói
nas moendas do presente.
A fome centenária
a subvida das periferias
sem-teto
moradores de rua
excluídos
são marcas
dos escravos
reciclados
e presentes.
Remoem
remoem
remoem
atravessando as décadas
a concentração da terra
a desigualdade
o desemprego
a precarização
a fome
o militarismo
o golpismo
a impunidade.
Remoem
remoem
remoem
os restos insepultos
da última ditadura
Infectando
os ares democráticos.
É muito importante
que um povo
não feche os olhos
ao passado
à história
assim como o motorista
na estrada
não fecha os olhos ao retrovisor.
O que de um modo igual
e diferente
também se recomenda
a um presidente.
* ” Eu sinceramente não vou ficar me remoendo e vou tentar tocar esse País pra frente.” (declaração do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, referindo-se aos 60 anos do golpe de estado que implantou a ditadura de 1964)
*
DESCOLORAÇÃO
Em certa altura
a estrela-guia
vermelha
foi pintada de rosa
pensando-se assim
não atiçar
as maltas cor de cinza.
Depois foi pintada
de amarelo
buscando-se atrair
nuances cinzentas.
Enquanto isso
as maltas cor de cinza
de óculos escuros
contra as cores do arco-íris
multiplicavam-se
e cercavam
querendo sempre mais.
E a legião das estrelas vermelhas
como crias
abandonadas no ninho
para entender a situação
recorreram à filosofia indagando:
De onde viemos?
O que fazemos?
Para onde vamos?
Nota biográfica: Marcelo Mário de Melo é jornalista, escritor e ex-preso político do Brasil. Nasceu em Caruaru, no interior do estado de Pernambuco, e veio para o Recife em aos nove anos. Escreve poemas, histórias infantis, minicontos, textos de humor e teatro e notas críticas.
Vê a elaboração poética como o olhar que mergulha e voa, o espirarco-íris de portas abertas e andantes, sintetizando o pensentir humano nos mergulhos introspectivos, nas interações sociais e nas viagens cósmicas.
Tem diversos livros publicados, de literatura e jornalismo, sendo o último deles o Literavida Historias e Casos.