O AMOR IMAGINÁRIO de Denise Emmer | Henrique Dória
Princípio da adolescência. É então que, verdadeiramente, o mundo principia porque é então que surgem o amor e o sofrimento. Aos catorze anos de uma mulher, o amor é, como dizia Stendhal, amor físico. Deseja-se com ansiedade:
apalpava-me os seios
coberto por blusas novas
a procurar-me, a dizer-me
para encontrar minha chama.
(Pág. 50)
mas tantas vezes não se alcança a não ser o sofrimento e as lágrimas:
meus seios de luas miúdas
Quase a furar a blusa
nos pingos da minha lágrima
(Pág. 49)
O amor é, então, uma febre, e a amante um doente imaginário que vive o seu primeiro drama, e esse drama é maior porque é um drama de amor por um amado imaginário que a amante constrói como um príncipe adormecido na lenda de que falava FERNANDO PESSOA em EROS E PSIQUE.
Em O AMOR IMAGINÁRIO, de DENISE EMMER, o amado tem um nome: é Arquimedes, o invisível ser. A amante olha-o com a ansiedade que traz a urgência do amor mas ele nem nota a sua presença, mesmo quando ela se senta a seu lado, porque Arquimedes, como o nome indica, é um ser que pensa muito, e cujos pensamentos que o absorvem o deixam na ignorância do amor que arde por se lhe entregar,
meu corpo, uma blusa aberta
a receber ventanias
respirava espasmos frios
em meu coração novilho
(Pág. 29)
Arquimedes, para quem, como dizia o francês Alain, viver é pensar, não é mais que
A silhueta do nada
A refletir o vazio
(Pág. 39)
Ela, a amante, sonha um amor das mil e uma noites em que voam os tapetes com príncipes distraídos, uma distração que causa na amada
“… impulso
De lhe atirar dicionários”
(Pág. 77)
porque viver é muito mais do que pensar, é, sobretudo, amar.
O Arquimedes da história dizia: dai-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo. Porém, este Arquimedes tem a mulher e o amor, a alavanca e o ponto de apoio com que pode levantar o mundo, mas ele não pensa sequer nesse amor que, como diria DANTE, faz mover o céu e as estrelas.
A vida dos amantes é uma estreita ponte onde eles podem caminhar juntos e ela, a amante, diz ao seu amado imaginário:
Se caminhares
à minha frente
na estreita ponte
serás meu Norte.
Mas se fores atrás,
me empurrarás
serás minha morte.
Se lado a lado
prosseguirmos,
andar contrito,
cairemos os dois
no infinito.
(Pág. 101)
Ela procura o caminho que possam partilhar, mas o caminho dele é outro. Como retas paralelas, os seus caminhos nunca se hão de encontrar
O AMOR IMAGINÁRIO, de DENISE EMMER, é a música feita palavra, apesar de a amante dizer que
Na minha cabeça
só existe música
e não há lugar para a palavra.
(Pág. 91)
E, no entanto, a palavra amor atravessa estes poemas de DENISE EMMER, quase todos compostos em redondilha maior, como uma música triste. Sonata para violoncelo em dois andamentos, só poderia ser uma música triste, mais triste ainda do que as cartas sem resposta de Mariana Alcoforado, porque a freira de Évora, apesar de abandonada, fora possuída e feliz por algum tempo, mas à amante de O AMOR IMAGINÁRIO só coube a ignorância do amado.
DENISE EMMER é cantora, compositora, instrumentista de violoncelo, o seu instrumento de eleição. Como o violoncelo de CAMILO PESSANHA, o violoncelo de DENISE chora em suas mãos e é, em O AMOR IMAGINÁRIO, a música transformada em poesia, como para, SCHUBERT, a sua música, era a poesia transformada em música.
No fim, aplausos para esta poesia de DENISE EMMER.
Henrique Dória