Eu procuro, em “Deslocamento”, a invenção, o experimentalismo, a provocação, sem esquecer, obviamente, a estética. A ideia é deslocar vários tipos de objetos, apetrechos, enfim, materiais que compõem o nosso cotidiano – e também nossas vivências – de seu lugar-comum para a arte.
São apropriações. Ou mesmo desapropriacões.
Desinstalacões.
É o caso da tampa da lata de lixo, onde roda sem parar a história, como acontece na realidade.
Na instalação Descorpo, utilizo cérebros humanos em tamanho natural, com uma viseira de burro, uma gaveta e uma representação metafórica, feminina, com uma estola de padre.
Uso uma sapata de construção, enferrujada, para repensar o meio ambiente, a degradação social.
O led, comum em fachadas de farmácias, oferecendo uma salvação medicamentosa, compõe o ledpoema “Salvar” – uma redenção poética, ao mesmo tempo irônica.
A fita métrica da costureira é usada em uma pequena escultura, juntamente com uma vareta de medir óleo. “Cristo a metro”, como ele é mercantilizado.
Com um backlight, comuníssimo em loja de sanduíches para mostrar produtos maravilhosos que, quando você compra, é uma merreca, me proponho a observar o consumo.
Os rolinhos de papel higiênico, tão estéticos, são usados, com carimbos, cruzes diversas, na instalação “Fabricação Humana”.
Com uma planta de rua, faço “Namorada – Maria-sem-vergonha”, usando letras de lápides para um poema com várias leituras.
Vidrinhos de medicamentos homeopáticos, que eu uso, compõem o trabalho “Melhor terapêutica: amor & poesia” .
Ao lado dos poemas visuais, os artefatos e as ideias buscam o inusitado, a realidade – a irrealidade social.
Sempre fiz apropriações em meus livros-objeto, como é o caso de “CunilínguaPátria (2017) – uma latinha de vaselina de poesia visual e verbal.
Em síntese, o ataque que houve a “Deslocamento”, feito por deputados e movimentos da extrema-direita bolsonarista, resultando na interdição e censura da mostra pela Assembleia Legislativa de Minas, tratou-se apenas de uma mistificação, com caráter eleitoreiro.
Mas escancarou o ódio obscurantista à arte e à cultura.
A nova edição de “Deslocamento”, na Casa de Jornalista de Minas – um ano depois da censura – com 150 pessoas presentes na abertura e grande visitação posterior, mostra que a ignorância jamais conseguirá vencer a arte e as ideias.
Carlos Barroso – poeta, artista plástico, jornalista. Do grupo fundador das revistas CemFlores e AquiÓ. Coeditor da e-plaquete 2022.
Publicou: Poetrecos (Poesia Orbital/1997) e os livros-objeto: Carimbalas (2008); Sãos; Usura; Livraria (2010); 7 poemas de futebol&lirismo e 1 cancão iconoclasta (plaquete/2014); CunilínguaPátria – 69 poemas (2017). E o e-book 41 poemas contra (2020). Todos pela Edições Cemflores.
Participou das mostras: Coletiv4 (UFSJ/2015); Ocupação Poética (UFSJ/2017); Além da Palavra (Biblioteca Pública/BH/2018); minimasminas (Café Kahlua/BH/2018); Além da Palavra2: Casa dos Contos/Ouro Preto (2018) e Centro de Memória/Faculdade de Letras UFMG (2019). E Deslocamento (Assembleia Legislativa de Minas Gerais/2022), mostra que foi censurada pela ALMG após ataque de fascistas. A exposição foi reinstalada em 18 de setembro (até 2 de outubro) na Casa de Jornalista de Minas, em um ato de protesto e desagravo à censura e ao obscurantismo.
Repórter político e cronista em jornais; repórter comentarista da Band/Minas; apresentador do programa Cena Política (BHNews). Prêmio Esso regional de Reportagem (2001). Presidente da Casa de Jornalista.