Cultura

Lançamento: “Desforra / poesia desunida 1988-2023″, Anelito de Oliveira | Anelito de Oliveira; Myrian Naves

Roteiro inicial para uma leitura da antologia poética do poeta brasileiro.

 

Myrian Naves

 

 

Silviano Santiago, Prêmio Camões de Literatura, escreve sobre “Desforra / poesia desunida 1988-2023“, publicação conjunta das editoras brasileiras Literíssima e Orobó Edições, é o título do livro que o poeta Anelito de Oliveira está lançando Brasil afora desde 7 de outubro, tendo seu primeiro lançamento em BH e, na sequência, em Brasília – DF, Rio e Salvador e em continuidade, oportunamente, em outros países de Língua Portuguesa.

 

Leia o trecho: 

 

“Desforra”, coletânea que dá título à “poesia desunida” de Anelito de Oliveira, oferece ao leitor, na abertura, verbete com os múltiplos significados da palavra “desforra”. Complemento-os lembrando a raiz etimológica do vocábulo. Pela margem sul do mar Mediterrâneo, a raiz é árabe. Forro é o indivíduo liberto da escravidão. Pela margem norte do Mediterrâneo, a raiz é francesa. Forro é o tecido que reveste internamente a roupa fina. A elegante e bela aparência da confecção se sustenta, é apreciada e recebe um valor de troca. (…) À luz da vida pública – o forro é secundário, ou invisível. Indispensável ao casaco que se costura, é negligenciado pelo Industrial e pelo Comerciante, esquecido pelo Comprador. O forro carrega o fardo do progresso material: “Você me quer agradecendo / A Deus por tudo o tempo todo. / Você me quer black is beautiful. / Você me quer muito feliz. / Você me quer tão estúpido, / Cínico, imbecil, / Como você, / Não é mesmo?” (Expectativas colonialistas). Que o forro seja desforrado!”

 

“ESCREVI SEMPRE, DESDE O INÍCIO, O CONFLITO”

“Desforra Poesia desunida 1988|2023”

 

Em 7 de outubro de 2023 Anelito de Oliveira deu por encerrada a produção programática de trabalhos de poesia.

 

Não é mais um livro de um dos autores mais profícuos da geração que começou a trilhar o caminho da literatura no final da década de 1980 ao ritmo da redemocratização do país e prosseguiu, ao longo das últimas três décadas, em meio às turbulências tantas que culminaram no fascismo bolsonarista.

 

Desforra apresenta reedição de todos os livros, plaquetes e trabalhos esparsos publicados pelo autor, no âmbito da poesia, a partir de 1991, bem como material que teve publicização apenas em suportes inusitados, como display de ônibus coletivo urbano, ou em leituras performativas em lugares diversos, além de uma gama de inéditos.

 

O alentado volume de 774 páginas, editado pela Literíssima em parceria com a Orobó Edições, disponibiliza para o leitor cerca de 70% da produção do autor, recorte que justifica em parte o subtítulo: o conteúdo foi arranjado pelo próprio Oliveira a partir de um critério de “desunião”, de conflitividade, de desarmonia.

 

“Escrevi sempre, desde o início, o conflito, o agon, mas não porque o quis, mas porque nunca pude escrever senão isso”, afirma o autor em Nota que assina na abertura de Desforra. O conflito, a desunião, tem sua motivação na vida social, precisamente nos inúmeros obstáculos impostos pelo racismo às pessoas negras por toda parte.”

 

O livro traz nada menos que 41 momentos de uma produção poética ininterrupta, a partir dos quais o leitor pode compreender o nascimento, adensamento, complexificação, esfacelamento e, finalmente, desencantamento de uma linguagem, um percurso que constitui, nos limites da lírica, uma narrativa prismática dos últimos 35 anos.

 

Ainda conforme a Nota do Autor, 

 

Desforra é o fim, desde o começo, de uma experiência do impossível, de dizer o que não se pode dizer, de calar o que nos obrigam a falar, de dar a ver, sempre na fronteira entre o ético e o estético, uma vida social preta”.

 

Com o livro, que estava previsto para sair em 2020, quando o autor completou 50 anos, mas não o foi em razão da Pandemia e do escancaramento do fascismo com o seu ingrediente racista no país, Anelito de Oliveira dá por encerrada sua dedicação programática à produção de poesia.

 

Três poemas de Desforra poesia desunida 1988|2023, Anelito de Oliveira

 

Escrevo contra minha própria letra

 

Escrevo

contra minha própria

LETRA

Sou

O que não consigo escrever

ser-escrever é impossível

escrever-ser é impossível

todo estrangeiro

é um bicho

todo estrangeiro

assombra

todo estrangeiro

é um negro

O que se é

está refugiado no que não

se consegue escrever

Escrevo

Contra minha própria

LETRA

Sou

O que não posso esquecer

 

A realidade

 

A isso chamo

Realidade.

Ao que está diante de

Mim. A isso

Chamo o que não

Está em mim.

A mim, chamo

Eu. Ao contrário

Do que me acerca.

Não porque me

Acerca, mas porque

Não me acerca.

Acerca-me e não

Me acerca.

A realidade. A

Isso chamo a

Distância – ó

Indefinível distância.

À distância mais

Próxima, chamo

Nome. À distância

Mais distante,

Chamo mundo.

Sou e não sou isso.

A realidade.

O desejoso

 

Desejoso de alturas –

A vida te derruba

te afronta te afunda –

 

Desejoso de lonjuras –

A vida te aprisiona

Te afoga te degola –

 

Desejoso de venturas –

A vida te entristece

Te desola te detona –

 

Depoimentos sobre DESFORRA

 

Alguns dos autores mais importantes na literatura contemporânea se manifestam sobre Desforra poesia desunida 1988|2023.

 

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“A poesia de anelito é ramo de oliveira no dilúvio das letras. liberdade sobre palavra de paz na adâmica ventura e grafar o afro. Poesia complexa na completude de 35 anos, luta de luther, breathing sob o joelho do guarda da esquina, aforamento das foranias perdidas.”

 

Angelo Oswaldo de Araújo Santos, Jornalista e Curador de Arte, Prefeito de Ouro Preto,

Membro da Academia Mineira de Letras

 

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“Na diversidade de sua produção, existem, contudo, fios condutores. Um deles é a desforra, que dá o título a este volume: escrever como uma reparação, um acerto de contas, para afrontar, para enfrentar o inimigo, para protestar e denunciar.”

 

João Almino, Romancista, Membro da Academia Brasileira de Letras

 

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“No forro se escondem dos olhos a força e a graça do trabalho do forro, seu desespero e derrota. A impossível vitória. Passados 135 anos da assinatura da Lei Áurea, a etimologia africano-europeia de desforra reitera sua novidade revolucionária.”

Silviano Santiago, Escritor e Ensaísta, Prêmio Camões de Literatura

 

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“Nessa busca infatigável pela própria identidade de seres à margem, este livro mostra que a condição de escravizado só mudou a aparência, mas continua a mesma em novos cenários.”

Antônio Sérgio Bueno, Crítico literário, Ensaísta, Professor da UFMG-Universidade Federal de Minas Gerais

 

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“A destituição do lugar do eu, da afirmação de peito cheio que nos conforta no mundo da alienação, é destronada na crítica ao ego burguês pelo poeta (“o eu é a privada nojenta da burguesia”).”

Jardel Dias Cavalcanti, Historiador, Poeta e Editor, Professor da UEL-Universidade Estadual de Londrina

 

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“uma festa transgressiva que põe em transe determinadas meditações de Achille Mbembe. A crítica da razão negra, o raciocínio de base racial, são levados ao rubro quando atravessam a fundição de Ogum dos poemas de Anelito de Oliveira”.

Ronald Augusto, Poeta, Letrista e Ensaísta, Mestre em Teoria Literária pela UFRGS-Universidade Federal doj Rio Grande do Sul

 

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“Em Desforra, o poeta, sem folclorizar, utiliza-se de um saber ancestral e diaspórico da comunidade negra, que vem, milenarmente resistindo e cozinhando em fogo brando a empáfia do homem branco”

Raimundo Carvalho, Poeta, Tradutor e Ensaísta, Professor da UFES- Universidade Federal doj Espírito Santo

 

Foto de Anelito de Oliveira

Anelito de Oliveira, poeta brasileiro, nasceu no sertão mineiro em 1970. Doutor em Literatura Brasileira pela Usp, Pós-Doutor em Teoria Literária pela Unicamp, Mestre e Graduado em Letras pela UFMG, onde atualmente é Professor Visitante de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Editou o Suplemento Literário de Minas Gerais (1999-2003) e a Revista Orobó. No espaço digital, criou e edita a revista Sphera Habitações do Encantado, o Podcast Fanon Blues, o Canal Diário Negro e o Canal Revista Sphera, onde coordena o programa A partilha do poético. Publicou – como autor, co-autor, editor ou organizador – dezenas de livros em gêneros discursivos diversos, além de trabalhos científicos, culturais e literários em periódicos brasileiros e estrangeiros.

Myrian Naves, poeta brasileira, escritora, editora e professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Em comemoração ao Centenário do escritor José Saramago em 2022, organizou a antologia de contos inéditos “Todos os Saramagos”, com autores brasileiros e portugueses pela Páginas Editora, juntamente com a editora Leida Reis. Publica em 2023, “Monami”, poema, pela Páginas Editora. Faz parte do Conselho Editorial de InComunidade. Participa de publicações em revistas, em antologias, eventos literários. Criou a Cantaria, artes e ofícios, nas relações entre literatura, artes e educação.

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