Cultura

Conto capital | Demétrio Panarotto

Ilustração de Victor Zanini

 

Aquele velhinho sentado na área da casa, com camiseta regata à mostra, pijama listrado (uma lembrança sonolenta dos filmes que retratam os campos de concentração nazistas), meia de lã, chinelo fechado, chapéu, aguardando o próximo atendimento da enfermeira que veste uma roupa sovada na palidez repetitiva e austera, é o mesmo rapaz que com trinta e poucos anos aceitou as injúrias do capital e trabalhou como manda a cartilha, e por conta dos louvores aos seus esforços pode dar aos filhos as escolas particulares bem conceituadas da região, inclusive de idiomas, professores da melhor estirpe (com aulas em casa quando necessário), as melhores roupas, viagens e passeios aos lugares onde os cartões de crédito e postais reluziam, mas que, por conta do labor enfiado no meio das pernas, na maioria das vezes teve dificuldades de estar com eles nas datas importantes que a vida fulgurava, sendo, na labuta do tempo, apenas uma mola financeira que poucas vezes fez parte dos encantos oferecidos nas idiossincrasias do dia a dia. 

 

Os filhos cresceram e aprenderam a lição no exercício especulativo da vida e a partir de um momento em que o peso dos corpos cintilou nos olhos, os ensinamentos se tornaram prática – a vida é feita de exemplos, não de palavras –, colocaram o pai na melhor residência geriátrica da cidade, com os melhores profissionais, atendimento vip plus action gold, com massagistas, fisioterapeutas, psicólogas, fonoaudiólogas e mimos contratados para serem entregues com lacinhos nas datas festivas e com frases emotivas retiradas de livrinhos para emocionar pessoas idosas que vivem em casas geriátricas. Os filhos, por conta da rotina agitada e controlada, passam para visitá-lo quando os movimentos estonteantes da vida permitem (praticamente nunca, pois aprenderam com o pai que não devem se descuidar da conta bancária). No final da história, bem no fundo do corredor, entre perdedores e perdedores, o dinheiro sacode imponente como uma flâmula no mastro mais alto e tanto pai quanto os filhos têm para comemorar e brindar, somente, a busca que sempre esteve rodeada de uma surda, cada vez mais surda, experiência sem laços, em que o filho fala do pai como se fosse passado e que o pai fala dos filhos que não conheceu.

 

Demétrio Panarotto (1969 – ) nasceu em Chapecó SC. É um músico, compositor, pesquisador, professor e literato brasileiro. Paralelamente a uma carreira musical com a Banda Repolho e projetos alternativos, louvados pela sua originalidade e irreverência, desenvolve atividades como acadêmico, palestrante e escritor. Publicou vários livros de poesia e prosa que lhe valeram o reconhecimento como um dos nomes de destaque da nova literatura do estado de Santa Catarina.




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