Não haverá nunca estrela diurna que amorteça
a amputação de um amor grande demais
observar um pedaço de palmeira
pavoneando-se na boca de um cão
confiando aí a filosofia toda
forçar um pouco a fome para que daí venha
uma parábola de início.
I keep seeking the exit or the home
de qualquer ponto pode irradiar o gérmen grego
com que tocar o mundo.
(in Peixe Voador, Labirinto, 2022)
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Imunizámo-nos sob a transformação das casas
corpos de linguagem infinita altamente transmissível
foi sem pudor que habitámos a distância e fizémos elegia
do nosso sentido catapultado para dentro
agora resistimos à fissura que devolve a circulação ao mundo
e reivindicamos a poética dos nossos lugares antologia
onde fundámos a forma elástica de nos ser
o modo silêncio ebulição
estímulo procriação
um dueto de sopro e cordas que semeámos
para ser o vento. a tempestade.
(in Peixe Voador, Labirinto, 2022)
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In memoriam:
saber sem prece cair a pique
dando peito e costas ao poema que é
souvent, um poço áspero com fundo
a ferida engomada e defumada em metáfora
porque isto de ser chaga à luz do dia
sem veludo a amansar a retina
é uma ilegibilidade de mármore a
irradiar entre fissuras
acordar um dia com o frasco de diluente
vazio nas mãos, aceitando a besta
o veneno, o fogo posto, a eternidade
de que há raízes antigas prontas para romper
a terra abrindo espaço ao sulco mínimo onde poisar
ao de leve, a cabeça.
(in Peixe Voador, Labirinto, 2022)
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Toca-se só por aproximação
no espectro mais amplo da luz natural
como uma variante esquecida
de pavor disciplinado
a morder a boca de Aquiles
calcanhar órfão do sintoma original
os antigos chamar-lhe-iam vesânia
um relógio que balança, uma batida repetida
uma outra vaga de choque vertendo ironia pélvica
na modulação da pergunta até ao êxtase oracular
como rastrear a perda até à era glacial?
parece quase inumano
que se possa criar um intervalo assim
que se possa até preenchê-lo de música
e enganar as corujas com limonada caseira
Antígona regressando a Tebas ou a regra invisível
da sublimação. poder tudo pela coexistência de estados
enquanto as barragens divergem da seca
e a dor perde a pulsão de morte.
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Cortejava manifestações de mundo
numa alquimia de semi-deus
quanta cisma sob a oliveira para
se arredondar na conclusão de que cada
dia é necessário à insubmissa derivação
somos tudo o que podemos divinamente ser
um gigante silêncio aflui às penas de
um rouxinol e numa inversão de alvorada
tomba, alargando o futuro.
Rita Pitschieller Pupo (Lisboa, 1981) Gosta de viver perto do mar. Licenciada em Ciências da Comunicação na Nova FCSH, estudou formação de actores na ESTC, literatura e escrita criativa em diversos fóruns. A par do trabalho em comunicação lecciona o Seminário ‘Estados criativos e expressão poética no processo psicoterapêutico’ na APPSI – Associação Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica, onde é também curadora do Centro de Criação Psicanalítica. Tem poemas publicados em revistas literárias e publicações online em Portugal e no Brasil. Em Maio de 2022 publicou o livro de poemas ’Peixe Voador’, pela Editora Labirinto.