Cultura

Cegueira branca | Suely Bispo

SARAMAGUIANA

 

A humanidade parece mesmo cega

Em tempos de luto

Nem mesmo a morte

é capaz de fazer enxergar

além da cegueira branca.

 

***

 

CEGUEIRA BRANCA

 

Triste o dia em que a Cegueira se instalou por completo para a humanidade. Ela já vinha se processando há bastante tempo. Não falo da cegueira preta, uma deficiência visual individual, pertencente apenas a alguns seres. Falo daquela cegueira branca coletiva saramaguiana, como naquele romance. Conhece? Como um prenúncio desse dia, o grande escritor português a narrou magistralmente. Depois até virou filme. Não era uma cegueira qualquer. Era mais perigosa que a preta, porque era contagiante. Altamente contagiante. Atingia além dos olhos, também o espírito.  Fazia as pessoas se matarem umas às outras. Elas não conseguiam mais se entender. A Torre de Babel também estava instalada. Definitivamente! E como ela se divertia e ria. A Cegueira Branca e a Torre de Babel juntas ganharam força e autonomia. Elas se divertiam muito e sentiam prazer em ver o Circo pegar fogo. Seres humanos não sabiam mais o que fazer, nem como se comportar socialmente. A Educação também tinha ido embora. Não aguentava mais seres humanos. E foi-se embora dizendo: “Não aguento mais tanta mediocridade e idiotice de vocês! Estou tentando há séculos! Milênios!” Depois que a Educação partiu aí não teve mais jeito. A Degeneração Moral tomou conta e a Barbárie também para completar o estrago. Perdidos, humanas e humanos não sabiam mais para onde ir. A Comunicação também estava comprometida, apesar dos avanços tecnológicos, a Torre de Babel era cada vez mais forte. A Mentira passou a ser conhecida mundialmente como uma tal de Fake News. Ela só quer ser chamada assim. Diz que é mais bonito falar inglês. A Mentira colonizada é um caso sério. Mais recentemente ela criou parceria com o Whatsapp e os dois juntos viralizam a Mentira em poucos minutos. Tudo foi ficando cada vez mais confuso. Até que a Cegueira se fez clarão. Uma parte da humanidade sempre achou a cor branca o máximo e a buscavam como se ela fosse a Salvação. Esqueceram que o Deus branqueado Cristo nasceu preto. Humanos só veem o que querem, quando querem. Triste fim da humanidade quaresma. Lima Barreto também estava certo. Escritores são profetas.  

Suely Bispo é atriz e poeta brasileira. Integra o Grupo de Teatro Experimental Capixaba (GTEC). Formada em História e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito Santo. Autora dos livros Resistência negra na grande Vitória: dos quilombos ao movimento negro, e na poesia Desnudalmas e Lágrima fora do lugar. O próximo livro de poemas será publicado brevemente.

 

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