Da água estagnada espera veneno
William Blake
1
No lago contaminado
Sapo algum coaxa
Brilha ao fundo a usina
No lago contaminado
As moscas devoram a rã
Escorre pelas margens o glifosato
2
Lago contaminado
Mergulhado em silêncio
A autoestrada, ruidosa, ao lado
Lago contaminado
Afogado em silêncio
Vazio o seu líquido ventre
3
O lago poluído
& o céu cinzento (nublado)
Entreolham-se, consternados
Sobre o lago contaminado
(chumbo / ácidos / mercúrio / bário)
Rumina um céu plúmbeo, pesado
4
Animais sedentos (pom-
bos, cães, cobras)
Agonizam em suas bordas
Um urubu pondera
Pousado na estrutura metálica
(o + próximo do que é uma árvore)
5 — Interregno
[Da Água]
Lago ferido de morte:
O vômito das indústrias
O escarro das casas
[Estagnada]
Lago ferido de morte
(rejeitos — esgotos — dejetos):
o excesso de nossos abcessos
[Espera]
Lago ferido de morte
Em estado terminal
Picado pela seringa dos hospitais
[Veneno]
Lago ferido de morte:
Na epiderme
O arco-íris do óleo
6
Sapo algum coaxa
Vida nenhuma
Em nenhuma parte
Rafael Nolli é natural de Araxá, MG. Professor, formado em Letras e Geografia. Publicou livros de prosa e poesia, com destaque para Gertrude Sabe Tudo (obra infanto-juvenil de 2016), Isca (poema, 2022) e Achados & Perdidos (Prêmio CEPE Nacional de Literatura, 2021; Prêmio Glória Pondé, 2023).