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“ASSIM NÃO VALE”: A MAIS VALIA DA POESIA!, de Nic Cardeal e quatro poemas de Noélia Ribeiro | Myrian Naves, Noélia Ribeiro, Nic Cardeal

“ASSIM NÃO VALE”: a mais valia da poesia!” e quatro poemas do livro, de Noélia Ribeiro

 

Myrian Naves

Nic Cardeal

Noélia Ribeiro

 

“Assim não vale” (Arribaçã, 2022)

 

As décadas de 70, 80, 90 no Brasil nos trazem à Brasília da época, à geração mimeógrafo, à poesia marginal, ao rock, aos poetas de Brasília e até nos trouxe a uma musa, a poeta Noélia Ribeiro neste seu momento de vida e poesia.  

 

Renato Russo cantava certa música para aquecer a garganta antes dos shows da Legião Urbana. Gravou a canção, uma homenagem a Brasília, “Travessia do eixão”, do poema de Nicolas Behr, poeta que simboliza bem a poesia da cidade desde a década de 70, 80, utopias e ideais, resistência. A canção era do repertório do grupo Liga Tripa, segundo Noélia, em entrevistas. Está no álbum “Uma outra estação” (1997), último disco de estúdio do Legião Urbana e que foi lançado após a morte de Renato Russo. 

 

Nicolas Behr criou o poema para ela. Noélia Ribeiro e Renato Russo se conheciam antes da Legião existir, era a época do grupo Aborto Elétrico. Era a cena de Brasília, seus poetas, o rock e a cidade. Davam o tom à juventude da época.  

 

Brasileira, pernambucana, Noélia Ribeiro é radicada em Brasília. Formada em Letras, com especialização em Português e Inglês pela UnB. Publicou “Expectativa” em 1982, “Atarantada”, pela Verbis, em 2009, “Escalafobética”, pela Vidráguas, em 2015, “Espevitada”, pela editora Penalux, em 2017. Em 2022 lançou “Assim não vale”, pela Editora Arribaçã. 

 

Em 2017, Noélia participou da exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural no Rio de Janeiro. Integra a antologia “As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira”, da Arribaçã, em 2021. Tirou o quinto lugar no Prêmio Off Flip 2022, em Poesia, com o poema Abelha-Rainha. Tem poemas publicados em antologias e revistas digitais. É membro da Associação Nacional de Escritores ANE-DF e da União Brasileira de Escritores – UBE-RJ.

 

 

Noélia Ribeiro organiza e apresenta semanalmente a live “A Fim de Poesia”, no Instagram, recebendo poetas que se apresentam e dizem seus poemas ao público das lives. O programa organiza informalmente  um painel da poesia brasileira contemporânea, com poetas de várias regiões brasileiras.

 

Em 16 de novembro nos encontramos em Brasília, na Embaixada de Portugal, era o Centenário de José Saramago e Noélia esteve no lançamento da nossa antologia de contos, “Todos os Saramagos”, da Páginas Editora. Almoçamos no domingo e se juntou a nós outra amiga mineira, também radicada em Brasília. Conversamos sobre a cidade, a poesia, sobre a posse no primeiro dia do ano e contei um pouco das  minhas férias na cidade, década de 70, 80, a convite de meus tios, radicados lá. Compramos livros e fui convidada à casa da Noélia para um café e bolos deliciosos. Falamos sobre o novo livro de poesia, “Assim não vale”, de seu programa de entrevistas e autografamos livros. Assistimos à Rádio Cairo. Fui mimada e paparicada “na casa da Noélia”. Tarde deliciosa. Fico bem satisfeita de escrever sobre isso, afinal, Nóelia, quem não o faria? Posso dizer que me senti um tantinho mais brasiliense. 

 

“ASSIM NÃO VALE”: A MAIS VALIA DA POESIA!

 

Nic Cardeal

 

 

 

“ASSIM NÃO VALE”, o novo livro da poeta Noélia Ribeiro (Editora Arribaçã/2022) chega-me às mãos como uma rajada intensa de realidade interpretada com enorme perspicácia – mesmo quando o imaginário a pincela lá e cá das tinturas próprias do ‘fazer poético’ – de forma que não há como ficarmos alheios aos sentidos, sentimentos e emoções que ultrapassam para as entrelinhas da palavra. Não há como negar: ao lermos Noélia, Gaston Bachelard ecoa: “a linguagem poética, quando traduz imagens materiais, é um verdadeiro encantamento de energia”!

 

Noélia nasceu para a Poesia (sim, maiúscula!), porque possui nas mãos – tanto as que seguram o lápis, a caneta, ou percorrem o teclado; quanto aquelas ‘mãos da alma’, que procuram no imaginário [e encontram] os exatos sentidos das diversas dimensões poéticas – aquelas inerentes aos melhores operadores da palavra!

 

Sim. Ela sabe como dizer do cotidiano, das dores do cotidiano, dos amores da vida real (“Eu já disse que não há amor por aqui.”), e da vida ideal (“Branca de Neve acreditava na magia das fadas,/ na dulcíssima macieira, na retidão do caçador.”), das incongruências, dos paradoxos, e dos percalços do caminho (“A TV aponta milhares de mortos pelo vírus.”), porque Noélia é daquelas Mulheres praticamente esculpidas em poesia!

 

Há realidade nua e crua na poesia de Noélia. Também há reflexão filosófica sobre a existência. E o olhar atento, fora do espaço e do tempo, que perscruta mundos outros pelo ‘telescópio ultradimensional’ da intuição poética – por onde [o mesmo olhar] ultrapassa as fronteiras da consciência e alça voo rumo àquela peculiar ‘liberdade entre mundos’ somente sentida pelos Poetas!

 

Noélia se visita na quarentena: “Encontro-me diante de mim./Há muito não me visitava.(…)”. Conhece a linguagem do amor, “dos amares”, dos amores; reconhece aqueles que se camuflam em “alazões”, mas violentam as amantes – e alerta: “Quando deles emerge o monstro/de gigantescas patas que nos violenta/o corpo e a humanidade,/ninguém acredita em nós.” Possui destreza na narrativa, tanto como protagonista, quanto como personagem do ‘filme’ que se desenrola no imaginário do leitor.

 

Há resistência inerente em suas veias, nos veios por onde desaguam seus versos, embora impossível ao leitor deixar de sentir suas tantas dores (desvendadas no decorrer das páginas): as dores dos sentimentos, as dores das memórias, as dores do outro (que lhe doem como suas, pois não passa neutra a palavra diante dos opressores do mundo!). Porque “viver não tem nome próprio”, viver são todos os nomes ou ninguém – um viver originalmente plural, ainda que em modo ‘mute’: “eu/tu/ ela/ nós sem/ voz/ ELES”. E, sabemos bem, mesmo quando sem palavras, os poetas são ‘pescados’ por elas – as palavras: anzóis dispersos pelo limbo, à espera da ‘presa’:

 

 

 

“Não tenho palavras. Nunca as tive.

 

Soberanas, elas me têm. Atiram-se à minha frente

 

e desviam minha atenção no trânsito.

 

Tergiversam. Vaticinam.

 

Regozijam-se de meu tormento.

 

Espalhafatosas, subvertem minha atração

 

por elas com seus piripaques e faniquitos.

 

De madrugada, despertam-me

 

aos sopapos, sem pena:

 

Levanta! Endireita-te!

 

Vai fazer poema!” (*)

 

 

 

[(*) Lexicocracia”, Noélia Ribeiro, in: “Assim não vale”, p. 80]

 

 

 

Sim. “Assim não vale” traz consigo a ‘mais valia’ – o aumento do ‘valor’ do bem maior de Noélia: a Poesia! Afinal, já disse Gaston Bachelard: “Uma realidade iluminada por um poeta tem pelo menos a novidade de uma nova iluminação”!

 

Quatro poemas do livro “ASSIM NÃO VALE”

 

Noélia Ribeiro

 

ASSIM NÃO VALE

 

O gerundiar das ondas

indo e voltando,

em oposição ao particípio de viver.

O mar fluindo em tons de 

azul, desidentificando-se com os 

estampidos presos à memória.

O mar contando histórias.

 

Não vale a vida comprimida.

Não vale ter os ombros curvados ou

a febre irrompida pelo peso do mundo.

 

Aquiescer ao particípio da existência

até o gran finale, sem compreender 

o gerúndio das marés, não vale.

Assim não vale

 

QUARENTENA

 

Encontro-me diante de mim.

Há muito não me visitava.

Carecia mesmo de polimento

a mobília coberta de teias.

O predador enfastiado,

em região remota do cérebro,

interroga-me. Do quarto 

para a sala, da sala para o quarto,

delineio passado e presente, 

até que a porta de casa se abra

ao festejo dos mascarados.

 

Neste dia, não pisarei

a grama como antes.

Superar a si mesmo

oferece perigo semelhante.

 

PAIXÃO PELA PAIXÃO

 

O apaixonado entra no mar

sozinho, cego ao objeto, que,

esquecido entre as pedras, espreita-o.

A onda incita o prazer.

A espuma ameniza o desassossego.

A suposta metade, deitada na pedra,

sucumbe ao calor, enquanto ele

brinca na água como um garoto.

Ao seu coração entusiasta

o espelho cristalino basta.

 

Imiscível, a paixão prescinde do outro.

 

TODOS NA TUMBA COM BUKOWSKI

 

Charles, ninguém se importa com você.

Seu poema não importa.

Nem a lama nos sapatos do jovem

que acaba de fugir de casa e

tem nas mãos um pássaro 

com a perna quebrada.

Observo da janela da sala: 

ninguém se importa com eles.

Você não sabia?

A cerveja que busco na geladeira, derramo-a 

em dois copos e, solitária, brindo ao amor.

Que importa se os transeuntes 

deixaram os olhos em casa?

 

Fotografia de Noélia Ribeiro 

A pernambucana Noélia Ribeiro mora em Brasília. Formada em Letras (Português e Inglês) na UnB, a poeta publicou Expectativa (1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015), Espevitada (Penalux, 2017) e Assim não vale (Arribaçã, 2022). Em 2017, participou da exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural (RJ). Integra a antologia As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira (Arribaçã, 2021). Tirou o quinto lugar no Prêmio Off Flip 2022 (Poesia), com o poema “Abelha-Rainha”. Tem poemas publicados em antologias e revistas digitais. É membro da Associação Nacional de Escritores (ANE-DF) e da União Brasileira de Escritores (UBE-RJ). Noélia organiza e apresenta, semanalmente, a live A Fim de Poesia, no Instagram: @noeliaribeiropoeta.



Fotografia de Nic Cardeal

Nic Cardeal (Eunice Maria Cardeal), catarinense radicada em Curitiba/PR, graduada em Direito, é autora de Sede de céu – poemas (Penalux, 2019). Já publicou textos em 43 antologias e coletâneas. É integrante do movimento Mulherio das Letras desde a sua criação. Seus escritos estão compilados na página Escrevo porque sou rascunho (Facebook). Possui textos em várias revistas e blogs eletrônicos. Atualmente também publica, como autora e colaboradora, na revista eletrônica Ser MulherArte.



Fotografia de Myrian Naves

Myrian Naves, brasileira, mineira de Belo Horizonte, poeta, escritora, editora e professora de Literatura Brasileira. Em comemoração ao Centenário do escritor José Saramago em 2022, organizou a antologia de contos inéditos “Todos os Saramagos”, de autores brasileiros e portugueses pela Páginas Editora, juntamente com a editora Leida Reis. Publica em 2023, “Monami”, poema, pela mesma editora. Faz parte do Conselho Editorial de InComunidade. 




 

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