Sociedade

A ética etílica | Egídio Trambaiolli Neto

O campeonato de Fórmula 1 de 2021 foi um dos mais eletrizantes de toda a história do automobilismo, mas manchado pelos que deveriam zelar pela lisura e a imparcialidade. Situações como vistas grossas a atos que poderiam ter consequências gravíssimas para os pilotos foram negligenciadas, regras foram ignoradas, pesos e medidas diferentes aplicados. Por quê? Aqui residem várias dúvidas: alguns alegam corrupção, outros apontam racismo e os mais cautelosos resumem a incompetência gestora.

 

Meu papel aqui não é o de criticar o piloto A ou B, todavia, quando um campeonato deixa de ser uma disputa, para se transformar em loteria, isso frustra, seja o vencedor ou quem ficou em segundo lugar, cria-se uma mancha que fica para a história, como ocorreu com Schumacher, Senna, Prost, Alonso e outros que excederam o limite da ética para conquistarem o que queriam e são sempre lembrados quando a ética é relevada ao segundo plano. 

 

Quem acompanha a modalidade, lembra-se muito bem do episódio que envolveu o chefe da equipe Renault, Flávio Briatore, e os pilotos Nelsinho Piquet e Fernando Alonso, no GP de Cingapura de 2018, quando durante a corrida, Nelsinho Piquet bateu propositalmente no muro para provocar uma situação da entrada do carro de segurança para que Fernando Alonso ganhasse a corrida. Uma vergonha! O episódio resultou no banimento de Briatore da Fórmula 1, a queda de Nelsinho Piquet no ostracismo e um mal-estar na permanência de Fernando Alonso. 

 

Em 2021 o resultado do campeonato, em especial da corrida de Abu Dhabi, também tornou-se polêmico, porque mudou seu foco, no lugar de se enaltecer o doce sabor da conquista para Max Verstappen, ficou o amargo gosto da desconfiança, pois a aplicação das regras pela metade, a permissão de irregularidades e alternância de decisões em momentos críticos, prejudicou Lewis Hamilton que dominou toda a corrida e venceria se a competição não se transformasse em uma infantil brincadeira de par ou ímpar. Muitas pessoas concordam que o correto seria aplicar a bandeira vermelha, após o acidente de Latifi, para que todos pudessem parar e largar em pé de igualdade, mas a opção foi fazer do circo da Fórmula 1 em um literal picadeiro, a ética tornou-se etílica, com decisões que pareciam ser tomadas por alguém que estava com o discernimento comprometido.


Por várias vezes o esporte foi cercado por situações vergonhosas, quantos atletas foram banidos por doping? Quem não se lembra de Ben Johnson, o atleta canadense que perdeu sua medalha olímpica de ouro, em 1988, por recorrer ao uso desleal de drogas? Neste caso, a escolha de utilizar substâncias ilícitas foi do velocista; portanto, merecida a punição. Ou do caso do brasileiro João do Pulo, que nas Olimpíadas de Moscou, em 1980, teve dois saltos que lhe dariam o ouro anulados pelos juízes soviéticos para que dois atletas da Rússia conquistassem o ouro e a prata. João do Pulo ficou com o bronze, mas a imprensa internacional especializada denunciou a manipulação. Como na época a tecnologia não era tão desenvolvida para se apurar a validade dos saltos, ficou o dito pelo não dito, mas as conquistas foram manchadas pela atitude dos juízes e fiscais da competição.


Não há dúvidas de que existe deslealdade nos esportes, ao menos, isso não é frequente. Na Copa do Mundo da Argentina, em 1978, o Brasil caiu graças a um ato antidesportivo em um jogo que o Peru entregou para a Argentina, numa sonora goleada de 6 a 0 em favor da equipe da casa, o resultado classificou, pelo saldo de gols, os argentinos e desclassificou os brasileiros. Contudo, há também situações em que a lisura do competidor nos surpreende, tal atitude é classificada como fair play, um exemplo ocorreu na Copa da Liga Inglesa. No transcorrer da partida, o atleta Clive Clarke teve um ataque cardíaco e o jogo foi cancelado. Na oportunidade, Leicester perdia para o Notthingam Forest por 1 a 0. Pelo regulamento, um novo jogo foi realizado, iniciando com o placar em 0 a 0, todavia a equipe do Leicester permitiu que o goleiro do Notthingan Forest fizesse um gol para que o jogo voltasse a ter o placar correto. Um comportamento dos mais louváveis e que denota o espírito esportivo da equipe inglesa do Leicester.


Mas, como cada caso é um caso e cada cabeça tem sua sentença, a FIA – Federação Internacional de Automobilismo deveria assumir uma postura ética e amenizar o clima desagradável criado. De que forma? Bom, nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, o maratonista brasileiro Vanderlei Cordeiro da Silva liderava a maratona masculina, quando, após percorrer 35 km da prova, a 7 km da sua conclusão, Neil Horan, um ex-padre irlandês que habitualmente interrompia competições esportivas, o empurrou e atrapalhou seu avanço, quebrando seu ritmo e a concentração. Prejudicado, Vanderlei acabou com o bronze. O Comitê Olímpico Internacional, não podendo alterar o resultado por causa dessa adversidade, outorgou ao atleta brasileiro a medalha Pierre de Coubertin, a maior honraria dos Jogos Olímpicos. Seria esta a melhor solução? Não acredito, pois nesta situação, foi uma adversidade que interferiu no resultado, no caso do GP de Abu Dhabi de 2021, a falha maior foi da própria FIA. O que fazer, então? Uma solução poderia se inspirar no que aconteceu nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, no salto em altura masculino. Ao final da competição, os atletas da Itália, Gianmarco Tamberi, e do Catar, Mutaz Barshim, dividiram o ouro em um exemplo de respeito mútuo e espírito esportivo. Seria elegante se a FIA, sem apelos, assumisse sua culpa pelo desfecho do campeonato, fizesse o mesmo, desse o título de campeão aos dois pilotos, independente das controvérsias geradas durante o ano todo, seria mais ético, bonito, respeitoso e um exemplo para que a modalidade esportiva não seja mais uma vez manchada por atos inapropriados e a instituição carregar uma mácula de parcialidade para o futuro. Cabe à FIA salvar sua própria moral. 

O Prof. Egidio Trambaiolli Neto é um dos autores mais prolíficos da história dos livros impressos. Atualmente sua produção já excede as 680 obras, com publicações em diversas áreas, para todas as faixas etárias e em vários países, entre eles: Argentina, Chile, China, México, Portugal, Israel, Angola, Estados Unidos e República Dominicana.Entre seus trabalhos estão mais de 30 projetos educacionais em áreas como: Técnicas em Educação, Mecatrônica, Educação Tecnológica, Educação para o Trânsito, Ciências Aplicadas aos Estudos em Laboratórios, Tecnologia Aplicada às Ciências Naturais, Bullying, Jogos de Tabuleiro, Saúde, Cinema e Meio Ambiente.É também palestrante ativo, avaliador de projetos científicos e orientador de projetos aplicados às Ciências e Engenharia em Feiras Nacionais, como a FEBRACE – Feira de Ciências e Engenharia da Universidade de São Paulo e Internacionais, como a INTEL-ISEF – Feira Internacional de Ciências e Engenharia, com sede nos Estados Unidos.

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