Poemas | Henrique Dória
ALMA VERDE ESPIGA
Alma verde espiga
Balanceando ao vento
Campos perpétuos
Onde a minha alma não repousa
Saiu do meu corpo
Corre como uma lebre louca
Contra o mundo contra os males
Contra a podridão das peles
Contra a podridão das uvas.
Aiué ouvia eu na infância
E não sabia ler
Estrelas
Dentro dos meus olhos
Não há Deus
Só corações famintos
Janelas que se fecham mal se abrem
Muralhas que não se derrubam
Em catadupa
Para onde vais espiga
Que já não és verde?
Não te vês não te vendes
Simplesmente vais
E não consegues o fio
E o vento varre-te
Espiga que não se vê
Espiga que deixará de ser vista
Aiué espiga cheia de sangue.
***
PARA
Para
Nenhum caminho
Leva ao Paraíso
Nenhuma luz
Disseram-te as pedras vermelhas
E a sombra.
Para
Disse-te a Estrela Polar
Disse-te o Cruzeiro do Sul
Enquanto te sustentavas nelas
Com os teus pés perdidos
Palhaço dos céus
E riam os espectadores
Do teu equilíbrio instável
E ria o leão do Inverno
Quando metias a cabeça na sua boca
E ficavam flácidas
As tuas orelhas brancas
Que caiam de medo.
Ai
A vida morde.
A insustentável vida
A única vida
Fluido que passa
Torrente corrente
Menina pequena.
Ai
Não queiras dormir dentro da ânfora.
Caminha nada voa
Até que a noite fique
Encerrada nos teus lábios
Não pares
Até à estrada silenciosa
Que te leva ao Nada.
***
ROSA QUE DORMES DENTRO DE MIM
Rosa que dormes dentro de mim
O meu coração já não fala
Com outro coração
Está embriagado e triste
Porque passam as auroras
Passam os gelos
E tu não acordas para os meus lábios
Libélula vermelha ao vento.
Algum dia acordarás para mim
Com o sol e a brisa que ele traz
Com a música das tílias
Sobre o meu peito
Com as cortinas que se mexem
Ao som do oboé
Com o leito que te espera
Ardendo?
É advogado e colaborou no Diário de Lisboa Juvenil e nas revista Vértice e Foro das Letras. Tem quatro livros de poesia e dois de prosa publicados. É diretor da revista online incomunidade.com, e da radiotransforma.