Poemas de mar e mágoa
Não pretendo sugerir que fui quem mais te amou
Não posso controlar o destino de cada pássaro caído
Lembro-me bem de você no Hotel Chelsea
Então é isso, nem penso em você com tanta frequência
Leonardo Cohen
O mar é meu. Disse Ariadne
E adormeceu. Nunca sofreu
Pelo abandono de Teseu
Ou todo e qualquer menino
A todos: adeus, adeus
O mar é meu. Pensou Ariadne
Sua dança atiça estrelas cálidas
Entre as coxas
O mar é meu e lambo
As conchas
Como Janis Joplin lambia
O sexo de Leonard Cohen
No Chelsea Hotel
O mar é meu labirinto
Absinto
Vidro moído no coração
Som & fúria
Insubmisso e com mil
Caprichos
– O mar é meu
Geografia das praias:
Semicírculo de areia/pele
E lágrimas/ondas
Sabe o mar que a vida é triste, e chora
O belo amigo diz que meu olhar indígena tem beleza
Eu digo que minha superfície espanta
– A aridez de praia antiga lavada de ondas –
Praia selvagem de sol promiscuo
Praia deserta que quer ficar sozinha
Rasgar os mapas para que ninguém saiba que eu existo
Ou que, sabendo, tenha a coragem
De mergulhar no ambiente das algas raras
E dos cavalos marinhos.
No mar profundo que sou – líquido e livre
Pobre quem pensa que a paisagem é areia suja e ondas
Pobre quem é oco e coberto de argila de sal
Nunca alcançará o brilho que o infinito esconde
Mar Menor
Ela bordava arraias azuis em lenços brancos
Com as iniciais do amor
Tomás
Antônio
Gonzaga
Na fonte de Vila Rica delirava um oceano de arraias belas
Gonzaga via arraias nítidas em um barco bêbado rumo à África
Amor rasgado – Exílio
Bordo poemas na branca tela
Teu nome transfigurado em saudade
Bordo arraias azuis – amor que se confunde com as águas claras –
Somos refém de um exílio entre arraias azuladas
Teu nome encantado e tua ausência que cai
Feito fontes que jorram estrelas, a sussurrar:
O exílio mais cruel chama-se medo
O brinquedo
Retirei os olhos
Decepei braços e pernas
Retirei o som do choro
Deixei sem roupa
Cortei os cabelos
Pintei umas flores azuis
No abdômen
Atirei na enxurrada
Muitos anos atrás
Aquela boneca sangrada
Despetalada ao pé da sacada
Foi-se na última enxurrada
De um outono despreocupado
Não esqueci a maquinaria
O choro retorcido
Dentro do invólucro da pele clara
Aquele choro metálico
Quase humano
Ou, máquina feito eu
Que sinto agora a dor rascante
Da boneca que joguei fora
Quando rasgaram
Meus olhos
Meu sexo
Meu ventre
Meu choro
Meu coração
Meus braços
Pernas
E alma
Vivi a dor do brinquedo
Eu era uma criança
E nunca me perdoei
E não sei como se perdoa
Quem estraçalha
Uma mulher inteira
E a atira na enxurrada suja
Bate a porta na cara
E ignora
O brinquedo antigo
O brinquedo
O brinquedo


Bárbara Lia – autor da foto: Daniel Castellano
Bárbara Lia nasceu em Assai (PR). Poeta e Escritora. Publicou doze livros, entre eles: “O sal das rosas” (Lumme/2007), “A última chuva” (Mulheres Emergentes/2007), “Solidão Calcinada” (Imprensa Oficial – PR/2008), “Paraísos de Pedra” (Penalux/2013), “Forasteira” (Vidráguas/2016) e “As filhas de Manuela” (Triunfal/2017.). Integra várias Antologias, entre elas: “O que é Poesia?” (Confraria do Vento), “Amar – Verbo Atemporal” (Rocco), “Fantasma Civil” (Bienal Internacional de Curitiba) e “A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua” (Maputo). Destaque em Prêmios Literários, entre eles: Conc. Nac. de Poesia Helena Kolody (2006 e 2007), Prêmio SESC Literatura (2004 e 2005), Prêmio UFES (2009) e Prémio Fundação Eça de Queiroz – Portugal (2015). Vive em Curitiba.