Cultura

Napoleão e Josefina | Raquel Naveira

Napoleão é um personagem fantástico. Pensar que aquele pequeno general corso, determinado e ambicioso, desenvolveu uma carreira política de gênio militar, acumulando vitórias. Uniu-se aos monarquistas, burgueses de negócios e camponeses proprietários, para tornar-se primeiro cônsul, depois cônsul vitalício, até chegar a Imperador da França.

            Entre as grandes obras nacionais empreendidas por Napoleão constam o progresso econômico e a reforma tributária. Os seus tentáculos de poder já alcançavam quase toda a Europa, quando iniciou a invasão da Rússia. Meio milhão de homens seguiram para Moscou. Foram vencidos pelo fortíssimo inverno que se abateu sobre as tropas, forçando uma retirada que matou centenas de homens. Napoleão é obrigado a abdicar. Foi exilado para a ilha de Elba. Voltou e reinou por mais cem dias. Preso e exilado na ilha de Santa Helena, faleceu de câncer estomacal.

            Conheci a história de Napoleão através da leitura do livro “Desirée”, de Annemarie Selinko, um romance histórico, evocando fatos e personagens célebres com força prática e humana. Reconstitui todo o panorama da Revolução Francesa e do Império Napoleônico. As façanhas do par amoroso, Napoleão e Desirée, são narradas pela última em forma de diário. Desirée acaba se tornando rainha da Suécia ao casar-se com o General Bernadotte.     O livro é deslumbrante e vivo. Como meu coração jovem palpitou com o encontro e desencontro dos enamorados, com os bailes da corte imperial, com os lances das guerras e das despedidas. A certa altura, a autora nos apresenta Josefina de Beauharnais (1763-1814), a futura esposa de Napoleão, como uma mulher forte e sedutora, que amava as flores raras, as joias, os vestidos, as obras de arte. Descreve a coroação de Napoleão na Catedral de Notre Dame, em detalhes. O momento dramático e egocêntrico em que Napoleão arranca a coroa das mãos do papa Pio VII e coroa a si mesmo e, em seguida, coloca a coroa na cabeça de Josefina, proclamando-a sua rainha e imperatriz dos franceses. Mas em breve Josefina é acusada de estéril, de que não poderia dar um herdeiro à França e acontece o divórcio. Josefina se retira para seu lugar preferido, o Castelo de Malmaison, onde vem a falecer de pneumonia, depois de um passeio com seus trajes vaporosos e brancos, entre caminhos de hortênsias, numa noite gelada.         

 

As bonecas:

Dama antiga,

Bailarina,

Ficam trancafiadas a chave

Por trás do vidro,

Como numa nave cristalina

E há uma lamparina,

Um oratório,

Um jarro de opalina,

Uma cama de viúva,

Nem tão larga,

Nem tão fina

Em que ela cumpre sua sina

De ser velha

E ainda uma menina,

Meiga Josefina,

Estendida sobre dossel de prata,

Sentindo o perfume da mata

Onde as árvores têm tanta resina.

 

Tosse,

Tosse,

Deve ser o frio,

A saudade,

A morte,

Essa triste colombina.

 

            Impressionada com a leitura do romance, durante o sono, eu andava sonâmbula,  imaginando-me ora Napoleão, ora a própria Josefina a desfilar majestática pelo quarto. Minha irmã, testemunha ocular desses desvarios, contava e ria, olhando-me com medo.

           

            Sonhei que era Napoleão

            Como qualquer louco

            Que tem direito a seu sonho.

           

            Como Napoleão

            Sonhei com uma coroa,

            Um manto,

            Um naco de mundo entre os dentes.

 

            Como Napoleão

            Sonhei com palácios,

            Abelhas, lírios,

            Passeios num cavalo branco.

 

            Como Napoleão

            Sonhei com pirâmides,

            Tempestades de neve,

            Uma cama de campanha no deserto.

 

            Como Napoleão

            Acordei

            E não era dono de nada,

            De nenhuma ilha,

            De nenhuma bússola,

            De nenhuma glória.

 

            Como Napoleão

            Acordei e vi que tudo era sonho.

 

            Mais do que o Napoleão cheio de glórias, é o Napoleão fragilizado, envenenado pela sua própria ambição, destituído de todo poder, que me faz refletir sobre a grande ilusão do mundo, que nos cega e condena.

 

Fotografia de Raquel Naveira

A escritora Raquel Naveira é brasileira, nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Título de Doutor em Língua e Literatura Francesas pela Faculdade de Nancy. Deu aulas de Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Residiu no Rio de Janeiro e em São Paulo onde deu aulas na Universidade Santa Úrsula (RJ) e na Faculdade Anchieta (SP). Deu também aulas de Pós-Graduação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE)  e na ANHEMBI-MORUMBI de São Paulo. Palestras e cursos em vários aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Casa Mário de Andrade. Publicou mais de trinta livros de poesia, ensaios, crônicas, romance e infantojuvenis. O mais recente é o livro de crônicas poéticas LEQUE ABERTO (Guaratinguetá/SP: Penalux). Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado (MS), Jornal de Letras (RJ), Jornal Linguagem Viva (SP), Jornal da ANE (Brasília/DF), Jornal “O TREM” (MG). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras de São Paulo, à Academia de Ciências e Letras de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil.

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