Editorial
O afecto como diferença é uma ponte e nunca um abismo. A amizade como propósito fraternal é a comunhão dos afectos e não um precipício para a traição. A generosidade o genoma comum, a constituição genética da bondade, da solidariedade, da cooperação, do companheirismo.
Um dia, fui confrontado com a afirmação de um indivíduo, cujo rosto esqueci, de que em literatura não há amizades mas sim concorrência, competição, disputa, como se a experiência artística em si fosse um programa para a mais vil rivalidade. Nesse pequeno instante, o mundo desabou e fiquei soterrado nos escombros da falsidade enquanto plano para a ribalta da hipocrisia. Soergui-me, limpei o pó da decepção, as farpas do desapontamento e ainda não tinha dado dois passos já o Sol me iluminava com a sua confiança na existência de uma consciência do bem.
A loucura privada e a paixão pelas sombras não são sinónimos de genialidade incompreendida nem o exercício caótico da escrita uma arma de irrigação do ódio e da frustração de quem se quer exibir no palco do reconhecimento tutelar e não passa das margens mais obscuras e grotescas da criação artística.
Estes episódios são mais comuns do que se possa pensar. A diferença criativa e artística deve aproximar e não afastar os seus protagonistas. Todos seremos poucos para combater o que nos pode aniquilar: os fascismos nas suas distintas expressões. Ora a cultura da putrefacção no seu esbanjamento de banalidades só favorece a ampliação grotesca da disformidade que se disfarça no palco democrático. O exercício de intriga, de insídia e da cilada dos moribundos é muito mais virulento do que a crítica avassaladora dos vivos. É contra esta palpitação glandular da inveja, a que conduz a consciência de impotência, que se deve lutar com os utensílios artísticos e criativos de todos os seres que se lançam no infinito da idealidade para o bem comum. Para que não se confunda a defecação de cometas com chuva de estrelas. Não basta dizer que se está contra a barbárie, quando a prática da barbárie começa logo na afirmação abjecta de que em literatura não há amizades. Não basta afirmar a importância da libertação do ressentimento do passado, quando se vive ressentido no presente sem qualquer ideal.
É neste sentido que a revista InComunidade celebra a diferença estética de todas as tradições culturais sob o mesmo pavilhão ético do reconhecimento do outro como irmão planetário e universal.
Luís Filipe Sarmento nasceu em Lisboa, a 12 de Outubro de 1956. Jornalista, Escritor, Tradutor e Realizador de Televisão. Alguns dos seus livros e textos encontram-se traduzidos em inglês, espanhol, francês, italiano, grego, árabe, mandarim, japonês, romeno, macedónio, croata, turco e russo. Produziu e realizou a primeira experiência de Videolivro feita em Portugal no programa Acontece para a RTP (Radiotelevisão Portuguesa).Coordenador Internacional da Organization Mondial de Poétes (1994-1995).Membro do International Comite of World Congress of Poets. Presidente da Associação Ibero-Americana de Escritores (1999-2000). Coordenador para Portugal da World Poetry Movement. Participou em mais de 100 festivais, congressos e feiras internacionais.