Da Pop Arte à transvanguarda dos anos 1980
POP ARTE (pop – abreviatura de popular)
Nos primeiros cinquenta anos do séc. XX, impuseram-se os grandes movimentos da vanguarda artística, nomeadamente o expressionismo, o fauvismo, o cubismo, o futurismo, o dadaísmo, o surrealismo e o abstraccionismo. De um modo geral, sempre se manteve uma ligação a estes movimentos, mesmo em períodos de grandes mudanças, como aconteceu na segunda metade do séc. XX. Foram casos isolados, não integrados em grupos ou movimentos reconhecidos pelo mercado, e, talvez por isso, originais.
Após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a tendência estética que dominava na Europa era o informalismo, (que abarca o abstraccionismo e o gestualismo), a par do expressionismo abstracto na América. No final dos anos 1950, a pop arte afirmou-se com grande êxito em Londres e Nova Iorque e veio a ocupar um lugar de enorme relevo nos Estados Unidos, superando, talvez, o que também alcançou o expressionismo abstracto.
Já houve quem considerasse a pop arte como uma tendência neo-dada, mas o seu vínculo à matriz dadaísta é mais aparente do que real. Se Dada sacraliza o efémero, elevando o objecto industrial (ready made) à categoria de obra de arte, atitude irónica e conceptual em forma de protesto contra uma “falsa” civilização, que os dadaístas viam como responsável pela absurda Primeira Guerra Mundial, a pop arte recupera frequentemente o ícone, de significado pouco profundo, não como metáfora ou forma de protesto, mas como integração mercantil que apela à cultura de massas da sociedade de consumo. Figurativa e realista, a pop coloca, pelo contrário, o público perante a valorização do objecto criado pela indústria, afirmando-se como um elo de ligação entre a arte e a vida, como haviam já idealizado dadaístas e surrealistas, numa perspectiva mais profunda.
O informalismo e o abstraccionismo mal tinham chegado ao Reino Unido e o manifesto desinteresse do povo inglês pela acção revolucionária da vanguarda artística é testemunhado pelo dadaísta alemão Kurt Schwiters, então exilado em Londres, perseguido pelo regime nazi, que classificava a sua obra como “arte degenerada”, o que aliás aconteceu com muitos outros artistas inovadores.
Influenciado pelo construtivismo russo e pelo neoplasticismo holandês, Schwiters tornou-se não só um precursor da pop arte como da arte de instalação, e um contacto directo com as tendências vanguardistas no Reino Unido. Embora com antecedentes diferentes, a pop arte britânica e a pop americana iriam manter aspectos comuns.
Arte de inserção urbana, a pop arte tem ao seu dispor os meios de comunicação, como o cartaz publicitário de atraentes imagens, dirigidas ao consumidor. Inserida na civilização industrial, mercantil e urbana dos países ricos, a arte pop é dotada, nos melhores casos, de um subtil espírito crítico. À margem do exibicionismo internacional, há casos isolados nos países mais pobres.
Em Portugal destacam-se Rolando de Sá Nogueira, Lurdes Castro e Jaime Azinheira.
Da obra de Sá Nogueira destaca-se a pintura alusiva à música Jazz e ao racismo, dois temas polémicos na época.
As sombras de cenas simples do quotidiano são silhuetas de nítido recorte na obra de Lurdes Castro. Entre 1970 e 1980, a artista realizou teatros de sombras projectadas num ecrã branco, que recriavam cenas do quotidiano feminino, engomando roupa, vestindo-se, regando vasos de flores, etc. Iluminado por focos de várias cores, o corpo da artista multiplicava-se em difusas silhuetas coloridas, de expressão serena e orientalizante. Lurdes Castro pertenceu ao “Grupo KWY”, em Paris, a par de René Bértholo, Costa Pinheiro, João Vieira, José Escada, Gonçalo Duarte, Christo (búlgaro) e Jan Voss (alemão), que se reuniam em torno de uma revista com o mesmo nome, publicada em Paris entre 1958 e 1964. Era uma revista de tiragem limitada e fabrico caseiro, da qual foram publicados 12 números, que reuniram um representativo acervo no âmbito das artes plásticas e da literatura. No universo da arte portuguesa, os artistas já não se agrupavam por tendências, mas por grupos de intervenção. A denominação KWY inclui as três letras ausentes do alfabeto português, que o grupo, fora da sua pátria, jocosamente associava às três palavras “ká wamos yndo”.
As cenas da vida quotidiana, na obra de Jaime Azinheira, frequentemente modeladas em gesso, apresentam, através de um realismo expressionista, de inspiração popular, figuras pitorescas e caricatas, tão poéticas quanto trágicas.
Mais recentemente, com inegável audácia, destaca-se a nova figuração narrativa neo pop de Joana de Vasconcelos, através de acumulações / instalações com frequente intervenção na imagética emblemática portuguesa. Se Marcel Duchamp elevou o ready-made à categoria de obra de arte, isolando-o e assinando-o como objecto único, Joana de Vasconcelos eleva a produção em série do objecto industrial à categoria de obra de arte concebida pela acumulação de elementos repetitivos em instalações escultóricas à escala monumental, integradas no espaço envolvente.
A obra de Paula Rego envolve histórias, fábulas, obras literárias, óperas e pessoas que a inspiram. A imagética inicial da sua nova figuração narrativa realça a perversão infantil na relação com os animais humanizados e o seu mais recente realismo exalta a emancipação da mulher contemporânea nas mais diversas situações da condição humana, social e sexual. São quase sempre figuras grotescas e agressivas, que exprimem o medo, a solidão, o abandono e o desejo. Tudo o que é frágil na realidade torna-se forte na sua pintura. Sendo a mulher a figura central, as formas femininas tornam-se duras e másculas. A obra de Joana de Vasconcelos e de Paula Rego atingiram uma ampla projecção nacional e internacional.
Artistas representativos da pop internacional são Eduardo Paolozzi, Richard Hamilton, Tom Wesselmann, Andy Warhol, Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Roy Lichtenstein, Indiana, Francis Bacon, Mimo Rotella, Niki de Saint Phalle e Tinguely.
A obra de Richard Hamilton intitulada “O que é que faz as coisas tão diferentes, tão atraentes, hoje em dia?”, de 1956, exibe elementos próprios da iconografia pop, símbolos do status social: o aspirador, a televisão, o gravador, os símbolos sexuais de uma mulher nua, reclinada num sofá e de um homem musculado que exibe um chupa-chupa gigante com a palavra Pop. Na parede, um quadro tradicional e sobre uma mesa uma lata de presunto. São elementos da sociedade de consumo, que sintetizam a vivência e a mentalidade da época. Hamilton elaborou, em 1957, uma expressiva lista de qualidades inerentes à pop arte, onde se pode ler: popular, passageira, efémera, de baixo custo, produzida em série, engenhosa, sexy, evasiva, atraente, da alta finança. Love foi a palavra escolhida por Robert Indiana em 1964 para a concepção de num postal de Natal, cuja letra “o” está inclinada, sugerindo o caminhar para a frente ou para um mundo melhor.
A vida privada do quotidiano urbano norte-americano é um tema abordado na obra de Tom Wesselmann, ao associar o telefone ao seio feminino, no ambiente intimista do lar. Norte-americano é também Jasper Johns, que reflecte uma atitude conceptual quando concilia valores antagónicos na pintura matérica de uma pesada bandeira (1954/55), que não flutua ao vento.
Ficaram célebres as representações das garrafas de coca-cola e das sopas Campbell de Andy Warhol, figura mítica da pop arte americana, também conhecido pelas fotografias posterizadas em serigrafia, de personalidades ou vedetas da política, da canção e do cinema (sociedade urbana).
O Jardim dos Tarots, da artista franco americana Niki de Saint Phalle, no extremo sul da Toscânia, evoca o Parque Gϋell do arquitecto espanhol Gaudí, em Barcelona, pela sua imagética pop surrealizante. É constituído pelos 22 arcanos maiores do Tarot, esculturas gigantes, em poliéster, de 12 a 15 metros de altura, reforçadas com betão armado e cobertas de espelhos, mosaicos, cerâmica multicolor e vidro colorido de Murano. O lugar, surpreendentemente fantástico e único no mundo, é a obra de toda a vida artística de Niki de Saint Phalle; um jardim esotérico, nascido de um sonho louco, que a artista e sua equipa construíram, durante cerca de 20 anos. A construção teve início em 1979 e foi financiada pelo escultor suíço Jean Tinguely, marido da autora, alguns amigos e anónimos. Os visitantes podem circular livremente pelo jardim, separado do resto da paisagem por um muro circundante.
ARTE CINÉTICA / OP ARTE (Op – abreviatura de Optical)
Jean Tinguely tornou-se famoso pelas suas esculturas cinéticas lúdicas e sonoras, que conjugam os mais variados mecanismos / detritos da sociedade contemporânea.
Vivia-se num labirinto de múltiplas proliferações artísticas, tecnológicas, cibernéticas e científicas, rapidamente divulgadas pela acelerada velocidade da informação, numa sociedade cada vez mais condicionada pela indústria e pelo consumismo.
Uma preocupação constante dos artistas era a de romper com a condição estática da obra de arte para alcançar o movimento, como se verificara na vanguarda do início do séc. XX, nomeadamente no futurismo, no cubismo analítico e no construtivismo, de ritmos cinéticos em Naum Gabo e Pevsner. Nesta perspectiva, a arte cinética veio explorar os efeitos visuais do movimento gerado pela acção mecânica ou pela ilusão de óptica. Alexander Calder foi o artista norte-americano que criou os mobiles, estruturas suspensas, compostas por simples chapas e fios metálicos, que, accionados pelo mais pequeno toque ou corrente de ar, se movimentam no espaço. A cor lisa, como o preto, o amarelo, o azul e o vermelho, acentuam o carácter lúdico da obra, que evoca a influência de Miró. Assim se introduziu o movimento na escultura, até então fixa e imóvel. Desvinculada do rigor abstracionista, frio e geométrico, de outros artistas contemporâneos, a obra de Calder, plena de fantasia, torna-o, porventura, o mais inovador testemunho da escultura do séc. XX.
Na descendência do abstraccionismo geométrico, a designação op é uma abreviatura da palavra optical, para denominar a arte que provoca a ilusão óptica de movimento ou de relevo. O termo surgiu, pela primeira vez, num artigo publicado no jornal “Times”, em 1964, mas já anteriormente Marcel Duchamp tinha realizado, em 1935, uma série de obras tridimensionais, então denominadas rotoreliefs, munidas de um motor que as fazia movimentar. Duchamp produziu 500 conjuntos de discos coloridos dos dois lados para serem reproduzidos num fonógrafo, que, ao girarem com rapidez, produziam curiosos efeitos ópticos, criando a ilusão de movimento. Nesta perspectiva, o húngaro Victor Vasarely foi também pioneiro através de rigorosas composições a preto e branco e a cores. Em meados de 1930 realizou algumas experiências de carácter figurativo em Paris, a preto e branco. A partir de 1950, a sua obra torna-se abstracta, com a introdução de cor e das formas geométricas simples. Entre 1964 e 1972, realizou estudos científicos no âmbito da Óptica, da Física Geral e da Astronomia, investigação que contribuiu para a criação de composições cada vez mais complexas, que jogam com a dinâmica de perspectivas contraditórias e com a graduação tonal.
Outros artistas representativos desta tendência foram Bridget Riley, e, em Portugal, o arquitecto Artur Rosa.
O KITSCH
O fenómeno kitsch surge como uma manifestação cultural, que deriva da industrialização e da tecnologia. Se o conceptualismo viria a representar uma forma de reacção à excessiva objectualização mercantilista da obra de arte tradicional, como a pintura, comprada por altos preços, o kitsch reflecte uma tentativa de aproximação à mentalidade popular, através da falsificação do autêntico, com aleatórias dimensões e transposições. É a cópia produzida em série, que adultera a obra única e original. A designação kitsch, de origem alemã, é geralmente empregue para designar os objectos vulgares e de mau gosto, que copiam, sem critério, referências figurativas da cultura erudita, dirigidas ao consumo das massas. Embora assumido com ironia na obra de alguns artistas, o kitsch representa o falso, que, na realidade, ainda hoje vai ao encontro do modo de vida e do mau gosto de muita gente.
Jeff Koons é um escultor norte-americano que transforma o kitsch em obra de arte, apropriando-se de pequenos objectos ou ícones populares artesanais, que reproduz numa escala monumental: balões, santinhos, cãezinhos, a “pantera cor-de-rosa” ou a imagem do cantor Michael Jackson. Casado com Cicciolina, artista porno e deputada ao parlamento italiano, Jeff Koons assumiu a representação de cenas conjugais íntimas, tendo como principal objectivo quebrar o padrão moral aceite pela maioria.
De inspiração pop e assumidamente kitsch, a figuração narrativa de Carlos Carreiro, plena de fantasia e de humor hilariante, evoca cenas e comportamentos caricatos do homem, inserido na sociedade de consumo. A mudança de escala dos objectos e dos personagens representados é um dos processos mais frequentes na obra do pintor, para surpreender ou assinalar os pormenores que considera mais importantes (perspectiva afectiva).
Assumidamente kitsch é também a obra de Albuquerque Mendes e de Augusto Canedo.
DA DESCARNAÇÃO DA FIGURA À MINIMAL ARTE / ESTRUTURAS PRIMÁRIAS
Gerava-se uma nova sensibilidade plástica nos artistas de “entre guerras”. A escultura entalhada ou modelada dava lugar a novos métodos específicos da indústria e da consequente arquitectura. A par do abstraccionismo frio e geométrico das estruturas primárias, prevaleciam as formas volumétricas na descendência da escultura modernista do início do século XX, de Arp, Boccioni, Laurens ou Brancusi. Na 2ªmetade do Século XX, assiste-se a uma sucessiva descarnação da figura, onde o espaço vazio predomina sobre o cheio, ganhando primazia o espaço interno. Torna-se comum a escultura em material tosco e em bruto, além do metal, do plástico e da resina sintética.
Destacam-se os escultores Eduardo Paolozzi, Henri Moore, Giacometti, Cesar, Louise Nevelson e, em Portugal, Lurdes Castro, com as suas “assemblages”.
Na descendência futurista, os Robots de Eduardo Paolozzi são construções simbólicas e grotescas, uma livre associação de fragmentos mecânicos fundidos em bronze.
Durante os bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial, Henri Moore teve como modelo o corpo dos refugiados nos túneis do metro de Londres, tornando-se o desenhador oficial da cidade.
Em arte eliminamos sempre alguma coisa, talvez essencial, mas, para termos a noção do quão essencial é, deixemo-la de fora – Henri Moore.
A escultura de Giacometti tende para a desmaterialização dos corpos. A sua obra reflecte uma visão do modernismo na segunda metade do séc. XX e do existencialismo na vida moderna, cada vez mais impessoal.
Cesar concebeu monumentais “compressões” de chapas de automóveis e de objectos utilitários comprimidos em resina sintética, detritos do consumismo, alguns dos quais foram inseridos no espaço público de Paris.
A escultora Louise Nevelson tornou-se conhecida pelas monumentais esculturas monocromáticas, em madeira. O armário é um arquétipo, um elemento de construção, que inclui objectos da vida quotidiana, que a autora denominou “assemblages”. A cor uniformiza o conjunto escultórico, onde sobressai a sua estrutura rectilínea.
Lurdes Castro produziu relevos monocromáticos, acumulações de objectos em alumínio, de uso quotidiano, que se integraram no Nouveau Réalisme parisiense fundado por Yves Klein e pelo crítico de arte Pierre Restany, que se opunha à pintura abstracta, em defesa de linguagens evocativas da realidade social.
Enquanto a Europa se abeirava da abstracção geométrica através da op arte, a minimal arte ganhava presença nos Estados Unidos, na confluência do estruturalismo e do concretismo.
Na pintura como na escultura, a minimal arte veio contestar o ideal pop, de vertente figurativa, enveredando pela máxima simplicidade formal e cromática, de rigorosa elaboração. Preservando a larga escala do expressionismo abstracto, a pintura e a escultura de tendência minimalista confundem-se em primárias estruturas de formas elementares, onde a cor lisa acentua a nitidez das superfícies. A elementaridade das obras e a ausência do referente e do título, justificam o conhecido slogan da época nada de ilusões, nada de alusões ou a frase de Frank Stella: a minha pintura baseia-se no facto de nela vermos apenas o que lá existe.
A minimal arte atinge o máximo impacto visual com o mínimo de meios, numa escala monumental cuja força não seria alcançável em escala mais reduzida. Na descendência dos modernistas Malevitch e Tatlin, a presença urbana desta escultura materializa-se em construções quase matemáticas. É também conhecida por hard edge (ângulo duro) ou por cool arte, entre outras designações.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o principal centro cultural, até então em Paris, deslocou-se para Nova Iorque, que acolheu inúmeros artistas e intelectuais europeus refugiados. Foi grande a sua influência na arte americana, e, desde então, a terminologia artística deixou de ser em francês e passou a ser na língua inglesa.
Os pintores Frank Stella, Kenneth Noland, Morris Louis e os escultores Eduardo Chillida, Tony Smith, Anthony Caro e Donald Judd, tornaram-se artistas representativos da minimal arte. Em Portugal, destacam-se os escultores Fernando Conduto, Artur Rosa, José Rodrigues e Zulmiro de Carvalho, e o pintor Ângelo de Sousa.
A obra do espanhol Eduardo Chillida obedece a um estilo arquitectónico, monumental e dinâmico. O ferro, o granito, o betão, o aço e a madeira são os materiais de eleição do artista. Na fronteira entre a arquitectura e a escultura, a obra caracteriza-se por monumentais “caixas-de-ressonância”, num jogo de linhas curvas que se enquadram na paisagem e exploram o efeito sonoro do vento e a transformação do ferro pela ferrugem. A terra, o ar, a água e o fogo são os quatro elementos presentes na escultura de Eduardo Chillida, preferencialmente na proximidade das falésias, do mar e das rochas. São construções de ar livre, em grande escala, que se integram, com harmonia, na arquitectura envolvente. Um dia sonhei com uma utopia: encontrar um espaço onde as minhas esculturas pudessem repousar e onde as pessoas se passeassem no meio delas, como num bosque – Eduardo Chillida.
Se as pequenas caixas de medicamentos serviram como modelo às esculturas minimalistas do americano Tony Smith, também o pintor português Ângelo de Sousa concebeu monumentais estruturas primárias a partir da simples dobragem de pequenos cartões ou cartolinas, com diferentes cores nas duas faces.
A minimal arte assinalou o início da arte conceptual neo-dada, que tem como precursores o americano Kosuth e o francês Yves Klein. A obra de Klein gira em torno do conceito, com influência Zen. O Vazio, frequentemente evocado pelo autor, é um estado próximo do nirvana, livre de ideias prévias ou preconceitos, uma zona neutra onde o artista se concentra nas sensações e na “realidade”. Em vez de representar os objectos de um modo explícito, os seus temas são apresentados num contexto teórico, metafísico e filosófico, através das suas impressões, na ausência da imagem, num estado em que a ideia é “sentida” e “entendida”. Para Yves Klein, a arte é uma maneira directa e imediata de estar no mundo, o assumir de uma experiência pura, que dispensa qualquer justificação. (…) A arte não é naturalista, nem realista, dado que não interpreta aspectos da natureza e da realidade, mas sim e pelo contrário, é natural e real (…) em vez de pintar mulheres nuas, pintava com mulheres nuas; em vez de pintar a chuva, pintava com a chuva; em vez de pintar o fogo, pintava com o fogo; em vez de expor pintura, ele (pintor) expunha-se a si mesmo. À sua cor preferida – o azul – haveria de juntar o rosa e o ouro, constituindo esta trilogia cromática a síntese energética revelada pela chama do fogo. (…) A Yves não interessava criar um espectáculo, mas um lugar de crença, um tempo de silêncio ou a emoção pura; (…)
“Sentir a alma sem a explicar, sem vocabulário, e representar esta sensação…é, segundo creio, o que me tem conduzido à monocromia (…) ” – Yves Klein» (in Gonçalves, Eurico, Dada-Zen / Pintura-Escrita, Edições Quasi, 2005)
ARTE CONCEPTUAL
Desde a pop arte desenvolveram-se inúmeras experiências artísticas que vieram valorizar os aspectos teóricos, mentais, sensoriais e a dimensão espiritual do homem. Aprofundou-se o conhecimento humano, a sua origem, natureza e potencialidades, durante muito tempo esquecidas nas artes visuais.
Trabalhando com ideias e conceitos, a arte conceptual teve como pioneiros, desde os anos 1910, os dadaístas franceses Marcel Duchamp e Picabia, o belga René Magritte ou ainda o português Almada Negreiros, ao associar a um auto-retrato realizado em 1948 (Col. CAM / FCG), personalidades que admirava desde a Antiguidade Clássica. Almada também escreveu “Manifestos” e foi performer, participando em intervenções públicas, conferências e debates.
A arte conceptual surge no início dos anos 1960, num momento de crise, desorientação e descrença, momento em que a produção industrial e o múltiplo conduziram a actividade artística a uma fase de manifestações anti-objectuais. A ideia prevalece sobre a realização, ou o projecto sobre o objecto. A arte conceptual mais pura e mais fria surge como um projecto ou idealização que suscita uma imagem mental, actividade criadora que se aproxima do pensamento zen.
A metáfora vísuo-verbal e os jogos de palavras integram a experiência conceptual neo-dada, que não deixa de evocar as máquinas inúteis e o ready-made de Marcel Duchamp. O conceptualismo niilista dos anos 1960 / 1970 foi assimilado pelo cinema underground e pelos Concertos Fluxus, que reuniam artistas de diferentes áreas e sensibilidade fortemente anticomercial e anti arte de elite.
A raiz duchampiana é utilizada por um prisma mais literário e metafórico pela arte conceptual, que se dirige à Natureza, aos objectos, às acções e às sensações. O significado da obra de arte conceptual é social, político, psicológico e não apenas estético. Todavia, mesmo que assumida a isenção de valor estético pelo artista conceptual, a sua obra não deixou de ser manipulada e vendida como se o tivesse, à luz da ideologia consumista do mercado.
ARTE CONCEPTUAL
Land Arte / Instalação
Body Arte: Performance / Happening / Videoarte
A land arte é uma arte de atitude que não procura prioritariamente um resultado estético, mas um resultado intelectual ou a materialização de um conceito. Incluída na categoria da arte conceptual, a land arte não interpreta a Natureza de forma passiva ou ornamental, segundo os tradicionais meios artísticos, mas de forma activa, apelando à tomada de consciência do homem para os efeitos nefastos que nela provoca, responsabilizando-o pelos seus actos. Face à civilização tecnológica que veio destruir e alterar a relação do homem com a Natureza, a land arte transforma-se num veículo de denúncia do consumismo e do mercantilismo, através das obras de Christo ou de Oppenheim.
Os meus meios não são apenas a paisagem, o mar, a água, mas também o fermento humano – Christo.
Ao retirar lições da Natureza, o artista transmite a esperança de a salvar, não com a intenção de a imitar ou superar, mas de nela interagir, consciente da mais-valia da produção artística.
As Instalações de Richard Long, compostas por elementos naturais, inspiram-se nas suas longas caminhadas. O artista serve-se das rochas e das sementes retiradas dos locais por onde passou, para posteriores registos fotográficos. Já na escultura em madeira e nas instalações de Alberto Carneiro, há uma aproximação à natureza, que pode incluir a nudez do seu próprio corpo. “Uma floresta para os teus sonhos” é um projecto utópico do escultor, que expõe a natureza, troncos de árvores, no interior de uma galeria ou de um museu.
A “casa” como elemento de protecção ou espaço habitável é um arquétipo recorrente nas “instalações” de Ana Vieira, que cria ambientes habitados ou desabitados, hospitaleiros ou hostis, visíveis ou velados, silenciosos ou sonoros, que exigem descodificação. São corredores que o visitante atravessa, espaços inquietantes que convidam ou repelem, portas entreabertas, espaços habitados por objectos reais ou simulados. A artista questiona a segurança do abrigo, a distância e a proximidade, a diferença entre o espaço público e o privado, o exterior e o interior. São “instalações” que reproduzem ruídos ou sons naturais, como o sussurro, a narrativa, o som das folhas nas árvores, ambientes que podem criar suspense. Numa instalação do CAM / FCG, um tecido leve e transparente simula as paredes de uma casa, através das quais o espectador vê uma mesa posta no espaço interior e escuta a sonoridade própria de uma refeição: o diálogo entre os participantes (ausentes), o ruído dos talheres, dos pratos e dos copos entrechocando-se.
A instalação prevalece como prática artística da actualidade, nomeadamente na obra de Carlos Nogueira, Cabrita Reis, Ana Vidigal, Daniel Nave, Silvestre Pestana e Pedro Proença, entre outros.
No âmbito da body arte, Helena Almeida é a única protagonista da acção, enquanto performer, que documenta como um ritual concebido e realizado com rigor e sensibilidade. A artista objectualiza o que faz através da fotografia a preto e branco, simulando comer o azul que pinta, elemento primordial isolado e destacado. Noutros trabalhos, é a linha desenhada que Helena Almeida objectualiza (“desenhos habitados”, 1975/77), conquistando a tridimensionalidade para aquém do plano do suporte. Na sua mais recente performance intitulada “Andar Abraçar”, o abraço da autora é para o arquitecto e escultor Artur Rosa, seu companheiro de sempre, acto que ficou registado em fotografia e em vídeo: em grande escala, a união do casal é uma silhueta que o zoom da câmara de filmar aproxima lentamente do espectador, para se transformar num volume informal e escultórico, até ficar completamente negro no ecrã de projecção
Entre 1970 e 1980, Lurdes Castro recriou cenas do quotidiano feminino em “teatros de sombras”, a engomar roupa, a regar flores, a vestir-se, etc. Através de um ecrã branco e translúcido, a artista devolve ao público a sua silhueta de expressão serena e orientalizante, que se vai multiplicando em difusos contornos coloridos, sob focos de várias cores. Mais actual e mais convulsivo é o “espectáculo” criado pelo japonês Kagemu, ao tirar partido do movimento da sombra negra do seu corpo, projectada em brancos cenários de fortíssimo impacto visual.
A artista americana Cindy Shermann é actualmente conhecida pelo registo fotográfico de auto-retratos e de instalações com manequins em atitude erótica, numa escala monumental.
À medida que vão surgindo novas tendências estéticas, a História da Arte tem-nos revelado a vontade de mudança, ou a predisposição para a redescoberta de formas artísticas já esquecidas, por vezes milenares, retomadas em novos contextos. No retorno ao conceito, a arte tornou-se progressivamente mais depurada, mas com tendência a adaptar as ideias a configurações concretas. O regresso às formas palpáveis era previsível. Após o excesso objectual da Pop e da Op ou da sua ausência no conceptualismo mais puro, a arte regressou à Natureza, não só pelo cansaço dos seus protagonistas, como pela procura e oferta do mercado. O compromisso arte-sociedade é evidente na obra de Joseph Beuys, que não se inclui entre os conceptualistas mais puros, já que assume uma poética filosófica em torno de uma vasta produção objectual. Foi um dos principais representantes europeus no âmbito da body arte, através de happenings auto expressivos que envolvem o comportamento corporal e verbal no exercício da interacção social. Tirando partido das características do seu próprio corpo, alto, magro e de penetrantes olhos azuis, Joseph Beuys usava frequentemente um chapéu castanho e um fato de feltro (em memória de um acidente de guerra) nas suas performances, em forma de sermão político-religioso. Pela acção directa, apoiava-se em princípios ético-estéticos ou político-espirituais e actuava como um missionário para persuadir o público, com profunda convicção, em defesa de valores anticapitalistas e anti mercantilistas da arte. A sua acção defendeu causas político-sociais, nomeadamente a guerra do Vietname, através de performances e happenings em ambientes públicos, aproximando-se dos rituais místicos do então denominado “Movimento Fluxus”, dinamizado por um grupo de artistas e compositores de renome internacional, que assumiam um modo de viver e trabalhar anticomercial, oposto à arte tradicional e à cultura de elites, como a Ópera ou o Teatro. Em 1962, com a influência do compositor John Cage, o grupo envolveu-se em concertos e acções visuais e acústicas, livres e espontâneas. Servindo-se de objectos insólitos, experimentando e improvisando, realizaram actos espontâneos ou absurdos, que valorizam mais o processo de criação do que o resultado final, lúdico, agradável, chocante ou agressivo. Com objectivos mais sociais do que estéticos, o grupo manifestava-se a favor da arte popular e envolvia a participação do espectador. Integraram o “Movimento Fluxus” o dadaísta Marcel Duchamp, George Maciunas (seu fundador) e os artistas alemães Joseph Beuys e Wolf Vostell.
No âmbito da Body Arte o artista é também um actor. São famosas as cruéis performances de Gina Pane, que a levaram a autoflagelar-se publicamente com lâminas de barbear. Através da automutilação e do sofrimento, servindo-se do próprio corpo como suporte da criação artística, a performer evoca os actos de violência da vida contemporânea e a passividade com que a sociedade frequentemente os enfrenta. Ao introduzir no cenário, aparentemente familiar, um elemento de terror, a artista provocava um profundo mal-estar no espectador. Das suas performances conservaram-se como relíquias panos ensanguentados, lâminas e outros objectos, frequentemente reproduzidos em séries numeradas e assinadas, registos de acções masoquistas que envolvem não só a teatralização do sofrimento como a temática da relação entre os sexos, os tabus, os estereótipos e o machismo, sem no entanto descurar a procura de um sentido estético. Porém, não tardou o êxito comercial das edições raras, também já preconizadas desde os objectos-fetiche dadaístas e surrealistas. As videocassetes, certificadas e numeradas, foram vendidas a preços exorbitantes, nomeadamente as de Joseph Beuys.
Em torno do “signo”, a pintura de João Vieira intitulada Poema para bailar, de 1961, assinala o início do experimentalismo performativo em Portugal. A tela, inspirada num poema de Ana Hatherly, de estrutura circular, constituiu um verdadeiro desafio para o autor na sua primeira performance, interpretando-a pelo movimento, em 1970, na Galeria Judite da Cruz, em Lisboa. João Vieira realizou também várias performances com desfiles de letras, elementos da sua linguagem pictórica, objectualizados em suportes humanos.
No contexto da música e da poesia experimental decorreram em Lisboa as primeiras experiências então designadas por happenings, em 1965, na Galeria Divulgação. Na sua organização estiveram Ernesto de Melo e Castro, Salette Tavares, Jorge Peixinho, Clotilde Rosa, António Aragão e Mário Falcão. O concerto e “Audição Pictórica”, aí apresentado como manifestação neo-dada, foi um espectáculo de teatro musical, que provocou grande discussão no público.
Neste ambiente de mudança, a “Conferência Objecto”, realizada na Galeria Quadrante, também em Lisboa, foi um happening de Ana Hatherly, José Alberto Marques, Ernesto de Melo e Castro e Jorge Peixinho, programado segundo a formulação teórica e a base conceptual das Revistas “Operação, organizadas por Melo e Castro e Ana Hatherly. Eram revistas de poesia experimental e exposições portáteis, que documentavam as duas vertentes da investigação poética dos seus organizadores: a de Melo e Castro, com coordenadas visuais; a de Ana Hatherly, com exploração e aprofundamento da mecânica linguística. A Conferência foi apresentada por José-Augusto França, crítico e historiador de arte. Mais tarde, em 1969, Ernesto de Sousa realizou em Algés o evento “Nós não estamos algures”, um exercício de Poesia-Comunicação, igualmente assumido como um happening.
Nos anos 1970 circulava em Portugal, em torno dos “Encontros Internacionais de Arte”, informação sobre a performance, onde Ernesto de Sousa, Egídio Álvaro e Jaime Isidoro desempenharam um importante papel. Entre 1975 e 1977, estes “Encontros” tinham como objectivo inscrever as práticas artísticas no quotidiano e envolver a comunidade nos processos criativos, através de exposições, debates, intervenções de rua, concertos e performances. Da dissolução da parceria entre Egídio Álvaro e Jaime Isidoro, após os “Quartos Encontros Internacionais de Arte” nas Caldas da Rainha, em 1977, nasceu a “I Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira”, organizada por Jaime Isidoro, em 1978.
Os artistas comportamentistas revelam muitas vezes uma acentuada componente auto-erótica, narcisista ou masoquista, que os aproxima dos surrealistas e dos poetas visionários e distancia do conceptualismo mais frio e assexuado. Nesta perspectiva, não podemos deixar de referenciar alguns artistas que actuaram nas primeiras Bienais de Vila Nova de Cerveira, como Manoel Barbosa, Miguel Yeco, Albuquerque Mendes, Gracinda Candeias e Silvestre Pestana.
No âmbito da performance-musico-experimental e videoarte em Portugal, Manuel Barbosa utiliza o corpo como elemento lírico de expressão e libertação, em cenários aparentemente sem sentido, que recorrem a luzes, mímica, sons guturais, improvisações, êxtases e alegorias.
Miguel Yeco inicia em 1981 o Projecto “Pessoas (e ecos) ”, inspirado na figura e na obra de Fernando Pessoa, realizando intervenções/performances/espectáculos em espaços urbanos e teatrais, nomeadamente na Fundação de Serralves e no Museu Soares dos Reis, no Porto.
Albuquerque Mendes distribuiu ao longo do percurso Porto-Coimbra, centenas de flores de papel com a inscrição ”a arte é bela, tudo é belo”, colocando à entrada do edifício do CAPC (Centro de Artes Plásticas de Coimbra) um conjunto de panos com padrões florais.
Silvestre Pestana tem mantido uma ligação constante entre a performance, a “instalação” e o vídeo, a relação corpo-sociedade e arte-tecnologia, desafiando o público a reflectir sobre os aspectos tecnológicos positivos e negativos, que, se por um lado proporcionam felicidade e bem-estar ao homem, também podem controlar a sua privacidade e atentar à sua saúde. Os seus primeiros trabalhos datam de 1968, no âmbito da poesia verbal e visual.
A arte vídeo surge como apoio às outras artes, a música, o teatro, a performance e a escrita. Nos seus primórdios destacaram-se os registos dos concertos “Fluxus”, os happenings de Allan Kaprov e os ballets de Merce Cunningam, onde participou Rauschenberg, conhecido artista Pop e o famoso músico John Cage.
Com a influência do dadaísta Marcel Duchamp, a obra do americano Allan Kaprov, pintor e pioneiro da arte de instalação e da performance, influenciou o Grupo Fluxus, onde sobressai a expressão poética da palavra falada, na origem de gravações e de filmes que envolvem o gesto, o tempo, a mímica, o ruído, a pintura ou o lixo. Qualquer material podia ser utilizado e o público tornava-se participante. Kaprov realizou mais de 200 happenings que exprimem a arte como vida, através de comportamentos e hábitos. Estudou composição musical com John Cage, pintura com Hans Hofmann e História da Arte com Meyer Schapiro.
Merce Cunningam foi um bailarino e coreógrafo norte-americano que praticou uma dança de carácter experimental, sendo responsável por uma grande viragem na dança moderna. Entre os seus colaboradores figuram John Cage, Jasper Johns, Andy Warhol e Robert Rauschenberg. O bailarino exprime o movimento natural do corpo através da exploração do acaso, técnica frequentemente utilizada pelos surrealistas, nomeadamente através do “cadavre-exquis”. No seu caso, a música servia-lhe de acompanhamento sonoro, sem acompanhar, no entanto, o movimento do corpo. Aos 70 anos, Merce Cunningam viajava numa cadeira de rodas e continuava a desenvolver coreografias, já com o apoio do computador. O seu bailado introduziu novas tendências na dança moderna.
Michelangelo Pistoletto é um performer italiano e crítico de arte, um dos principais representantes da “Arte Pobre” (Arte “Povera”), tendência artística que promove a realização de obras de arte com materiais simples e acessíveis a toda a gente, uma “arte total” que integra as diferentes disciplinas artísticas e é tema de reflexão e unificação na perspectiva da arte-vida.
No âmbito da instalação e da videoarte, o italiano Giuseppe Chiari foi um compositor, pintor, colagista, fotógrafo e filósofo florentino neo-dada, que integrou o “Movimento Fluxus”. Influenciado por John Cage, como tantos outros, realizou uma pesquisa experimental denominada “música visual” ou “música de acção”, que se baseava na produção de sons aleatórios da fala, da água, ou das pedras, entre outros.
A arte vídeo envolve a objectualização de metáforas satíricas visivo-verbais ou actividade gráfico-conceptuais. Nascido em Itália, Franco Vaccari usa a fotografia não como forma de representação, mas como um sinal, uma presença, um relacionamento com o espectador. Abrindo o espaço da galeria ao público, o artista serve-se de inscrições, como: “Deixe nesta parede uma marca da sua passagem”, de resultado imprevisível. No final, graças à participação do público, as paredes ficam completamente cobertas com fotos dos visitantes, que se tornaram autores e actores participantes.
A videoarte reportou-se ainda aos registos de Ketty la Rocca, artista e escritora italiana dos anos 1960 /1970, uma das principais representantes da arte corporal e da poesia visual que combina palavras e acções mímicas directas ou a documentação fotográfica que explora o movimento das mãos em atitudes inesperadas.
Ernesto de Melo e Castro colaborou desde o início, em 1964, na revista “Poesia Experimental”, entre outras antologias e suplementos culturais, no âmbito da teorização sistemática sobre a linguagem e sobre a tecnologia da comunicação. No domínio da poesia concreta, espacial e visual, videopoesia e infopoesia, a sua obra pioneira envolve inúmeras práticas experimentais, como o “poema-objecto”, a instalação, a escrita, o som e a imagem em movimento, a performance corporal, vocal e gestual, a videoarte e o uso do computador na produção literária, tendo contribuído, enquanto poeta e ensaísta, para a criação de novas formas literárias. Foi professor universitário em Portugal e no Brasil.
Henrique Silva, pintor, gravador e ceramista, pioneiro da arte vídeo em Portugal, trabalhou em Paris, com os colectivos de difusão vídeo Mon Oeil, tendo obra produzida no âmbito da ecologia e do meio ambiente. É autor de instalações que nos remetem para o labirinto, o stress e o consumismo da vida actual.
HIPER-REALISMO
Em resposta à frieza excessiva das manifestações minimalistas e conceptuais, a tendência “hiper-realista” direccionada para a psicologia do indivíduo, veio, a partir de 1968, testemunhar a realidade quotidiana e as situações existenciais da época. Na obra de Duane Hanson sobressaem minuciosas reconstituições de personagens, que vão até ao mais ínfimo pormenor.
Mantendo alguma relação com a pop arte, este realismo radical tem sido muito praticado nos Estados Unidos numa escala natural ou monumental. Para o efeito, tem contribuído a nova tecnologia, que envolve a fotografia, o raio laser e as matérias plásticas cada vez mais aperfeiçoadas, ao ponto de já se reproduzirem objectos tridimensionais a partir do computador.
No âmbito do hiper-realismo, destacam-se nomes como o sueco Oldenburg (1929), com os seus objectos tridimensionais em grande escala, a “Equipo Crónica”, grupo fundado em 1964 por três pintores valencianos, Manolo Valdés, Rafael Solbes e Juan Antonio Toledo, a partir de uma proposta do historiador Tomás Llorens Serra. O grupo assinou um Manifesto redigido pelo crítico Vicente Aguilera Cerni, que definia a filosofia do trabalho conjunto. As obras, realizadas em séries, assemelham-se a reportagens ou crónicas que denunciam ou testemunham a realidade artística e sociopolítica espanhola, através da apropriação de obras de arte representativas, como a Guernica, de Picasso, entre outras. O trabalho foi desenvolvido entre o último período do franquismo e o início da transição para a democracia.
No âmbito da pintura hiper-realista, a fotografia é frequentemente projectada na tela, para aí se reproduzir com grande fidelidade (actualmente existe o recurso à foto digital). A escala monumental proporciona a acentuação do pormenor com assinalável virtuosismo na obra de Robert Cottinghan, que elege fragmentos de anúncios comerciais, ampliados por potentes teleobjectivas, onde a lâmpada néon surge como uma nota muito peculiar da sua linguagem. Por vezes, acentua-se o brilho e o reflexo das superfícies, noutros casos exageram-se intencionalmente determinados pormenores.
Nomes de referência são também John Kacere, Audrey Flack e Jeff Koons. Marilyn é uma das três pinturas monumentais da série Vanitas (1976-78) da obra de Audrey Flack, pretexto de meditação sobre a vida das celebridades americanas.
A obra de Jeff Koons, de sentido quase sempre erótico e provocatório, é criada com o apoio de artesãos e frequentemente apropriada da cerâmica popular, que o autor compra, amplia e modifica, em maior escala.
A pornografia não é da minha competência. Interesso-me pelo amor (…) por poder mostrar às pessoas que podem realizar os seus desejos – Jeff Koons
Já o pintor, performer e fotógrafo austríaco Gottfried Helnwein, pinta e fotografa aguarelas hiper-realistas numa escala monumental, motivadas pelas performances que realiza com crianças, em espaços públicos, A temática é provocatória e controversa, no âmbito da Sociologia e da Psicologia.
FOTOMONTAGEM
No âmbito da fotomontagem, assinale-se o trabalho precursor do americano Barry Kite, que cria composições hilariantes motivadas pelas famosas obras-primas da pintura clássica, com recurso à colagem manual e/ou digital. A exploração da imagem, cada vez mais desenfreada, marca o encontro da arte do passado com a arte actual.
Em Portugal, a arte de citação recorre à representação de imagens de 2º grau nas fotomontagens de Eduardo Nery e de Cruz Filipe, ao apresentarem conhecidas reproduções da História da Arte. Se Eduardo Nery estabelece o confronto entre a obra de arte e os objectos de uso quotidiano, Cruz Filipe evoca, com nostalgia, a arte erudita do passado, recorrendo à fotografia sobre tela fotossensível, posteriormente intervencionada com tinta acrílica.
No caso do pintor Ângelo de Sousa, ressalta uma atitude conceptual, nomeadamente no auto-retrato fotográfico, ou ainda na macro fotografia.
PÓS MODERNISMO
TRANSVANGUARDA ITALIANA
A segunda metade do séc. XX assiste à eclosão da Pós-modernidade, empenhada num novo processo de mudança na história do pensamento, da genética, da arte, da tecnologia e da comunicação, como forma de reacção à modernidade industrial e à implícita crença no progresso, que se tornara obsoleta. Desde a década de 1980, a televisão por cabo, a Internet, os processos digitais e a descentralização do mundo social e cultural através de meios de comunicação mais rápidos e eficientes, contribuíram para uma nova economia social e para uma cultura global. A Pós-Modernidade reflecte essa cultura da sociedade pós-industrial, onde o fenómeno marketing desempenha um papel fundamental na obra do artista, cujas acções são cada vez mais determinadas pelo mercado.
Trans significa transição. O termo “transvanguarda” é da autoria do crítico italiano Achille Bonito Oliva, para referenciar a obra dos artistas italianos Enzo Cucci, Mimo Paladino, Francesco Clemente e De Maria. A transvanguarda caracteriza-se pelo eclectismo e pela subjectividade. Se até então houve grupos de artistas relativamente próximos na Europa, a arte da Pós-Modernidade, num período de maior facilidade de comunicação, oferece uma quantidade incalculável de tendências e de linguagens, cuja aproximação estética se deve sobretudo às condições de circulação e globalização dos hábitos de consumo. A obra de arte é cada vez mais um produto das espectativas culturais do marketing e a moda torna-se metáfora da cultura.
Entre 1970 e 1980, a “transvanguarda” italiana assumiu a pós modernidade de forma idêntica ao que ocorria com outras modalidades artísticas contemporâneas na Alemanha e nos Estados Unidos, cada qual apresentando características específicas na passagem da arte conceptual. Há todavia em comum uma forte expressividade e um manifesto desinteresse pela “boa técnica” ou pela “boa” disciplina formal. A estética pós-moderna assume a diferença dos critérios-chave da estética moderna do novo e da vanguarda. A tónica já não recai na originalidade e a repetição das formas do passado não só é tolerada, como até encorajada. Após o cansaço de vários anos de arte conceptual, são recorrentes os temas mitológicos ou heróicos da Antiguidade Clássica e as reminiscências iconográficas de outros períodos da História da Arte. É o caso de Sandro Chia, ao apropriar-se de fragmentos da pintura de Van Gogh e de Chagall, Mimo Paladino, quando cita Paul Klee e Picasso, Francesco Clemente notoriamente influenciado pelo misticismo indiano, ou ainda Enzo Cucci, cuja obra exibe frequentemente textos poéticos que evocam Rimbaud.
É uma arte descomplexada, que recusa ser “refém” de quaisquer conceitos ou tendências estéticas. Valoriza o artista enquanto indivíduo, adaptado a qualquer sistema sociocultural, que não pretende confundir a arte com a vida, conforme ocorrera nos anos 1960. Já não prevalece a intenção de trabalhar com ideias ou conceitos, mas a manifestação da individualidade do artista, numa posição nómada, sem qualquer filiação, livre de transitar por qualquer época ou estilo e de se apropriar de quaisquer referências.
PÓS-MODERNISMO
NEO EXPRESSIONISMO ALEMÃO
Se, nos anos 1960 a Pop arte não exerceu grande influência na Alemanha, o informalismo e a arte conceptual alemã afirmaram-se em Paris, então capital da cultura, através do happening e do Grupo Fluxus, onde Joseph Beuys foi um dos seus principais intervenientes.
Durante a 2ª Guerra Mundial muitos artistas europeus emigraram para os Estados Unidos da América e Nova Iorque tornou-se o principal centro cultural, que fora, até então, a capital francesa. Posteriormente, na década de 1980, a Europa recuperou a sua identidade, tradição e vanguarda artística.
De forma idêntica à transvanguarda italiana, e após um período de arte conceptual, a pintura neoexpressionista alemã reabsorvia referências do romantismo, expressionismo, simbolismo e surrealismo. Caracterizava-se pela descomplexidade formal e cromática, pelo prazer de pintar, e teve repercussão em várias partes do mundo. Ao assumir múltiplas facetas culturais, também não se distanciou da arte popular e da arte dita primitiva.
Anselm Kiefer, Georg Baselitz e A.R. Penck assumem a identidade do pós-guerra, que associa elementos da tradição germânica. São obras de grande formato, com referências figurativas, neo-expressionistas, signos e amplas manchas cromáticas de forte impacto visual, atraentes e contrastantes, de resultado provocatório. Anselm Kiefer foi dos mais provocadores. A sua obra evoca a história alemã e os símbolos nacionais, sendo sobretudo conhecido pela temática relacionada com o totalitarismo nazi, o Holocausto, o desmembramento do país após a II Guerra Mundial e a sua posterior luta pela reunificação.
A pintura neo-expressionista de Georg Baselitz inclui personagens e objectos invertidos, que contrariam a visão habitual e a lei da gravidade. O pintor possui um amplo repertório de símbolos, onde as figuras de cabeça para baixo são, de algum modo, a sua assinatura. Mais do que o tema, importa assumir a pintura como pintura e o prazer de pintar.
A.R. Penck era escultor e músico de jazz, além de pintor. Dissidente do regime comunista da Alemanha Oriental, em defesa da liberdade de expressão, é também um dos principais representantes da nova figuração neoexpressionista alemã. A sua pintura pictográfica tonou-se conhecida em todos os museus e galerias ocidentais. É uma figuração simbólica, antropomórfica e esquemática, que evoca Paul Klee e a arte primitiva.
Nos anos 1980, o neo-expressionismo selvagem alemão de Penck, Baselitz e Kieffer, recupera, à escala monumental, o instinto da pintura da criança, do “primitivo” e do graffitismo espontâneo da “arte bruta” do homem comum, além de reveler pertinente actualidade de signos e símbolos neoprimitivos, arquétipos ancestrais do inconsciente colectivo, assim defendidos pelo psicanalista Jung, que demonstraram a grande conformidade entre o gesto impulsive do homem e o seu estado de espírito.
PÓS-MODERNISMO
NEO-EXPRESSIONISMO AMERICANO DOS ANOS 1980
BAD PAINTING
Existe um evidente paralelismo entre as tendências pós-modernas desenvolvidas na Europa e nos Estados Unidos da América, que surgem como um tónico na actividade artística após um prolongado período de arte conceptual. A definição bad painting foi atribuída na década de 1970 pela crítica e curadora americana Marcia Tucker, para caracterizar a irreverente pintura neoexpressionista, assumidamente “mal pintada”, excêntrica e descomplexada, que rejeita linguagens convencionais para recuperar a vitalidade e a espontaneidade da arte primitiva e da arte infantil.
A “transvanguarda” italiana, o neo-expressionismo alemão e a bad painting americana anteciparam, nos anos 1980, um crescente interesse por novas formas de pintar e de entender as artes visuais.
De ascendência porto-riquenha e haitiana, Jean Michel Basquiat é um dos mais interessantes artistas dos anos 1980. Iniciou-se como graffiter no Metro de Nova Iorque, onde associava elementos da cultura norte americana a uma forte influência da arte primitiva e da “arte bruta” do homem comum. Assinava SAMO ou same old shit (sempre a mesma merda), que despertava grande curiosidade por parte do público. Para além do conteúdo e da força da sua imagética, directa e espontânea, associava palavras num constante estado de rebeldia contra o racismo e a asfixia cultural. Pintava sobre os mais variados suportes, como portas velhas, chapas de automóveis, ou paredes. Em 1982 namorou com Madonna, uma cantora então desconhecida e conheceu Andy Warhol, que o protegeu e com quem trabalhou, tornando-se rapidamente famoso. Em 1984 começou a viciar-se em drogas, que motivaram a sua morte quando tinha apenas 28 anos.
Keith Haring desenvolveu uma temática relacionada com a morte, a sexualidade e a guerra, tendo como principais referências Jean Dubuffet, defensor da “arte bruta”, Pollock, Mark Tobey, Christo, do “Grupo KWY”, e Alechinsky do “Grupo CoBrA” (composto por artistas, de Copenhague, Bruxelas e Amesterdão: Asger Jorn, Karel Appel, Constant, Corneille, Lucebert e Alechinsky). Fundado em 1948, o “Grupo CoBrA” organizou a sua primeira exposição em Amesterdão, em 1949, e publicou paralelamente alguns textos que propunham uma séria reflexão sobre a “arte bruta” (do homem comum, da criança e do “louco”) e a imaginação delirante do artista inconformista, que não receia diluir as fronteiras entre o que se entende por normalidade ou por loucura. No final dos anos 1950, o Grupo CoBrA enveredou pela via experimental de um expressionismo neoprimitivo. O dinamarquês Asger Jorn interessou-se pela arte dos povos primitivos, das crianças, dos doentes mentais e também pelos rabiscos que o homem comum pratica espontaneamente. A nova figuração de cromatismo estridente, expressionista e esquemática, do holandês Karel Appel, também se aproximou do desenho infantil. Segundo o pintor, mais do que uma construção de linhas e de cores, um quadro é um animal, uma noite, um grito, um ser humano, ou tudo isso ao mesmo tempo.
Seja na arte de expressão espontânea, seja na action painting de Pollock (dripping), a expansão do gesto encontra igualmente alguma afinidade com o automatismo psíquico surrealista, que revela os dados imediatos do inconsciente.
ARTE DE RUA / ARTE URBANA
Graffiti é o plural da palavra italiana graffito. Grafitar significa riscar. Se as “garatujas” são os primeiros sinais gráficos da infância do homem, os graffitis foram, na infância da humanidade, as primeiras manifestações gráficas da Pré-história. São formas actuais de comunicação livre, para serem lidos por todos, sem limites de espaço ou ideologias. São símbolos que nascem nas paredes das grandes cidades, sem descriminações ou preconceitos, que traduzem sentimentos, protestos ou críticas. Se começaram por ser “arte de rua” marginal, de expressão directa, anónimos, clandestinos e ilegais, sujeitos à censura e à repressão, os graffitis foram dando lugar a novos estilos artísticos nos espaços urbanos, com qualidade estética; uma “arte pública”, interactiva, de expressão ornamental, que chega a sugerir a 3ª dimensão.
A pintura designada “3D”, ou “arte anamórfica”, utiliza uma técnica que distorce a imagem, como se fosse vista através de uma lente ou de um espelho não plano e obriga o espectador a colocar-se num determinado ângulo de visão, para a reconstituir com as respectivas proporções. Esta técnica era já conhecida nos séculos XVI e XVII, para criar ilusões de óptica nas superfícies curvas dos espaços arquitectónicos, nomeadamente nas pinturas das abóbadas das igrejas. Andrea Pozzo, da Companhia de Jesus, pintou em tromp-l’oeil, no séc. XVII, um fresco no tecto da nave da igreja de Santo Inácio de Loyola, em Roma, que cria a ilusão de uma cúpula aberta para o céu. No chão da nave, um disco de mármore assinala o ponto onde se deve colocar o espectador, para poder usufruir dessa ilusão.
Edgar Mϋller e Julian Beever são dois artistas da actual arte urbana, que praticam esta pintura designada “3D” ou “arte anamórfica”.
No âmbito da mais recente “arte de rua” é famosa a obra de OSGEMEOS Gustavo e Otávio Pandolf, irmãos gémeos idênticos, de nacionalidade brasileira. Entre a realidade e a ficção, a pintura dos dois artistas caracteriza-se pela sua capacidade de intervenção urbana, no âmbito da crítica social e política, que veio a assumir a tridimensionalidade da escultura e da “instalação”. Arte visionária e surrealizante, integrada na arquitectura e plena de fantasia, associa elementos aparentemente desconexos, que suscitam as mais diversas interpretações no âmbito da poética do maravilhoso e do fantástico. Ressalta o sentido enigmático e o fascínio da cor, que evoca o universo deslumbrante da infância, de grafittismo espontâneo e o carácter festivo, genuinamente brasileiro. OSGEMEOS viajam pelo mundo, realizando projectos colectivos com outros graffiters, nomeadamente em Portugal, na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa.
No âmbito da mais recente arte de atitude conceptual de intervenção urbana, de crítica social e política, destaca-se o também famoso grafittista inglês, Banksy.
CONCLUSÃO
Desde a Segunda Guerra Mundial, desenvolveram-se numerosas tendências estéticas, Coexistindo, de forma acelerada, distintas e contraditórias linguagens, como a pop, mais comercial, ou as de carácter ecológico, cuja componente estética nem sempre representa o principal interesse do artista. Neste processo acelerado, o público interroga-se frequentemente perante conteúdos e mensagens, que se transformam em autênticos enigmas. Se desvendar esses enigmas significa compreensão, a barreira artista-público parece oferecer ainda bastante resistência. Nesta perspectiva, propõe-se ao espectador da era digital e da Internet uma atenção idêntica àquela que habitualmente dedica à nova tecnologia, de forma a ser capaz de decifrar os códigos artísticos. Por muito evoluída que seja a tecnologia, prevalecem referências primordiais como a arte de expressão directa que, na sua pureza máxima, não admite correcção nem retoque, sob pena de ser falseada ou desvirtuada. A mão humana é inimitável. Mesmo quando aparentemente se mecaniza, ela diverge da máquina na sua irregularidade, podendo, nesse sentido, tornar-se mais expressiva e até original. A nova tecnologia é muitas vezes mais eficaz nos resultados obtidos, mas pouco ou nada surpreendente, se totalmente controlada ou programada. Se, efectivamente, o automóvel, o avião ou o drone se movem a grandes velocidades ou chegam mais depressa aos sítios, andar a pé ou desenhar à mão são privilégios da natureza humana que revelam, desde a Pré-História, capacidades expressivas e criativas que dispensam os meios mecânicos, tornados imprescindíveis em múltiplos aspectos da vida actual. A mão humana é, felizmente, rebelde à sistematização e não receia aventurar-se no desconhecido, sujeita aos maiores “desastres”, quantas vezes reveladores de novos caminhos.
Não é o meio utilizado que torna a arte relevante, mas o que o artista é capaz de alcançar com qualquer meio. A pintura e a escultura não só já provaram a sua sobrevivência face aos avanços tecnológicos, como também evoluíram. Há pinturas e esculturas realizadas há milhares de anos que ainda hoje têm o poder de nos inspirar e emocionar. A arte com qualidade resiste ao teste do tempo, seja qual for a técnica, que deve ser entendida como uma ferramenta de apoio à expressão individual.
O artista é um ser por natureza insatisfeito que sente a necessidade vital de ser criativo, para aprofundar e melhorar a sua relação com o mundo e para intervir nele com formas inovadoras, ainda que, por vezes, choquem e escandalizem. Essa atitude pressupõe uma crítica ao sistema dominante e à necessidade de o transformar. A natureza inquietante e sonhadora do artista contrapõe-se frequentemente à realidade prática, utilitária e objectiva. Motivado por convicções interiores, a sua forma divergente de pensar pode contribuir para a criação de novos modos de ver, sentir e agir, atitude que deve ser respeitada, como exemplo de idoneidade cultural.
De um modo geral, pode dizer-se que as obras modernas realizadas durante o século XX não foram explicitamente solicitadas pelo público, mas resultaram essencialmente da vontade dos artistas. A liberdade interior dos artistas que as produziram apela, porém, para a liberdade de cada um dos indivíduos componentes do público. A história da arte precede a história do gosto. São os artistas que estão formando o público – Rui Mário Gonçalves
Dalila d’ Alte Rodrigues
Agosto, 2017
(Texto preparatório de uma Conferência com imagens projectadas na Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira, 2017)