Cultura

Da egrégora do Cristianismo à egrégora do Ecumenismo | Artur Alonso

Egrégora: do Grego – Egrêgorein: vela, vigilar – do Latim “gregariu”: parte da grei, rebanho – congregação.

Com significado esotérico (interior) de Forma-Pensamento Coletiva – criada a partir de emoções e pensamentos invididuais, que confluem, num determinado tempo histórico, numa coletividade, comunidade, localidade ou região, dentro dum determinado imaginário coletivo: criando uma visão concreta de mundo. Esta egrégora depois vai influenciar essa coletividade – criando o significado exóterico (exterior), enraizado nos valores esótericos (interiores) da mesma.

Serve esta egregóra para, no lado luz positivo, fazer evoluir a humanidade, se for utilizada para expandir a visão correspondente à nova tônica civilizacional, assentada naquele axioma que Platão denominava o trabalho para o Bem, o Belo e a Justiça. No lado negativo – involutivo, serve a uma certa elite para controlar e comandar a uma determinada humanidade, num determinado contexto socio-político e cultural, expandindo uma civilização dominadora ou, mesmo, supremacista.

As egrégoras coletivas podem ter uma personagem central histórica ou espiritual – como síntese dos valores desse Imaginário, manipulado, no caso involutivo, ou bem direccionado aos novos valores da nova era e suas virtudes ético-morais, no caso mais evolutivo.  

Existem egrégoras mais pequenas dentro da Egrégora Grande do Ciclo, que podem ser de uma determinada organização discreta ou secreta, religiosa, cultural, política, espiritual ou artística  – como a egregóra criada por um determinado clube desportivo ou uma determinada vanguarda cultural: classicismo, feudalismo, renascimento, barroco, neoclassicismo, romanticismo, realismo, modernismo, vanguardismo e, nos dias de hoje, o posmodernismo…

Igualmente no nível Civilizacional – sempre ligadas a determinadas épocas temos as Egrégoras Maiores: do períodos Xamânicos; do mal-chamado Paganismo – e o atual, em declínio (mas todavia com manutenção pelo poder Institucional, que agora tenta organizar sua mudança) Cristianismo.

 

Início da Mudança

 

Na actualidade, estamos assistindo, devagar, a abertura tímida, mas contínua, de uma nova análise histórica, que interpreta a figura de Jesus Cristo desde um aspecto menos dogmático e mais céptico; com enfâse nas provas materiais ou não da sua existência. Alguns autores afirmando categoricamente a inexistência do Cristo como personagem histórica; outros como Antonio Piñero, F. F. Bruce ou N.T Wright, defensores da sua existência histórica irrefutável.

Em este trabalho, porém, nos vamos centrar em alguns dos que negam essa evidência do Jesus histórico, pois o início desta tendência de pensamento, ainda que na atualidade ainda não muito conhecida está, para nós, associada a essa mutação do cristianismo em favor de um ecumenismo, que vai requerer a fusão, de início, das três religiões abraâmicas (sendo que para o judaísmo fusionar, com o Islão e cristianismo, preciso será minorar ou passar, de início a segundo plano, a figura histórica do Cristo; subtituíndo-a pela figura do Cristo espiritual interno).

Dos vários exemplos de historiadores, que falam da não existência de Jesus, vamos citar alguns autores e fazer um breve resumo das suas teses ou hipóteses.

Vemos, assim, que para Joseph Atwill, os Evangelhos do Novo Testamento foram escritos por intelectuais ao serviço da dinastia Flávia, em Roma. Objetivo: criar um Messias pacífico, para contrapôr ao Messias guerreiro dos zelotes judaicos.

Argumentação bem especificada no seu livro “O Messias do César”. Os judeus helenizados, como a família de Filon de Alexandria, assim como Flavio Josefo (um judeu que lutou contra Roma e logo a serviu) junto à filha de Herodes Agripa, Berenice, teriam ajudado a esta dinastia Flaviana a realizar aquele projeto de pacificação dos judeus, através da criação dum Messias da paz – não belicista.

Tito Flávio, Clemente e sua esposa (segundo Atwill) ter-se-iam aproximado do cristianismo como um judaísmo da paz e a única forma de unificar dentro dum Todo Imperial a única religião, a hebraica, que desde os tempos helenizantes de Alexandre o Grande, nunca quis sincretizar dentro do Império, nem grego, nem romano (daí a revolta dos Macabeus, no tempo do governo impérial dos Ptolomeus).  Pois entre o povo judeu, os universalistas ou reintegracionistas, sempre perderam a batalha contra os tradicionalistas ou isolacionistas.

A dinastia Flavia usaria suas redes e alianças, na sua época a favor do cristianismo unificador e pacifista, sendo o próprio Papa Clemente I, filho de Tito Flavio Sabino, uma das cadeias na conexão flaviana com esta nova religião.  Papa referendando pelos escritos dos Atos dos Santos Nereu e Aquileu do século VI.

Flavio Josefo, por sua vez, teria anunciado a Vespasiano (na sua campanha militar na Palestina, quando Josefo foi preso), que ele (Vespasiano) seria o Messias do que falavam os textos sagrados dos Judeus – Crescendo esta ideia na mente do militar, até existir a possibilidade de Vespasiano se tornar Deus – e Tito o seu filho de Deus. Algo que foi conseguido uma vez que Vespasiano ter-se-ia tornado César e, posteriormente, já sendo Vespasiano Imperador, o Senado teria ratificado sua Divindade. Eis aqui onde Atwill vê nos escritos do Novo Testamento uma comparação intencionada com as ações, mesmo da campanha militar de Vespasiano e Tito, na Palestina; e essa futura obtenção da Divindade pelo Imperador é que colocaria a Tito como um filho de um Deus. Algo de vital importância, no mundo romano: não esqueçamos como Aurélia, mãe de Júlio César, imbuía continuamente a seu filho a ideia de ele descender da Deusa Vênus e do heroi Eneias (aquele da Eneida de Virgilio) e, pelo tanto, demonstrar a ele, Júlio César, ser um filho dos Filhos dos Deuses.

 

Para Iogari Pujoll (conhecedor da língua demótica – egípcia) – também a família do filósofo Filon de Alexandria teria ajudado a Roma a criar a nova religão do Cristo.  Iogari, conhecedor da antiga língua “demótica” egípcia, tem traduzido textos de diversas épocas e dinastias diretamente, afirmando através de comparação dos mesmo com o Novo Testamento, terem sido os sacerdotes do Templo de Serapis em Mênfis (Egito) os criadores destes Evangelhos de Mateus, Lucas, Marcos e João… Segundo Pujoll as similitudes entre os textos Egípcios, como os das Pirâmides, Setme I e  Setme II, ou o Talismã de Osíris e o Novo Testamento são muitas e muito evidentes. A vida similiar de Hórus e Jesus, a anunciação divina à Virgem Isis (também chamada de Maitusketh ou a Cheia de Graça), a Maat como sendo o caminho, a verdade e a vida, ou A profecia de Nefertiti sobre a vinda do filho do homen; entre outras muitas, têm demasiadas correspondências com os textos canônicos do Novo Testamento. No seu livro “Jesús o Egípcio” dá amostras maiores desta breve explicação.  

Para Fernando Conde Torrens, foi na época de Constantino (é precisamente no ano 303) e por ordem deste Imperador, que se começou a trabalhar na elevação da figura do Cristo a figura imperial. Sendo Lactâncio, Professor de Retórica e estudioso de textos egípcios, juntamente com o futuro Bispo Eusébio de Cesareia, os encarregados de realizarem esta tarefa, que finalmente ia recolher os seus maiores frutos no Concilio de Niceia, no ano 325 d.C.

Para o historiador e Diretor da Sociedade Secular Humanista do Peru, Iván Antezana, não há fontes materiais para sustentar a existência de um Jesus histórico. A chamada testemunha flaviana teria sido uma interpolação acrescentada no século IV pelo próprio Eusébio de Cesareia, dado naquela altura, devido à deterioração dos pergaminhos ou rolos escritos, ser preciso fazer renovações e cópias à mão. A habilidade deste Bispo para a falsificação fica evidente quando entrega uma suposta carta de agradecimento do próprio Jesus Cristo a um endinheirado comerciante cristão que teria feito uma grande doação a sua sede episcopal (já antecipando Jesus, no passado este, posterior ato de bondade).

Segundo Antezana, as supostas evidências da existência histórica de Jesus: a) não reunem fontes históricas válidas; b) apresentam improbalibidades, erros e contradições; c) Recorrem a reelaborações típicas de escrituras antigas; e d) suas estruturas e conteúdos são claramente místicos e não históricos.  Não existindo, segundo este historiador, fontes materiais diretas nem escritas fiáveis para afirmar a suposta evidência histórica de Jesus. Daí a necessidade de justificar a mesma com argumentos dogmáticos, como a dificuldade de explicar a religão cristã sem a sua figura.

 

O cristianismo, foi sincretizador do paganismo?

 

O historiador espanhol da Universidade de Cantabria, Nicanor Gómez, no seu escrito “La Represión de la Magia en el Império Romano”, afirma que o Imperador Tibério foi o iniciador da  perseguição  da “magia negra” devido à morte em Antioquía do seu filho adoptivo Germanico, após ter sido encontrado no quarto do mesmo instrumentos e inscrições de rituais negromânticos.

No século II d.C, o próprio escritor Apuleio foi acusado de magia negra – e pode salvar a vida dado a sua elocuência diante do Tribunal.

Marco Almansa, Doutor em História Antiga de Roma e Ciência das Religiões fala-nos que, no período posterior da dinastia Severa (de finais do século II ao começo do século III), volta outra vez Roma a abrir as restrições à Magia, impostas pelos Imperadores César Augusto e Tibério. Neste período, a Magia começa, segundo Almansa, a associar-se com a filosofia. Mas também a superstição da “plebe” na procura da protecção mágica traz consigo a chegada desde Oriente de adivinhadores, realizadores de sortilégios e outras pessoas de ética mais baixa, em procura de ganhos materiais que, para nós, vão abrir de novo a porta à inversão da Magia Branca Teúrgica, permitindo o regresso da Goécia ou Magia Negra iniciando-se este processo nas camadas mais baixas da sociedade, mas que, ao tempo, irá atingir também aquelas mais altas, com ambição económica, política e obtenção ou manutenção do seu elevado status, seja a que preço for. Situação, que nos começos da decadência Imperial do século IV, vai ter que ser travada outra vez para permitir a sobrevivência do próprio Império…

Daí que o Imperador Constantino, que foi instruído nos conhecimentos esotéricos da antiga religão greco-romana, decidirá unicamente tolerar “os sonhos divinatórios”. Permitindo no início a Teurgia da Academia Neoplatónica de Sopatros (sucessor de Jâmblico); mas, finalmente, Sopatros será condenado à morte acusado de “encadear ventos” para impedir a chegada dos barcos com grãos a Constantinopla.

O cristianismo se espalha e assenta como religião de Estado, em detrimento da Magia Negra, mas também da Teurgia ou Magia Branca da tradição celta e, também da greco – romana (cujo hermetismo era herdeiro do conhecimento egípcio, fenício e mesopotâmico).

A perseguição e início do processo total da definitiva desaparição da Teurgia, das Academias e das Sociedades Discretas acontece com a morte de Hypatia (ultima Diretora da Academia Platónica de Alexandria) em 8 de março de 415 d.C – Finalmente, no ano 529 d.C., o Imperador Justiniano fecharia a última academia neoplatónica de Damásio.

O historiador Agátias, o escolástico, continuador das crónicas históricas de Procópio de Cesareia relata como os membros sobreviventes desta Academia vão procurar proteção na corte de Cosroes I, o Justo, em Ctesifonte (capital, na época, do Império Sassânida, no atual Iraque, a uns 30 km da Bagdad atual). A assinatura em 532 d.C. de um tratado de paz entre esta dinastia Sassânida e o Império Bizantino vai permitir que a literatura e filosofia neoplatónica dos discípulos de Damásio tenha bom resguardo e possa ser cultivada no Oriente persa pré-islâmico, mais discreta ou secretamente.

O iraniano Murthada Mutahhari, em seu texto o “Irfan teórico” nos fala da perfeição humana ter mais a ver com o retornar à origem da qual nós procedemos; ultrapassando a separação entre o ente humano e a Essência Divina e, no domínio desta proximidade, aniquilar o finito eu (ególatra) para morar na Infinitude Divina… Visão que encaixaria perfeitamente com a contemplação mistíca, mais profunda, da práticas neoplatónicas, o que nos leva a pensar que o neoplatonismo na Pérsia, após o esplendor e a queda do Centro Geográfico Civilizacional Islâmico, prevaleceu e mesmo se fundiu com a mística sufi e a mais profunda prática do trabalho de transformação interior, dentro da visão islâmica. No mesmo texto Murtadha Mutahhari afirma: “As ferramentas do filósofo são a razão, a lógica e a dedução; enquanto a do “arif” (místico) são o coração, a luta espiritual, a purificação e disciplina da alma, e um dinamismo interior”, reluzindo aqui toda a essência da tradição mística, que prevaleceu através dos tempos até aos nossos dias, e que nas escolas neoplatónicas era veiculada mediante um conhecimento esotérico (interior); enquanto a mente racional era também alimentada, mas não sobredimensionada (como acontece na nossa atualidade muito materialista), para a perceção filosófica exterior – religando o interior esotérico com o exterior – exotérico.

No entanto, no Ocidente, a partir deste século VI, para manter este mesmo conhecimento esotérico – teúrgico vai ser preciso, desde este momento, criar, ou melhor dito, utilizar as chamadas Sociedades Secretas (dado elas terem sempre existido, mais ou menos encobertas), que se mantêm, mesmo até aos nossos dias, permitindo a seus discípulos aproximar-se daquelas velhas aprendizagens, em outro novo formato. Algumas destas sociedades herdeiras do saber inicárico, como as maçonarias, os rosacruzes e outras se tornaram, a partir do século XX, sociedades discretas.

O cristianismo esotérico mísitico oculto, que durante a Idade Média, se misturara (além da sua herança celta, nórdica e greco – romana) com a cabala hebraíca e o sufismo islâmico, dará figuras como Mestre Eckhart ou Nicolau de Cusa que, junto ao Mestre Pleto, trazido de Bizâncio por Cosimo de Medici, para refundar a Academia Neo-Platónica (nos finais do século XV), darão impulso a uma nova egrégora cultural que irá assentar no Renascimento, dentro da Egrégora maior do cristianismo.   

 

A Consolidação do Centro Geográfico Ocidental, através da Egrégora do Cristianismo – em mutação ao secularismo.

 

Já no Renascimento vemos o reformular da vida Medieval e a nova filosofia que irá dar no início da Idade Moderna uma nova tônica, mais dissociada do cristianismo mais dogmático.

As Sociedades Espiritualistas como a maçonaria (cuja tradição se situa na Baixa Idade Média, e mesmo se aponta nascer na altura ou fusionar-se com os Cavaleiros Templários) ou os Rosacruzes (que tinham sincretizado o conhecimento mitraico – persa, egípcio, grego de Elêusis e a cabala hebraíca, com o esoterismo cristão) vão ter uma funda pegada no simbolismo renascentista. Apesar dos Rosacruzes não terem feito a sua apresentação pública até ao século XVII, numa Paris convulsa, semente da futura transformação social.

O certo é que o simbolismo neoplatónico e hermético é visível na arte e nos conceitos filosóficos, cientificos e culturais do renascimento; daí a sua associação a que algum tipo de ordem secreta ou discreta (com influência política e apoio duma elite visionária) tivera espalhado o mesmo, provocando a profunda mudança – da Egregóra da Idade Média – à Nova Egrógora Humanista – ambas dentro da Grande Egregóra do Cristo. Abrindo mão dum racionalismo empírico, que se iria, devagar, afastando-se daquele cristianismo mais apegado às doutrinas escolásticas, nascidas a partir do século IX.

O Escolasticismo muito influenciado, a partir do século XIII, pela “Summa Theologiæ”, de Santo Tomás de Aquino, que vai impor uma certa raiz de base aristotélica à dogmática católica deste momento histórico. Vemos, no entanto, que esse pensamento “racionalista” de São Tomás não fecha, pelo contrário abre ao ser humano aquela necessidade intrínseca da conexão mística. Afirmações na sua grande e monumental obra (já referida) “Suma Teológica” como: “Ora, em Deus não há realmente universal nem particular, nem forma nem matéria; contudo, segundo o nosso modo de falar, existe em Deus alguma semelhança de tais coisas; e nesse sentido Damasceno diz que a substância é comum, porém a hipóstase é particular” assim o avaliam. Pelo que, na realidade, vamos intuindo um continuum em mudança, que vai através dos tempos históricos, mudando sua forma, mas não sua essência, fazendo sempre finca-pé na espiritual essência da origem, mais do que nesta se reveste na matéria.

 

No seu trabalho intitulado “Magia e Alquimia: o Renascimento e a Origem da Ciência” – Mª Rita Guercio, nos lembra que aquela magia proibida pela Roma cristianizada, agora trabalhada em segredo, junto ao surgimento da alquimia medieval – darão origem aos movimentos cientificos – que influeciaram as mudaças culturais da Europa desde esta época até ao Iluminismo –  Revolução francesa – e mesmo até chegar ao nossos dias – apesar do racionalismo imperante, apagar na superfície o espiritualismo, do qual ele mesmo nasce.

“Durante o Renascimento, o platonismo e o hermetismo voltaram à tona, quando por ordem de Cosme de Médicis (1389 – 1464), Marsilio Ficino (1433-1499) traduziu um compêndio de 14 tratados gnósticos neoplatônicos dos primeiros séculos do cristianismo: o Corpus Hermeticum de Hermes Trismegisto. De acordo com essa tradição, o culto ao sol, ou heliocentrismo, seria uma característica importante para Hermes Trismegisto” (Magia e Alquimia: o Renascimeto e a origem da Ciência… – Mª Rita Guercio). Ficino foi o substituto de Pleto à frente da Academia Neoplatónica fundada por Cosimo ou Cosme de Médicis. Entre as personagens em destaque desta Academia, nos seus inícios, podemos referenciar Pico della Mirandola, Angelo Poliziano, Leão Battista Alberti, Gentile de Becchi, Lorenzo de Médici, Cristoforo Landino ou Benedetto Varchi…  Além disso, poderíamos nós afirmar sem demasiada ousadia que Copérnico e Galileu Galilei, no seu empirismo racional, bebem das fontes herméticas espirituais desta ressurgida Academia (acrescentando a este compêndio as fontes neoplatónicas de Santo Agostinho e as neo-aristotélicas de Santo Tomás de Aquino, que muito influenciaram suas respeitivas épocas).  

O hermetismo, confluência certa do saber egípcio de Thot e a filosofia neoplatónica, vai ter muita influência no desenvolivimento científico – filosósfico, no pré renascimento, no renascimento e pós renascimento. Giordano Bruno, queimado na fogueira no ano de 1600, abre a porta a essa ciência do macro-cosmo enraizada nesta cosmovisão espiritual, que, paralelamente, Johannes Kepler vai formular (resgatando os trabalhos do seu “ilustre colega e mestre” na escola de Graz, o dinamarquês Tycho Brahe, aquele que, por sua vez recolheu os estudos do polonês Nicolau Copérnico) para que, posteriormente, Newton, Leibniz e Spinoza amplifiquem em sua matemática, astronomia e filosofia.

“Isaac Newton se inspirou na alquimia e no Hermetismo para cunhar seu conceito geral de força e de gravidade. Newton retirou da segunda edição de seu Principia a afirmação de sua crença na transmutação da matéria, relegando tal citação em seu Optica. A partir daí, parece possível especular que Poincaré e Einstein tenham, com a equivalência entre energia e matéria, recuperado o Newton oculto- esotérico” (Segundo afirma Nelson Job no seu livro  “Confluências entre Magia, filosofia e Ciência”).

 

A egrégora da Revolução francesa

 

O universalismo da Revolução francesa traz consigo a queda do velho regime aristocrático mercantilista – e o surgimento do Estado burguês capitalista liberal. O teocentrismo medieval é defintivamente substituído pelo antropocentrismo humanista, herdeiro da onda iniciada no renascimento. Triunfa o racionalismo empírico de Descartes e John Locke.

As maçonarias espalham por todo o continente a ideia da Fraternidade Humana. Maçons como Diderot, que dirige a Enciclopedia das Ciências, Artes e Ofícios (e que conta em sua elaboração com a colaboração de maçons em destaque), abrem a porta das mudanças acadêmicas. Ilustres como Voltaire, Montesquieu ou Rousseau, entre outros, fazem de seus textos: pontes entre o conhecimento espiritual maçonico e a sua materialização no humanismo racionalista.

A secularização da sociedade e a liberdade de pensamento toma forma – na sua ascensão virtualizada do ser humano como ente livre pensante. Esta visão secular hoje, no seu declínio – entropia, enfatizando já um liberalismo niilista e entrópico de sociedade do consumo – procura do prazer carnal, sensorial… fugida da dor fica afastado definitivamente daquele começo libertador.

Dentro desta Egregóra do Cristianismo Universal, ainda no dia de hoje vigente, mas em transformação, por ser suporte do Poder Ocidental materialista em declínio – observamos, todavía,  como o neoplatonismo inicial de finais do século II – inícios do III de Amônio de Saccas (que traz à Europa encoberto o conhecimento dos Vedas indianos), se une ao espiritualismo druídico celta, absorvido por Roma e, posteriormente, ao catolicismo de santo Agostinho e santo Tomás de Aquino, imprimindo uma continuidade de mudança desde Cusa aos nossos dias. Assim, é facil advertir que esse pensamento espiritual romano que também, como vimos, bebeu das fontes gregas herméticas (pelas que flui o rio espiritual do Egipto ate à Mesopotamia) e, com a chegada  do Poder Germano e a queda da Roma Ocidental, a espiritualidade nórdica vai penetrar também aquele cristianismo, nos finais do século V. Mantendo esta tendência sincrética, aumentada com a expansão do Poder Ocidental por todo o orbe: ao fusionar o espiritualismo místico das sociedades orientais e ocidentais com a egrégora do Cristo  – Tornando-se este cristianismo, através dos tempos, sem dúvida numa religão bem sincrética: elaborada na fusão destas elites, mas não sendo evidente aos olhos duma população, mais ocupada com a sua sobrevivência.

 

Egregóna do Cristo – Paganismo e judaismo unidos

 

Baine Harris, em seu trabalho “Neoplatonismo e pensamento indiano” – Tom Harpur no “Cristo dos Pagãos” ou Frank Viola, no seu estudo “O cristianismo pagão” nos oferecem referências desse facto da religião do Cristo serem verdadeiramente uma religão sincrética.

O sacerdote e protopresbítero ortodoxo Alexander Schmemann nos lembra que: “No percurso de reemplazar as antigas religiões o cristianismo chegou a ser uma religião” – Ainda nos dias de hoje a que domina o Ocidente coletivo. E nós acrescentamos a esta reflexão de Schmemann a ideia de que se faz inevitável que, nesse processo de substiuição duma nova religião nova pelas antigas, os pousos aproveitáveis das velhas tradições não foram transferidos à nova.

Segundo Viola, em “O cristianismo pagão”, foi o o povo que constitui, nos inícios desta religião, o espaço sagrado e não a arquitectura. Assim, o cristianismo original abolia o Sacerdócio, o Templo e a Ritualística do Sacrifício do velho paganismo pois a figura do Cristo simbolizava estes três estamentos. Sendo que a Casa de Deus era o próprio ser humano. O Poder Eclesiástico Institucional teria mudado esse modelo e voltado a estrutura anterior do paganismo, onde o Sacerdócio aliado ao Estado era pedra angular, voltando assim a erguer o Templo, a instituiçao Sacerdotal – agora Papal do Pontífice e o sacrifício incluído na “Óstia” Sagrada e na agonia da crucifixão.

O Pontífe ou a Ponte entre o espiritual e material lembra também o paganismo ultrapassado.

O galaíco Prisciliano teria resgatado esse cristianismo original e gnóstico, daí a sua execução e a perseguição dos seus discípulos… No humanismo renascentista, de algum modo, se resgata este ideal priscilianista, que já estava inserido nas velhas tradições espirituais, que cultuavam a semente divina em nós – ou a faisca do fogo sagrado “Agni” – fractal ou fracção do Divino Deus em nós.

Podemos então afirmar ser este cristianismo esóterico, que sincretizou o melhor das velhas tradições, unindo-as à espiritualidade hebraica, em tempos de declínio da Velha Egrégora do Paganismo, o que, em seu dia, permitiu a homeostase sistémica – mediante a reciclagem do antigo no novo, evitando a queda do Império Romano do Oriente e dando-lhe uma guia ao posterior Império Germano – Romano do Ocidente.

 

A Transição estava e está em marcha  

 

Segundo estes historiadores no século II não existem evidências de comunidades cristas, não existindo verdadeiramente rastro do cristianismo até ao século III. A evidência histórica nos faz constatar que esta religião cresce exponencialmente com Constantino, a partir do século IV, e do concílio de Niceia.

Santo Agostinho, educado na tradição neoplatónica (que vai misturar com a nova religião) vai também encaminhar a doutrina cristã  àquela visão da “República de Platão” sobre o Bem, o Bom e a Justiça. Mas também terá de abrir a porta para a deturpação futura desta nobre doutrina, pelas sombras involutivas, e dar certo futuro poder às trevas, que se vão introduzir também na nova religião quando por necessidades organizativas e de construção material – institucional, aceita essa dualidade e permita a inclusão no cargo de Bispos, de homens “não perfeitos” que deveriam aperfeiçoar-se, ao eles serem os diretos substitutos dos “apóstolos” na Terra (coisa que nem sempre se verificou. Pel contrário, muitos bispos, e mesmo Papas, terão utilizado o Poder da Intuição para beneficio de seus interesses pessoais e políticos).

Independente da existência ou não do Jesus histórico (apegar-se a este debate é apegar-se à matéria), está a abrir-se a janela duma futura unidade espiritual, que traz consigo, devagar, uma nova unidade cultural e civilizatória. Começando pelo mais profundo da mistura de todo conhecimento esotérico (interior), provir de onde ele provir, numa ampliação, de início individual ou de pequenos coletivos. Mas que depois, também devagar, vai-se transladando ao conhecimento filosófico – cultural exterior ou exotérico.

Sendo que esse velho e novo conhecimento espiritual esotérico – interior, está a ser rececionado e misturado em todos os cantos da Terra, trazendo consigo desde o taoismo chinês, aos vedas indianos, até ao hermetisco egípcio, grego, mesopotâmico e neo paganismo celta e nórdico; junto às velhas tradiçoes da “Toltecaya de Quetzalcoátl” na Meso-América ou dos Laicas andinos e dos indígenas norte-americanos (com o conhecimento de Wankan-Tanka), assim como do xamanismo amazónico, siberiano ou africano… Com os seus lados luz e sombra, segundo o uso correcto da Teurgia ou incorrecto da Goécia.

Este movimento inicia devagar a mudança das tradições culturais, sociais, políticas e religiosas pela transformação e unidade da sua essência ético espiritual mais profunda.  O qual dará fim, definitivamente à egrégora do cristianismo, avançando para a egrégora do ecumenismo, no início unindo as três religiões abraâmicas. O Concílio Vaticano II, que na sua essência oculta aproxima o catolicismo a outros moviemntos religiosos, como os evangêlicos, foi um passo firme nessa direção.

Elites de poder de luz e de sombra, do catolicismo, judaísmo e protestantismo, mesmo do islão pró-ocidental, foram fusionadas, no final do século passado e inícios deste, pelo Império Ocidental, ainda no comando do mundo, mas em decadência. Dado as suas elites, no lado bem e no lado, se associarem para manter em expansão este Império, agora no início da sua entropia… A nova realidade geopolítica de declínio deste Império Ocidental, e mesmo a futura possibilidade de queda do mesmo, e o lógico surgir dum novo poder multipolar, talvez com centro na Eurásia, não irá mudar esse movimento.

Pois o judaísmo pode virar a sua velha aliança com o Poder Ocidental para o Novo Centro a formar-se no Oriente, por instinto de sobrevivência do Estado de Israel sendo que, agora, a mesma Arábia Saudita e Emirados Árabes (que no seu dia foram o sustento do dólar como moeda de reserva global, através da criação do petro – dólar e fortes aliados de Israel) estão agora a virar também na direção da construção e pacificação do Oriente Médio e da Ásia Central..  E um islão xiita e sunita, que procure um entendimento, pois para ele é vital uma Ásia pacificada, para o trânsito mercantil das novas rotas da seda, idealizadas pelo poder chinês, mas que trazem prosperidade a toda a região, é vital (ainda que seja em detrimento dos interesses ocidentais). E, finalmente, o cristianismo ortodoxo pode bem fusionar, com o tempo, este espaço com o islão, judaísmo e trabalhar, por sua vez, com o budismo, taoismo e confucionismo chinês. Mesmo se a Eurásia sair vitoriosa do seu embate com o Ocidente, finalmente a Europa católica e protestante terá de acomodar-se a esse corredor de futuro prometedor Lisboa – Vladivostoque – Xangai…

Mas ainda é pronto para saber quem vai sair vitorioso deste embate… O que sim podemos afirmar, com pouca margem de erro, é essa tendência da egrégora do cristianismo mudar para o ecumenismo ser já imparável. E, nessa fusão a figura do Cristo exterior histórico virará a favor do Cristo interior ou espiritual. A crucifixão dará passo à ressurreição… Sendo que o tempo desta mudança não será o humano, se não o dos ciclos naturais históricos…

Fotografia de Artur Alonso

 

Artur Alonso: escritor com vários livros editados de teatro, poesia, ensaio e romance…

Ex diretor do Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz.

Ex secretario do Instituto Galego de Estudos Celtas.

Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono.

Membro de Honra da Associação de Escritores.Mocambicanos na diáspora.

Membro do Conselho de Redação da Revista Identidades, etc.




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