Multipremiada crônica que abre o livro Crônicas do Ofício, editora Cajuína – 2022
A PALAVRA
(para Umberto Eco,
in memoriam)
No princípio era o verbo. Depois vieram os substantivos, os adjetivos, os pronomes. E o homem começou a produzir discursos e a conquistar seu mundo por intermédio da palavra. Nominar para conhecer, conhecer para conquistar. E jamais houve arma mais poderosa do que a palavra.
E o homem usou a palavra para continuar suas descobertas. Para perpetuar suas experiências. Para acumular seu conhecimento.
E o homem usou a palavra para cativar amigos, para seduzir amantes, para celebrar comunhões.
E o homem usou a palavra para conquistar fiéis, para dominar territórios, para exercer o poder.
E o homem criou novas palavras para velhas coisas. Traduziu-as para novos idiomas, diversificou-as na torre que buscava a própria palavra em sua origem.
A palavra, no entanto, sempre se impôs a qualquer homem. Sempre perdurou para além de qualquer discurso. E onde já não há rosas, ainda seu nome perpetuado para além de sua efemeridade. E onde já não há existência, palavras renitentes continuam existindo.
Mesmo hoje, a palavra, transformada em pulso eletrônico, em onda magnética, em pixel luminoso, concretiza-se na matéria etérea de significados da qual é feita.
Dominá-la e entregar-se ao domínio que nos impõe. Eis o sentido último do encanto, do jogo e de nossa devoção e vício: a palavra, e seus ecos, vivida como profissão.
Bento Aquino – SP
Luiz Eduardo de Carvalho foi professor, publicitário e assessor de imprensa, jornalista e gestor cultural nos âmbitos público, particular e do terceiro setor. Dedica-se exclusivamente à produção literária desde 2015, já recebeu mais de 60 prêmios literários e publicou: O Teatro Delirante, Retalhos de Sampa, Sessenta e Seis Elos, Frasebook, Xadrez, Quadrilha, Evoé, 22!, O Pirata Grilheta e os Dragões do Mar, Um Conto de Réis (e de Rainhas), Crônicas do Ofício, Curtas-metragens e Cabra Cega.