Cultura

A invasão | Carlos Eduardo Matos

Alguns casamentos fracassam por pequenos detalhes. Bem, não tão pequenos assim.

Laerte adorava sexo oral. Fazer e receber. Lúcia adorava receber, mas fazer, nem morta!

Isso não era exatamente verdade. Os dois se conheceram, apaixonaram-se e foram morar juntos em dois meses. Nas noites de paixão tórrida, ela até que fazia. Mas a contragosto, depois de revirar os olhos e suspirar, como se caminhasse para a forca. De olhos fechados e sorriso nos lábios, antecipando o banho de língua, Laerte não percebia o desconforto de sua mulherzinha. Pobre imbecil!

A coisa mudou na primeira noite no apartamento dela, que passara a ser dos dois.

 — Chupa, querida…

 — Não. Não chupo. Não gosto. Tenho nojo.

 — Mas você sempre chupou! Toda mulher chupa, sua mãe chupa, sua avó chupava… 

 — É, pode ser, mas nunca quis chupar. Só fazia para te deixar contente. Agora não chupo mais – e mudando o tom da voz, murmurou maliciosa e tentadoramente:

 — E há tantas outras coisas gostosinhas que a gente pode fazer… 

Era verdade. Lúcia era insaciável, qualquer prazer a divertia — exceto o que acabara de revelar. Curtia algemas e vendas, fetiches com fantasias (tinha uma saia curtinha de normalista que era um arraso), dar e receber pancadas leves e era simplesmente fissurada por sexo anal.  Muitas vezes, quando dormiam de conchinha, depois da transa, ela começava a rebolar convidativamente, estimulando-o a novos esforços. Ele sempre comparecia. 

Em tais circunstâncias, Laerte escondeu o desapontamento e partiu para o ataque. Teve uma noite inesquecível. De um lado, porque Lúcia, talvez para se redimir pela negativa, deu um show de bola. Do outro, por ser a primeira vez, desde que havia deixado para trás as trepadas rápidas e furtivas da adolescência, em que seu cacete não fora devidamente homenageado por uma língua e lábios sedentos.  

Para piorar as coisas, Lúcia tinha uma boca linda e deliciosa, bem quentinha, de lábios macios e carnudos, que ficavam semiabertos para receber sua língua. Ele sonhava com aqueles lábios beijando-o, depois descendo por seu torso e, finalmente, engolindo-o …

Para agravar ainda mais a situação, a moça dormia com os lábios abertos, ressonando levemente. Ele achava uma gracinha, brincava que ela roncava de acordar todo o prédio (ela negava, indignada). Após uma semana de greve de boquete, porém, ele não achava mais a menor graça e passou a vê-los como um convite. Sua ideia era chegar de surpresa e, passado o choque inicial, ser bem recebido, assim como algumas tribos de beduínos acolhem como um hóspede precioso o inimigo que consegue penetrar no acampamento. Mas Lúcia não era beduína, e sua boquinha não era uma tenda nômade …

Certa noite, depois da transa, Laerte levantou-se enquanto a mulher dormia. Lavou-se cuidadosamente para diminuir eventuais resistências de sua presa e investiu, penetrando a boca de Lúcia. E aí deu merda. Sufocada por aquele corpo estranho, ela cerrou automaticamente os dentes, fazendo-o uivar de dor. Para sorte dele, o reflexo seguinte foi de vômito, levando-a a abrir a boca e liberar o invasor, embora o cobrisse de restos do jantar e de bile. 

Laerte bem que tentou, pediu mil desculpas, falou que havia enlouquecido temporariamente, jurou nunca mais fazer isso, mas não adiantou. Terminou a noite no sofá e, na manhã seguinte, saiu do apartamento para nunca mais voltar.

 

Meu nome é Carlos Eduardo (Cadu) Matos. Nasci em 1946, em Niterói, cidadezinha diante do Rio de Janeiro – uma Almada da baía de Guanabara. Formei-me em Direito em 1968 mas jamais advoguei. Dei aulas de Sociologia na Fundação Getúlio Vargas- SP e, antes disso, em 1975, na Escola Bento de Jesus Caraça, em Évora. Sempre exerci o ofício de escritor. Desde 1969 trabalhei como editor, redator, tradutor, preparador de texto e revisor para editoras de fascículos, revistas e livros didáticos e não didáticos. Contudo, apenas em 2018 escrevi meu primeiro texto pessoal, não encomendado por uma empresa. E não parei mais. Lancei quatro e-books pela Amazon: Shoshana – publicado na íntegra em quatro edições sucessivas da InComunidade – e os livros de contos Lili dos dedinhos, A outra e Rebeldes.

 

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