Política

Eles venceram | Flávio Sant’Anna Xavier

ELES VENCERAM

 

Daqui a poucos dias será eleito o novo presidente do Brasil. Qualquer o vencedor, a direita e a extrema-direita triunfaram. Numa poderosa onda conservadora elegeram a maioria dos senadores e governadores dos principais Estados, além de aumentarem a bancada nos parlamentos. Não é pouca coisa.

 

Repete-se o mecanismo perverso da reeleição, inaugurado na era FHC. Ali se iniciou a compra desbragada dos votos no parlamento para a inovação constitucional e depois à governabilidade: sinônimo de fisiologismo em grau cada vez mais acentuado e explícito.

 

Todas as matizes políticas cravaram um longo projeto de poder a partir da reeleição, com amplo e progressivo naipe de benesses, voltado às camadas mais populares. Sem alterar a estrutura de concentração econômica e política, mas surfando na ampla popularidade de medidas paliativas e de forte apelo eleitoral.

 

Não à toa os governos pós-ditadura foram ameaçados por processos de impeachment e a reeleição se mostrou como antídoto à abreviação do mandato. 

 

Às oposições surge sempre o dilema: promover o impeachment ou deixar sangrar. No caso de Bolsonaro, nitidamente o PT optou pelo segundo caminho, apostando que a negação à pandemia de coronavírus e a deterioração econômica promoveriam o estrago inexorável e ganhariam no primeiro turno.

 

No entanto, a previsão não se concretizou. O PT se imolou nos seus desvios históricos, em especial a nascente paulista. Quando se apercebeu que somente furaria a bolha da classe média com a união do seu irmão socialdemocrata (PSDB), representado na figura do seu vice Alckmin, já era tarde demais. O PSDB quase deixou de existir após as eleições, sua base de apoio migrou para a direita e a extrema-direita.  E o PT continuou com os velhos problemas eleitorais, em SP e no Rio de Janeiro. Sem estes poderosos eleitorados a vantagem expressiva do Nordeste parece se neutralizar.

 

Opera-se uma mudança no eleitorado brasileiro, com um avanço das pautas mais conservadoras, máxime nos costumes e na segurança (único indicador que não melhorou em nenhum governo petista). O decréscimo de influência da igreja católica em contraponto ao avanço dos evangélicos e pentecostais alterou a correlação de forças, em especial entre os mais pobres.

 

Até onde irá a onda conservadora é difícil responder. Mas está longe de inflexão. A ausência de um projeto político mais à esquerda, que não se esconda debaixo da saia do PT e da socialdemocracia também parece ser um fator decisivo, pois o debate ideológico se faz necessário mais que nunca.

 

Das eleições emergirá um país dividido, mas com o controle aparente das forças reacionárias e conservadoras. Uma nova onda de eliminação de direitos e muito provavelmente o óbito da Constituição de 88 serão cenários possíveis, não rara a própria institucionalização da barbárie e do autoritarismo agora de nova face: a democracia/ditadura, uma realidade anfibológica onde os autoritários ascendem ao poder pela via do voto e instituem uma negação autoritária deste caminho. 

 

Eles venceram.

 

Fotografia de Flávio Sant’Anna Xavier

 

 Flávio Sant’Anna Xavier é Procurador Federal desde 1997. Autor de obras e artigos jurídicos na área do Direito Agrário e Administrativo. Autor do livro de contos “Guris” (2016).

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