Cultura

3 poemas de Escrever um poema sobre a liberdade e vê-lo arder | Nuno Brito

3 POEMAS DE ESCREVER UM POEMA SOBRE A LIBERDADE E VÊ-LO ARDER

 

 

OLÁ LIBERDADE!

Vivo numa pequena cidade chamada Goleta, e outro dia fui comprar leite. Vim para estudar literatura, vim para ensinar literatura e nunca saberei o que isso é. Fiz amigos, conheci pessoas, desejei ser amigo de todos, não sei muito bem o que isso é. Fiquei a saber menos coisas. Cada vez sei menos coisas. Regressava a caminho de casa com uma embalagem de leite na mão, pensava em moinhos, pensava em braços, pensava no sol, quando ouvi atrás dos meus ombros “God bless you” numa voz sincera e rouca, um homem ultrapassou-me e respondi-lhe “God bless you” numa voz afirmativa, sinceramente, como quem retribui algo que é de todos. Que deus te bendiga é um pensamento com muita força, um pensamento que faz nascer e um pensamento é como uma estrela: um pensamento pode criar uma estrela. Um pensamento pode encher um planeta de vida. Há momentos em que com os pés no chão um pensamento pode iluminar a vida inteira, como uns olhos e uma recordação podem encher a vida inteira de paz. É preciso dizer deus te bendigo com mais força, com uma força humana, uma força animal e divina, uma força humana. Uma força de transmutação. Porque somos muitos somos um,  é preciso dizer que deus te bendiga com os olhos e com todas as variantes que nos oferecem as palavras: que tudo aquilo que eu sou (e somos nós todos) te encha o coração de vida, que a luz te ilimite e que a beleza te rodeie, como na oração navajo, que não pares nunca de te libertar e que o teu coração seja a festa mais pura, que a menina dos teus olhos mostre sempre um coração puro e que o teu coração seja o de uma criança,  que todo o teu caminho se acenda na flor e pedra que é o presente e que os teus olhos se encham de perfeição; porque o sol é um eu profundo devemos dizer olá liberdade ao coração de cada ser, porque a liberdade não para de nascer e porque a liberdade não para de vencer devemos dizer que os teus olhos se encham de perfeição ao coração de cada ser, Porque o caminho não para de se encher e o sol é um eu profundo devemos dizer olá liberdade aos nossos olhos no espelho que são os olhos de todos aqueles que nos viram e os olhos de todo aqueles que virão e que vamos encontrar ou não no nosso caminho.  Porque o nosso caminho é plural devemos dizer Olá liberdade ao coração de cada ser, porque o caminho de cada ser é plural devemos dizer Olá Liberdade ao coração de cada ser porque a liberdade não para de nascer devemos dizer Olá Liberdade e rir com mais força: rir com os olhos e com os dentes e com todo o sol que cabe dentro de nós todos e que quando regressemos a casa o nosso mundo se recomponha e durmamos como uma criança abraçado a uma almofada ou a um peluche que seja – por simulação e verdade – o mundo todo. Porque o universo está a começar agora e toda a vida está a correr dentro de ti cada vez que olhamos o coração de alguém nos olhos devemos dizer olá liberdade porque a vida não tem fim devemos dizer olá liberdade porque o amor não tem fim devemos dizer olá liberdade porque a ressurreição não tem fim devemos dizer olá liberdade: ao coração de cada ser.

Devemos dizer Olá Liberdade –

Como se o disséssemos ao coração do sol –

Devemos dizer olá liberdade ao coração de cada ser que encontramos à nossa frente.

O SOL QUER DIZER EU SOU

Ou então outra coisa, muito baixinho, como por exemplo: somos feitos para unir, unir não é uma coisa abstrata, é uma coisa vazia:  só quando o coração se esvazia se volta a encher de sangue e a vida volta a entrar nas células.

Unir é a matéria plural da vida, o céu a circular dentro do corpo como o sangue a circular dentro do corpo. Unir é partir / Unir é partir em paz. Ou outra coisa muito baixinho. Partir é unir o mundo e unir não tem fim.

 

 

A FELICIDADE É UM MOINHO

 

A felicidade é um moinho

Que não precisa de vento

Que não precisa de rio

Que não precisa de chuva

Que não precisa de sol

A felicidade é um moinho

Que roda sem início e sem fim

O amor todo a começar agora –

Outra vez –

A felicidade é um moinho perfeito.

Fotografia de Nuno Brito

Nuno Brito nasceu no Porto em 1981.  É autor dos livros de poesia: Delírio Húngaro (2009), Antologia (2011), Crème de la Crème (2011), Duplo-Poço (2012), As abelhas produzem sol (2015), Estação de serviço em Mercúrio (2015) e O Desenhador de Sóis (2017).

É leitor do Instituto Camões na Universidade da Califórnia em Santa Barbara onde vive desde 2015 e onde obteve o Doutoramento em Literaturas Brasileiras e Portuguesas, foi professor de Literatura Portuguesa na Universidade Nacional Autónoma do México onde viveu entre 2012 e 2014. 

Foi editor da revista literária Cràse e publicou em diversas antologias de poesia em Portugal, Espanha, México e Grécia, entre as quais a Antologia da Jovem Poesia Portuguesa (Atenas, Valkixon, 2021), a Antologia Lluvia Oblicua: Poesía Portuguesa Actual. (México: Círculo de Poesía, 2018), O Binómino de Newton e a Vénus de Milo: Poesia e Ciência na Literatura Portuguesa, organização de Vasco Graça Moura e Maria Maria Bochicchio (Lisboa: Aletheia, 2011) e Antologia Jovens Escritores 2008 (Lisboa, Clube Português de Artes e Ideia). Foi distinguido por duas vezes com o Prémio da Associação de estudantes da Faculdade de Letras do Porto na categoria de Poesia e Conto e foi selecionado para a Mostra Jovens Criadores (Literatura) 2008 em Lisboa.   É coordenador editorial juntamente com Maria Bochicchio da colecção Novíssima da editora Exclamação. 

Ode Menina é o seu quarto livro publicado pela editora Exclamação e reúne textos escritos entre 2018 e 2021, assim como alguns textos publicados anteriormente em livro.

Qual é a sua reação?

Gostei
0
Adorei
4
Sem certezas
0

Os comentários estão fechados.

Próximo Artigo:

0 %