Cultura

Universalismo (reintegração) – Localismo (isolação) | Artur Alonso

Julius Sperber (1540-1616), escreve um livro intitulado “Ein Geheimer Tractatus”, no qual nos fala de homens que, segundo suas palavras: “eram hábeis na arte da verdadeira magia: Agrippa, Aegidius de Roma, Gerhardus Zurphaniesis, Johannes Hagem de Indagine, Johannes Reuchlinus, Taullerus um monge pregador, Petrus Galatinus e Franciscus Georgius com o monge Minoritano, Marsilius Ficinus um teólogo, Medicus Guilbelmus Postellus, Henricus Harphius teólogo, Picus vem Mirandulanus, Markus Antonius Mocenicus, Stephanus“, entre outros. Sperber fala da alta arte da sabedoria divina e de como aqueles que não acreditavam, não sabiam ou não entendiam nenhuma dessas coisas zombariam e ririam do mais elevado dos conhecimentos (único que pode libertar o ser humano das cadeias psicologicas da egolatria). Ele menciona também os estudos de Petrus Wintzigk de Breslau, que nunca foram publicados, como de Alta Sabedoria em Magia Divina.

 

Poderíamos a esta lista de homens acrescentar, junto a muitas mulheres, os conhecimentos dos pré-socráticos, de Platão, Aristóteles. Os Neoplatónicos como Apolónio de Tiana, Jâmblico, Plotino, Orígenes, Porfírio, Amónio de Saccas, Filon de Alexandria, a mártir Hipátia (também de Alexandria)… Os famosos cabalistas medievais: muitos deles da Península Ibérica como Abraham Abulafia, ou Moshe de Leão (já no século XVI o alemão Isaac Luria). Sem esquecer autores tão importantes, como no medievo Johanes Eckhart (influenciado pelas ensinanças neoplatónicas, que também foram evidentes em São Agostinho de Hipona, Dionísio Areopagita e João Scoto Eriúgena)… A listagem seria a mais ampla, chegando a influenciar o mesmo Nicolau de Cusa; e mais adiante o mesmo romantismo alemão de Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, e sua procura do absoluto, a partir da sua dupla manifestação: a natureza e o espírito; junto à sua filosofia teosófica da revelação, com a visão de um Deus – Uno, que encerra no tudo.

 

O filólogo francês Fabre d´Olivet, a finais do século XVIII, afirmava: “Sendo a Essência Divina inacessível ao sentidos, empregamos para caracterizá-la, não a linguagem dos sentidos, mas a do espírito. Damos a inteligência o princípio ativo do universo o nome de mónada, e à matéria, o princípio passivo, chamamos díade ou multiplicidade (…) ao mundo chamamos tríade, porque é o resultado da inteligência e a matéria” Voltando aqui de algum modo a condizer com a ideia teosófica da Tríade Divina: Pai (princípio, vontade, causa – impulso do rigor) Mãe (útero, gestação dos mundos, Lei, planificação – Amor) Filho/Filha (manifestação no plano material, mundo das realizações – efeitos)

 

Precisamente está aqui outras das chaves da nossa missão neste plano material. Cada qual fazendo seu aperfeiçoamento pessoal e ajudando aos que vêm por detrás, no caminho, servindo de guia com as nossas condutas mais elevadas. Ajudando a minorar as trevas, aqueles grandes homens e mulheres, que chegaram a atingir maiores tônicas evolutivas na sua época, com sua luz. Os conhecedores dos Grandes Mistérios Druídicos ou Divinos, que se sincretizam com o tempo (no conhecimento entre os povos e culturas), abrindo mais as fendas do muro da ignorância para que a luz possa penetrar e a consciência da humanidade mudar…

 

Os Centros Geografícios (Os Impérios de ontem e de hoje) no seu aspeto positivo servem para juntar – unificar – criar uma unidade, que facilita esse sincretismo, primeiro no campo do saber espiritual de todos os povos (unindo-os na essência), depois no campo cultural, além do político (em tempos mais tolerantes, essa unidade se cria permitindo a diversidade, em tempos de contração, se suprimem as diferenças).

 

Esses Impérios, como realidade de Centro Geográfico dinamizador, no aspeto da luz, da cultura, da ciência e dos ensinamentos espirituais dependem também da tónica evolutiva da humanidade, em cada sociedade e determinando o momento da história. Mesmo quando a Consciência, tanto individual como Coletiva, alcançar um grau maior de conhecimento, os Centros Geográficos deixarão de ser Impérios em concorrência, em tempos de guerra – imposição, passando a ser parceiros nos campos do saber espiritual, cultural, político e social. Mas, de momento, ainda estamos no túnel da obscuridade, já podendo ver os sinais da chegada da alvorada; no entanto, ainda teremos de passar duras provações, próprias do estado de consciência global da humanidade…

 

Não esquecer que os dirigentes, que nos representam nascem do seio dos povos, normalmente entre as elites, mas também nas camadas populares; igualmente os grandes homens de ciência, tecnologia ou os guardiães da sagrada chama do Grande Conhecimento Druídico, que nunca pode apagar-se (pois se ela apagar-se – Agni, o fogo sagrado – apagar-se-ia o saber no mundo, e a queda no abismo seria um facto). Pois o Fogo Sagrado é o fogo da Inteligência e Vontade do Pai Cósmico – a Auga Divina, o Amor – Sabedoria da Mãe Cósmica; o ar, intermediário entre o Fogo e a Água (contendo a secura do fogo e a humidade da água) junto à terra, que nos empresta nossos corpos – compõem os 4 elementos alquímicos – acima dos quais a Quinta Essência Espiritual dinamiza a vida. E nós os filhos fazemos os trabalhos da Unidade Divina: Pai – Mãe, para ir moldando os mundos a favor do amor – paz – fraternidade.

 

O Lado Civilizador dos Impérios

 

O Império acádio de Sargão no ano 2270 a.C. teria unificado a Mesopotâmia, estendendo-se até ao Mediterrâneo e à Península Arábica, dominando partes da Pérsia. Sua filha, Grande Sacerdotisa dos mistérios da Deusa Istar, já recebera o legado de Inanna, a grande Deusa Mãe da cidade de Ur, na Suméria. Nesta época, provavelmente os mistérios espirituais e culturais da Suméria, Acádia e Babilónia (cidade menor no Império acádio) começaram a fusionar-se, chegando mesmo a influenciar o Egito. Mais tarde, o Império babilónico, com Nabucodonosor I, e o culto ao Deus Marduque seguiria sincretizando tradições. Daí, não é de estranhar que a Deusa Inanna – Istar, influenciasse a Deusa fenícia Astarte, que junto à Isis egípcia, influenciariam a Deusa grega Afrodite. O Império egípcio foi detentor dos mistérios e Thot, que passariam à Grécia influenciando os mistérios de Hermes e todas as tradições herméticas posteriores. A cidade grega de Elêusis, com o culto aos mistérios de Deméter e Perséfone, destacava-se nas suas iniciações. Estes cultos seriam passados ao Império Romano, onde os mistérios do Deus persa Mitra também tiveram acolhida, Nos tempos de Alexandre, o Grande, cunhou-se o termo oikoumenikos, com significado “pertencente a toda a terra habitada”, que daria no atual termo ecumenismo. Outra tentativa de universalização helenística, por meio do sincretismo espiritual e cultural. Unir pela essência, ao invés de dividir pela diferença.

 

O Império Selêucida dos Ptolomeus, herdeiros do Império dividido de Alexandre Magno, também manteve essa tendência de unificação pela essência, junto à helenização. Até dar-se de frente com o localismo isolacionista dos Macabeus, que terminou em levantamento. Levando a Independência da Judeia e a reconsagração do Templo de Jerusalém, profanado pelos gregos (na sua ideia unificadora, a proibição em 167 a.C. da prática do judaísmo por Antíoco IV, como uma forma drástica de acabar com a negação dos judeus à integração – sincretismo. Forçando mesmo o culto do Zeus Olímpico no Templo de Jerusalém, motivo principal da revolta). Entre os judeus, sempre houve duas tendências: universalista, acreditando os gentios podiam orar no templo de Jerusalém, e outra, na qual somente os judeus – povo eleito de Deus – podia orar, mantendo pura a sua tradição.

 

Com a chegada do Império Romano, esse sincretismo se manteve, agora no modelo de romanização, mas os judeus, com a rebelião dos “Zelotes”, aqueles que zelavam pela tradição, mantinha a ideia do Messias guerreiro, que chegaria para encumear o povo eleito. Daí Joseph Atwill, no seu livro “O Messiah de César”, mantem a hipótese da criação da figura de Jesus, pela dinastia flávia, com a colaboração dos judeus de Alexandria, como a família de Filon e o historiador Flavio Josefo, junto a Berenice (filha de Herodes Agripa), com a intenção de substituir o Messias da guerra pelo novo Messias da paz. Iogari Pujoll, no seu livro “Jesus o Egipcio”, conhecedor da língua demótica e estudioso de textos como os das Pirâmides, Setme II e outros, faz uma ideia da criação dos evangelhos de Mateus, Lucas e Marcos pelos sacerdotes de Serapis, em Menfis, ao serviço do Império Romano. Construindo os mesmos textos a partir de fontes egípcias… Mesmo assim, a figura de Cristo poderá haver existido, sendo o Yeshua verdadeiro o dos evangelhos apocrifos como os de Filipe, Tomé ou Barnabé…

 

Com a queda do Império Romano, e a chegada do poder germano, a cristianização já na sua versão atualizada por Constantino, no Concílio de Niceia, vai avançando, mudando, mas mantendo a sua raiz – de Verdade única, tendo nos tempos do Império Carolíngio expandido sua força.

 

O Centro Civilizatório Islâmico (que vai recolher o saber greco-romano e oriental), com o Al-Andalus e a cidade de Córdova, em tempos Abderraman III também como local de esplendor, vai manter viva a chama do conhecimento sagrado: personagens como Ibn Al-Arabi ou Rumi, vão expandir essa mística do Uno – Todo amor, e a doutrina cabalística das emanações, que na Península Ibérica vai ter muita força, com um centro de grande importância como Girona (expandindo-se posteriormente por toda a Europa). Após a queda do Poder Islâmico, o novo centro Civilizatório Ocidental começa seu caminhar, até aos nossos dias, já em decadência. Mas a sua raiz se funde no sincretismo do saber druidico celta, o nórdico – germânico, o hermetismo grego (que recolhe o saber egípcio e mesopotâmico), a cabala hebraica e, posteriormente, a teosofia. Muitos dos grandes cientistas chamados racionalistas”, em tempos onde a razão precisava confrontar uma religiosidade já caída na superstição, eram membros filiados a Sociedades Secretas, onde eram instruídos em iniciações místicas como Irmandades Maçónicas ou Rosa-Cruzes, entre outras…

 

Os trabalhos dos seres humanos nas tarefas evolutivas

 

Lembramos aqui as palavras de Migene González Wippler no seu livro “Jesus e a Cabala Mística: “Na Cabala, a escuridão é equiparada ao mal. Na visão cabalística, porém, o mal não é “mau”; é simplesmente separação de Deus, da sua luz (…) Quando a imensa energia de Deus em forma de luz atravessou a escuridão, ela formou círculos concêntricos, as Sephiroth. Essas Sephiroth são também conhecidas como vasos ou recipientes. O que eles continham era a luz de Ain Soph. Mas o poder dessa luz era tão grande que eles se quebraram devido a pressão (…) Os cacos ou pedaços dos vasos caíram na parte inferior da Árvore da Vida ficaram conhecidos como Qlippoth. Eles formaram outra árvore, um reino do mal povoado de forças negras (…) E Ain Soph no seu grande amor pela humanidade, queria oferecer-nos a dávida do livre-arbítrio. Mas para ter livre arbítrio, os seres humanos precisavam ter capacidade para distinguir entre o bem e o mal, onde o mal é entendido como estar separado de Deus”; para ressaltar o facto do livre arbítrio marcar todo o caminho de evolução – involução, no mundo.

 

Os ciclos, que nascem na Era de Cronos, quando o tempo entra em ação na criação (antes na era de Úrano, tudo era procriação – multiplicação do Uno, dentro da unidade: espaço-espaço) têm muito a ver com os trabalhos de livre arbítrio: quando uma civilização começa – um Império unifica-se, dentro da diversidade (permitindo mais ou menos a diferença, segundo a raiz mesma do poder imperial e o período histórico, de ascensão ou declínio); recolhendo também o que de melhor tinha o velho centro em queda; esse livre arbítrio da humanidade fazendo suas escolhas marca os caminhos desse novo processo histórico.

 

Também aqui entra em jogo o aspeto polar: o lado sombra e luz de todo o ser humano (a sombra tem de ser transformada no interior de cada ser, para isso é preciso ter o conhecimento necessário para não se perder no labirinto interior de cada um). No aspeto sombra, em ciclo de guerra, que ainda persiste na atualidade, nos Impérios que criam sua expansão com a espada; e também que com a espada decaem.

 

Levítico 24:17: E quem matar a alguém certamente morrerá – Êxodo 21:12-14: Quem ferir alguém, que morra, ele também certamente morrerá.

 

Daí, toda a mudança começa dentro de nós mesmos, e é chegado o tempo de aceder aquele conhecimento (guardado em tempos de grande brutalidade por uns poucos sábios), abrir-se ao conjunto da humanidade, sendo administrado a cada quem, dando acesso aquilo, que dentro da sua tónica precisa para evoluir…

 

Daí sempre existir uma hierarquia, que não tem de ser piramidal, senão horizontal – mas cada um dentro do plano, onde a sua missão seja precisa, para servir a humanidade. Tendo a pessoa a possibilidade também de receber o conhecimento não somente técnico, ou cientifico senão também espiritual, preciso para desenvolver corretamente a sua tarefa, no campo onde ele melhor se realizar: saúde, arte, literatura, filosofia, artes marciais, empresariais… Todas essas áreas precisas para melhorar a sociedade. Também estamos no tempo de mudar as dinâmicas de confronto partidário, para colaboração partidária no campo da política.

 

A ideia Universal de Unir o Mundo – Reintegrar as células no Todo

 

Daí que agora caminhemos em direção a um governo mundial, devagar (os processos na humanidade são seculares e mesmo milenares); mas não pode ser um governo duma elite financeira, criando vassalagem através das dividas sobre o resto dos povos, retirando-lhe seu direito de livre arbítrio, pelo controlo dos grandes meios de comunicação e do imaginário coletivo (modelo bem estudado por Michael Hudson em “Súper Imperialismo”); nem um governo dum Estado Totalitário Uni formador, que restrinja o livre arbítrio, que controle o imaginário coletivo e os meios de informação. Se bem que a Ordem e Lei devam imperar, terão de ser do consenso duma Unidade de Governo Mundial, baseado numa Federação de Povos; com um sincretismo universal, nascido da união das tradições de todos os povos, pela essência, mas mantendo cada povo seu caminho dentro da sua raiz própria (que como sempre se modifica pela eterna mudança, mas devagar, pela ação da aproximação com outros modelos e não pela imposição).

 

Somente trabalhando em favor desse futuro governo global, universalista, mas não de imposição duma elite privada ou estatal, poderemos chegar à integração de nosso planeta no cosmos. E a descobrir os seres cósmicos e divinos que realmente somos. Passando a ter contacto com outros seres de outros mundos, que também estão evoluindo no seu trabalho de ajudar a esta multiplicidade, nascida do Uno – Inteligência Divina – o Deus-Deusa, do qual nós somos seus fiilhos-filhas. Ajudando a aperfeiçoar a criação, utilizando com o  conhecimento à nossa altura, o nosso melhor possível livre arbítrio em favor do bem, e transformando os erros em bondande, beleza e amor. Reintegrando ao invés de isolando os irmãos – irmãs das culturas e povos diversos, junto com as suas línguas.

 

Daí um dos trabalhos mais importantes, nos dias de hoje, sejam aqueles povos que compartilham uma mesma língua (às vezes mesmo a herança dolorosa de ações imperialistas, unidades não criadas na universal ajuda mútua, e bom compartilhar, senão imposição, dominação e guerra) e aproveitar essa unidade cultural e linguística para maior aproximação solidária e relação de igualdade em todos os campos do saber.

 

Nesse aspeto, a Galiza, como mãe da língua galego portuguesa, pode e deve fazer um trabalho optando pela reintegração – universalidade, ao invés do localismo – isolação.

 

Lembrando, também, que o castelhano ou espanhol, como bem estudou Carvalho Calero, também nasceu do “Proto-Galaico”, na sua extensão ao leste (sendo o galego português que surge, na extensão, deste proto-galaico, pelo Ocidente) da península celtibérica; uma terra também que pode fazer de ponte, entre as duas culturas, com uma genética comum.

 

Mas sempre desde essa posição de respeito, igualdade, abertura do coração e ética; e não engano para tentar dominar, com os antigos métodos já conhecidos de imposição subtil, e substituição cultural forçada, “suavemente” ou pela força mais bruta.

 

No centro civilizador latino

 

Um novo centro geográfico representante da cultura Latina, em geral, está sendo criado no Brasil (levará decénios, mesmo séculos, mas já é imparável, apesar das contradições e crises atuais do país). Esse centro, onde todas as culturas do mundo já estão representadas, tem em certo modo Portugal como pai (que época de Independências na América Latina – com o interesse do Império Britânico em dividir espaços de unidade linguística e cultural, como aconteceu com os territórios hispânicos – para não concorrer, com o futuro poder anglo americano). Portugal soube ou teve a fortuna de manter a unidade do Brasil, que hoje lhe permite ser o 5º país mais grande do mundo. Com a metade da população da América do Sul, a metade do PIB do continente e uma biodiversidade natural e mineral das maiores do mundo. Rico e com capacidade de gerar prosperidade, enquanto os EUA entram mais em declínio (pois de momento com o centro norteamericano o brasileiro fica refém do poder do norte)…

 

Seu momento ainda não é chegado, mesmo com a queda da civilização Ocidental (que hoje parece entrou em entropia) um novo centro no hemisfério norte será criado – tal vez a Eurásia? Aguardemos sem guerra, que pode derivar num terrível confronto termonuclear – senão com um acordo geopolítico.

 

Mas, finalmente, o hemisfério Sul terá o seu momento e seu local de mudança – a transação será a América do Sul – com o Brasil, como centro hegemónico. Sendo que todo este processo, já milenar, se iniciou no útero da Mãe Galiza – de onde Portugal nasceu. E como fala o hino iniciático galego, composto pelo bardo Eduardo Pondal: “Os tempos são chegados”.

 

Não podemos esquecer o lado sombra do colonialismo tanto de Portugal como da Espanha, mas agora isso deve ser ultrapassado em prol dum processo de conhecimento mútuo entre os povos de ambas as culturas. Lembrar no lado positivo nomes como Bartolomé de las Casas (influenciado por frei António de Montesinos, que defendia a dignidade dos indígenas (no lado espanhol), ou o Padre António Vieira (defensor dos povos indígenas, lutador contra a escravatura), Manuel da Nóbrega ou o Padre Anchieta (Canário de nascimento), mas que foi o primeiro criador duma gramática em língua tupi e dos primeiros autores da literatura brasileira (no lado português)… Pessoas que, com todas as suas luzes e sombras, estavam a preparar desde o amor estas novas terras de promissão, para a sua futura missão, de dar a luz uma civilização, com um novo paradigma para uma nova humanidade – quando a transição dos centros do hemisfério norte vire em favor do hemisfério sul. Seguindo o universalismo reintegrador, ultrapassando o localismo isolacionista.

 

Sendo que organizações como a CPLP – hoje, como temos falado, quase um clube de negócios, mas já com agenda social serão vitais nesta mudança. E a Galiza como mãe terá concluído seus trabalhos civilizatórios, entrando em tempo de descanso, quando traspassar para o Brasil todo o seu conhecimento espiritual celta, junto aos seus conhecimentos culturais e científico – tecnológicos. Daí a colaboração Galiza – Brasil – Portugal, a cada dia, em todas as áreas, ser mais fluente; hoje entre grupos académicos, musicais, culturais, agora também empresariais… amanhã entre os povos…

 

Como o próprio físico quântico Amit Goswami, homem que trabalha a ponte espiritualidade-ciência com livros como a “Física da Alma”, tem afirmado que se em um país a espiritualidade está aberta para progredir, e onde ele se sente muito cómodo é no Brasil… Sinal do advento dos novos tempos. Não podemos esquecer os trabalhos de gente como Norberto Keppe, Jose Henrique de Souza, o português Agostinho da Silva, e outros muitos, têm feito dentro do Brasil para essa aliança ciência-espiritualidade dar como resultado esse novo futuro centro civilizador, onde de novo o universalismo seja capaz de integrar, diluindo o localismo, que tenta isolar…

 

“Conhecer os outros é inteligência, conhecer-se a si próprio é verdadeira sabedoria. Controlar os outros é força, controlar-se a si próprio é verdadeiro poder. “ (Lao Tse)

 

OS TRABALHOS DE LIBERTAÇÃO DOS FILHOS – FILHAS

 

Foi precisamente pelo sacrifício de muitos “Avataras” – Filhos de Deus (alguns deles em crucifixão ritual), junto ao martírio de outros muitos filhos e filhas, que eram encarnação das hierarquias divinas e suas cortes celestiais, na Terra, que foi quebrado o véu que os cabalistas chamam de Paroqueth. O Véu baixo do Paroqueth somente permitia a humanidade vivenciar as três esferas do mundo Yetzirah, o mundo da formação. A humanidade somente podia trabalhar, por cima da esfera de Malktuh (a física do mundo de Assiah), na esfera psicoemocional lunar de Yesod, na esfera sensitiva – sensual do amor natural de Netzach, associada a Vênus, e na esfera da Inteligência racional de Hod, associada a Mercúrio.

 

Uma vez quebrado esse véu, a humanidade pode aceder à esfera de Tiphareth, onde o Cristo ou Budha Interno fica livre para a experiência de toda a humanidade (não somente duns poucos eleitos que, pela sua evolução – encarnação, às vezes de hierarquia de luz, para trabalhar na Terra, poderiam Iluminar-se). Tiphareth é a única esfera da árvore da vida que tem ramificações, canais de conexão com todas as esferas da mesma árvore. Nela, é feita a crucifixão sagrada real ou ritual, cerimonial. Essa esfera dá acesso direto ao Pai Kether, permite, desde a consciência psicoemocional de Yesod (uma vez quebrado o véu de Paroqueth), elevar-se ao Divino em nós – nosso Espírito – Eu Superior, para desde este centro receber a iluminação – reflexos do pai Kether – Parabrahman. Sendo Tipareth a esfera principal do mundo de Briah, da Criação, na 6ª Dimensão. Como a mente humana somente pode conhecer o Pai – Kether, através dos reflexos na esfera do Filho Espiritual – Crístico ou Budhíco de Tipareth; daí a importância da queda do véu de Paroqueth. Essa quebra conquistada pelo sacrifício dos Filhos encarnados – Avataras, dos diversos tempos, e os trabalhos de sacrifício e martírio dos seus cortesãos, suas hostes de luz encarnadas na terra. Assim, pode-se agora cumprir aquele versículo de João 14:9 “…Quem me vê a mim vê o pai…”; ao poder ver o Cristo Interno – o Budha, o Divino em nós, podemos ver os reflexos do pai. Mas, para isso acontecer, antes temos de conquistar esse direito, retirando de nós toda a sombra que encobre essa visão. O Início do trabalho é ultrapassar os vícios e os pequenos medos, transformação pela virtude e coragem. O final do trabalho é superar o medo atávico à morte.

 

Para ultrapassar o medo à morte, somente através da crucifixão ritual, o confronto no nosso mais profundo inferior – inferno, com o Demónio interno – a sombra mais grande em nós. É necessário passar por provações onde põe-se em risco a mesma vida, esta era a visão predominante nas inações Mediterrânicas – desde o Egito, a Grécia até à Pérsia e, anteriormente, a Suméria. Provavelmente também nas iniciações dos guerreiros celtas, nórdicos ou germanos. Mas nas iniciações orientais, aparece um elemento mais pacífico, desde a Índia à velha China. No Japão dos Samurais, a marcialidade masculina aparece, como em certos métodos da China, com mais finca-pé no rigor que no amor. Outras vezes se torna num ensinamento de rigor amoroso e amor rigoroso, com a equanimidade no centro, voltando ao triângulo equilátero do equilíbrio.

 

As artes marciais, atividades físicas, conexão com os Deuses da guerra – para bem utilizar a sua energia na luta com o demo interno, e não para utilizar essa energia da esfera do rigor de Geburah, associada a Marte, em favor da destruição ególatra, dominação – também eram de ajuda. As provas de sobrevivência em ambientes difíceis na floresta também eram e podem ser importantes para pessoas que têm essa via de realização espiritual. Antigamente, nas tribos da América do Norte e em muitos outros lugares da terra, trabalhavam com os filhos para quando chegar a Idade dos 15 anos da adolescência, interná-los na floresta pela noite sozinhos, para começarem a preparar-se como futuros guerreiros.

 

Contam que os Cherokees, de etnia iroquesa, quando o filho chegava aos 14 anos era acompanhado com o pai no interior da floresta à noite. No filho, era colocada uma fita nos olhos e o deixavam sentado no sopé duma grande árvore, ordenando-lhe que não se mexesse escutasse o ruído que escutasse. O pai anunciava depois ao filho sua marcha… Se o filho aguentasse a prova, quando amanhecesse, podia retirar o pano dos olhos. Nesse momento, via como o pai tinha permanecido (sem ele saber) toda a noite, ali ao seu lado. Ele ganhava força e poder interior, confiança em si mesmo e os laços do amor com o Pai eram fortificados…

 

Hoje, através de praticas como o Zen, sentar-se em zazen, observando em princípio a respiração, com a postura adequada (preparação do Mestre zen dos alunos, na vigilância da postura), após o tempo, e a dedicação plena de sentir-se presente no instante do agora; fala-se em poder chegar a estados de Samadhi ou comunhão com o universo: conexão com o divino interior. Mas um estado permanente de pacificação completa da mente, dentro da “concentração correta” (um dos aspetos do nobre caminho óctuplo) somente será realizado em ausência de nenhum tipo de medo. E sempre existe algum aspeto do medo, a acordar em nós, em determinado momento, enquanto não se ultrapassar o medo à morte.

 

Pela prática continuada de alguma destas tradições, podemos mesmo chegar ao estado de Samadhi, chamado de Savikalpa Samadhi (samádi com resíduos de ego). Continuando na prática e aprofundando nela, podemos chegar ao estado mais elevado de Nirvikalpa Samadhi (samádi sem resíduos de ego). Não havendo resíduo de ego, o caminho evolutivo de conexão direta com o Divino em nós está aberto – pois sem ego, não existe sombra, não existe medo à morte – nem existe pensamento. Eu (que, segundo Ramana Maharshi, é o pensamento que inicia a Mente ególatra, identificando-se com o corpo e trabalhando no nível inicial do desenvolvimento humano: a sobrevivência).

 

Nesse esse estado de dissolução do Ego, o perdão de nós mesmos e dos outros (de nossos erros, e daqueles que connosco erraram), junto à renúncia à materialidade, é um fato. A partir daí, o processo de elevação torna-se um caminho mais ensolarado. Processo de ascensão que, como bem explicava a grande Mestra espiritual portuguesa e grande astróloga, Maria Flávia de Monsaraz (fundadora do centro Quiron), sempre se produz por meio da espiral de ascensão. Na espiral, um primeiro sempre desce para subir. No evangelho apócrifo de Bartolomeu, temos o relato de como Yeshua, uma vez morto na cruz, primeiro desce aos infernos antes de subir ao céu: parábola da limpeza das sombras, nossos demos internos, antes da ascensão a luz – ao Todo Amor (aonde somente se pode chegar em ausência de vício, ódio, ressentimento e medo).

 

Quando desapareci da cruz, desci aos Infernos para dali tirar Adão e a todos que com ele se encontravam, cedendo às suplicas do arcanjo Gabriel (…)  Quando desci, pois, com meus anjos ao Inferno para romper os ferrolhos e as portas de bronze (…) Naquele preciso momento, entrei. Eu o flagelei (ao Diabo do Tártaro Belial) e o atei com correntes que não se rompem. Depois fiz sair a todos os Patriarcas e voltei novamente para a cruz” (trechos do Evangelho Apócrifo de Bartolomeu)

 

E todos estes trabalhos, de milénios, na terra, feito pelos grandes filhos de Deus, homens e mulheres, sem sagrado sacrifício pela humanidade, nos dão hoje a possibilidade de aceder ao nosso verdadeiro poder. E de criar, decénio a decénio, século a século (seguindo essa estela do sacrifício na terra, para espiritualizar a matéria), uma Nova Sociedade Global – Universal e Espiritual: Unida na Ajuda Mútua e Fraterna.

Artur Alonso: escritor com vários livros editados de teatro, poesia, ensaio e romance…

Ex diretor do Instituto Galego de Estudos Internacionais e da Paz.

Ex secretario do Instituto Galego de Estudos Celtas.

Membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono.

Membro de Honra da Associação de Escritores.Mocambicanos na diáspora.

Membro do Conselho de Redação da Revista Identidades, etc.

 

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